PARLAMENTARISMO À BRASILEIRA
O presidente do Senado Federal contestou a decisão do novo presidente da Câmara dos Deputados que anulou a sessão do impeachment, mas no mesmo dia voltou atrás. Estamos diante de um cenário de opereta cujo último ato, com a ação impetrada pela AGU, será escrito pelo STF, como tem ocorrido entre nós.
A tragicômica sessão que deliberou o impeachment mostrou que a grande maioria dos parlamentares não tinha ideia do fundamento jurídico do impedimento: daí a invocação de Deus, família, cidade de origem, fumicultura, segurança, um torturador de presos políticos, a paz em Israel etc. Provavelmente, nem sabiam o significado de pedaladas fiscais. A imprensa internacional falou em circo e carnaval.
Foi um voto de desconfiança típico do regime parlamentarista. O Governo cai porque não tem maioria no Parlamento. O Brasil tem um regime híbrido: um Legislativo de vocação parlamentarista e chefia presidencial, um Executivo presidencialista, e um vazio político preenchido por um Judiciário cada vez mais politicamente ativo.
É conhecida a citação de Marx, em sua obra “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, lembrando Hegel quando disse que os fatos da História ocorrem duas vezes. E Marx acrescentou: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.
O impeachment de Collor foi a tragédia. Sem liderança nacional, foi lançado como um deus ex machina e ganhou, com apoio da mídia, a eleição presidencial em 1989. Afundou depois em corrupção e acabou sofrendo impeachment, após memorável campanha popular.
O impeachment de Dilma é a farsa. Inventaram um crime para acabar com um governo – ruim, sem dúvida, mas eleito – em meio a uma profunda crise econômica que mobilizou poderosos grupos de pressão. O futuro dirá até que ponto o estilo tecnocrático da Presidente, avesso ao diálogo, ajudou a destruir as pontes políticas que precisava conservar.
Mas o presente já mostra que, há 13 anos no poder, o PT não contribuiu para a mudança do sistema político. Continuou operando o presidencialismo de coalizão e fez concessões à bancada BBB (boi, bala e bíblia). Conseguiu avanços, mas permaneceu na lógica do sistema. Foi conivente com o mensalão e com a corrupção na Petrobras e outras estatais para alimentar tecnocratas e políticos corruptos de vários partidos, inclusive da oposição. Além disso, erros monumentais, como a compra da Refinaria Pasadena, contribuíram para a fama de incompetente da presidente Dilma.
Com alguns ministros alvos da Lava Jato, a montagem do Governo Temer mostra que o modelo de negociação de cargos é o mesmo de sempre. E diversos ministros do governo Dilma e Lula vão participar do novo Governo. O homem forte da economia, Meireles, foi indicado por Lula para Ministro da Fazenda do governo Dilma.
Algumas mudanças virão: mais rigor no combate à inflação e ao desequilíbrio das contas públicas, com arrocho salarial e desemprego. E, provavelmente, aumento de imposto com o apoio de muitos economistas que antes eram contra. Muita coisa vai continuar, como o desprezo à sustentabilidade, comum ao desenvolvimentismo e ao neoliberalismo.
Sairá ganhando o setor financeiro e parte do empresariado industrial. Melhora o clima de negócios para atrair investimentos. Mas a classe média, que desembarcou do PT quando – a exemplo dos demais partidos – abandonou a ética na política, em pouco tempo se desencantará com o novo Governo e perceberá que o melhor caminho para superar a crise política passa pela eleição presidencial direta ainda este ano.
Liszt Vieira – Doutor em Sociologia,