O Globo, sábado, 19 de fevereiro de 2011
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro necessita ampliar seu arboreto para cultivar as milhares de espécies de plantas ameaçadas de extinção no Brasil e contribuir, desse modo, para que o governo brasileiro possa cumprir metas assumidas no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica da ONU.
A possibilidade dessa expansão se encontra bloqueada pela existência, há muitas décadas, de cerca de 600 casas ocupadas por moradores que se instalaram nessa área da União, sendo que pelo menos dez por cento dessas casas estão em situação de risco.
Há anos a administração do Jardim busca uma solução negociada, o que implica, necessariamente, concessões de pare a parte. Mas a Associação de Moradores do Horto, que defende os ocupantes, com o apoio de alguns setores do PSOL e do PT do Rio, não se mostrava disposta a negociar, mantendo-se numa atitude fundamentalista do tipo “daqui ninguém sai”, contrapondo-se à atitude igualmente intransigente dos que propõem que todo mundo deve sair.
A primeira proposta de acordo foi elaborada no âmbito de um Grupo de Trabalho coordenado pela Secretaria de Patrimônio da União, em 2005, com o apoio do Jardim Botânico, e incorporada num relatório enviado em seguida à esfera federal. Previa, em síntese, um plano urbanístico com arruamento, saneamento básico, iluminação pública, equipamentos urbanos, além da construção de prédios, com financiamento pela Caixa, em áreas próximas para abrigar parte dos moradores a serem reassentados. Esse relatório apresentava três propostas que envolviam estudo técnico do Instituto Pereira Passos, da prefeitura do Rio de Janeiro, mas foram rejeitadas pela Associação e acabaram caindo no esquecimento.
Em 2009, outra proposta foi encaminhada pelo Jardim Botânico. Nunca obtivemos resposta alguma, nem temos conhecimento de que a mesma foi discutida. Ao contrário, o que houve foi uma ação traiçoeira de propor, na Câmara dos Vereadores, um projeto de lei que cria no Horto uma área especial de interesse social.
No início de 2010, a Secretaria de Patrimônio da União contratou uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro para realizar um cadastramento atualizado que servisse de base de dados para uma discussão s[eria em busca de uma solução negociada. Terminada a eleição, e afastada a possibilidade de eventuais tentativas de exploração eleitoral, a secretaria e o Jardim Botânico retomaram o diálogo para encontrar um caminho de entendimento que respeitasse o plano de expansão do arboreto.
Isso significa que os moradores que se encontram dentro desse plano de expansão teriam de ser reassentados. Os demais ocupam áreas que não são prioritárias para o JBRJ, mas que foram tombadas pelo Patrimônio Histórico. O tombamento do Horto foi aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1969.
Vale ressaltar alguns trechos do que escreveu o paisagista Burle Marx, na época: “O Jardim Botânico tem sido retalhado e diminuído de sua área, através do constante uso de manobra sorrateira e hábil (…). O Horto é uma gleba de 83 hectares, o prolongamento natural do Jardim Botânico”, é “parte indispensável, manancial e área de integração do Jardim”.
A utilização da área para habitação “constitui uma violação das instituições culturais e da história… O Jardim Botânico, com o Horto, se constitui num todo indivisível, na totalidade da área de 1.370.000m²”.
A ocupação desordenada provocou a destruição dos chamados “talhões florestais”, de grande interesse botânico, de que restam, ainda alguns remanescentes. Mas isso não foi somente consequência da ocupação habitacional. Durante a ditadura militar, parte desses talhões florestais foi destruída para a construção do prédio do Serpro e da subestação da Light.
O Jardim Botânico é um instituto de pesquisa científica, não tem competência legal para decidir sobre patrimônio da União. Por lei, nosso critério só pode ser botânico e ambiental. Mas há outros pontos de vista – paisagísticos, históricos, urbanísticos, habitacionais etc. Estamos dispostos a discuti-los.
LISZT VIEIRA é presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.