Amazônia – um espectro ronda o Brasil

Um espectro ronda o Brasil: o espectro da internacionalização da Amazônia. A ameaça, desta vez, partiria não do comunismo internacional mas dos próprios países capitalistas.
É curioso observar que o argumento de internacionalização da Amazônia vem sendo esgrimido por aqueles que sempre estiveram associados à internacionalização da economia brasileira. O fantasma da internacionalização, exibido por um governo que, como seus antecessores, mantém associações íntimas com empresas multinacionais e governos capitalistas, seria um espantalho ridículo que só faria sorrir se não estivessem em jogo duas questões sérias: a devastação ecológica da Amazônia e o apelo ideológico do nacionalismo nos setores de oposição e na esquerda em geral.

A devastação da Amazônia é um fato. Discute-se se a destruição da floresta já atingiu 11% ou se ainda permanece no patamar de 7%. De qualquer forma, a situação é alarmante, tendo em vista a inexistência de uma política ambiental séria para aquela região. Os institutos de pesquisa no Brasil foram ameaçados com o veto presidencial à rubrica Ciência e Tecnologia do orçamento da União, aprovado pelo Congresso Nacional. Tal é o caso, entre outros, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa).

O governo Sarney, ao inviabilizar a pesquisa científica, impede a autonomia tecnológica e aprofunda a dependência, tornando o Brasil comprador de pacotes tecnológicos importados dos países mais desenvolvidos. Esse mesmo governo aparece-nos agora trajado de vestimenta nacionalista ao tratar do problema da devastação da floresta amazônica, esquecido de que a Amazônia, por sua ação ou omissão, já está parcialmente internacionalizada: as grandes empresas mineradoras são multinacionais; muitas terras e projetos agropecuários estão em mãos de estrangeiros e de empresas “nacionais” testas-de-ferro; empresas multinacionais banqueteiam-se fornecendo vultuosos equipamentos aos grandes projetos hidrelétricos do governo brasileiro naquela região, alguns ligados à exportação de minérios (Tucuruí -Carajás).

Uma súbita arenga nacionalista oficial, mesmo na boca de quem sempre defendeu o capital estrangeiro, encontrará sempre alguma receptividade num país asfixiado hoje pela dívida externa e palco ontem de memoráveis campanhas nacionalistas, como a do monopólio estatal do petróleo, por exemplo. Mas a verdade acaba por prevalecer. Ninguém é ingênuo para ignorar que os países estrangeiros têm seus próprios interesses de Estado. Mas ninguém é tolo para não perceber que o governo brasileiro só inventou a ameaça de internacionalização ao sentir-se acuado pelas denúncias, dento e fora do Brasil, de devastação da floresta amazônica. E acabou chegando ao cúmulo chauvinista de recusar as propostas de conversão de parcelas da dívida externa em projetos de defesa ambiental.

A imprensa européia e norte-americana vem dando destaque cada vez maior às questões ambientais (camada de ozônio, efeito estufa, CFC, etc.) que ameaçam a Terra e as condições de vida em nosso planeta. Por força de uma maior consciência da opinião pública e de uma pressão organizada dos ecologistas, o Banco Mundial passou a exigir, para liberar seus financiamentos, relatórios de impacto ambiental e medidas que minimizassem o impacto social dos grandes projetos. O governo federal, em conseqüência, acabou descobrindo que havia seres humanos no “vazio demográfico” da Amazônia: índios e seringueiros, tradicionalmente assassinados pelas frentes de ocupação e expansão econômica, passaram a ser levados em consideração sob pena da não-liberação de empréstimos internacionais.

Mas a política oficial, de inspiração militar, é e continua sendo a ocupação desenfreada e predatória da Amazônia. Para os militares, a segurança nacional depende dessa ocupação, que deve ser promovida a todo custo. Uma ocupação a ferro e fogo, se necessário.

O resultado tem sido o massacre da população nativa e a devastação florestal, de conseqüências imprevisíveis, na medida em que países estrangeiros se sentem por ela ameaçados.

A denúncia de uma internacionalização da Amazônia – inaceitável para todos os brasileiros – é uma cortina de fumaça para ocultar a destruição ambiental nessa região. O governo utiliza esta denúncia como Getúlio Vargas utilizou o Plano Cohen no Estado Novo ou a ditadura militar o fantasma do comunismo internacional. “Se non é vero é bem trovato.”

Liszt Vieira é vice-presidente do nacional do Partido Verde (PV), fundador da Assembléia Permanente do Meio Ambiente do rio de Janeiro e foi deputado estadual (PT-RJ)

Folha de São Paulo – 03/05/1989