TRUMP: GUERRA OU IMPEACHMENT? – O Globo, 15/04/2017
Apesar de ser loucura, há nisso um método – Shakespeare, Hamlet
Além do eleitorado conservador do Tea Party, votou em Trump a antiga classe operária industrial, hoje desempregada com o fechamento de fábricas pela globalização e inovação tecnológica. Indústrias tradicionais, como a automobilística, foram automatizadas, e inúmeros processos de trabalho robotizados.
O discurso populista de Trump vai na contramão das posições históricas do seu partido em defesa da globalização econômico-financeira. As grandes empresas multinacionais de origem USA passaram a produzir fora do território americano para aproveitar a mão de obra barata da Ásia que é hoje a grande fábrica dos EUA. A proposta protecionista de Trump se choca com o capitalismo contemporâneo. O lema do America First estava fadado a ter vida curta.
Nos anos 2000, um movimento internacional da sociedade civil criticou a globalização neoliberal de dominância econômico-financeira. “Um outro mundo é possível” era o lema altermundista do Forum Social Mundial. Hoje, o principal ataque à globalização vem de um nacionalismo de direita que cresce na Europa e nos EUA. Isso parece indicar uma reação do nacional contra o global para a defesa de posições perdidas: emprego, soberania, autonomia etc.
Além da agenda econômica, a segunda metade do século XX viu surgir novos movimentos sociais baseados em identidades – étnica, de gênero, religiosa, sexual – e na denúncia da destruição ambiental: feministas, LGBT, negros, ambientalistas. Os atores políticos dessa nova agenda encontraram seu grande inimigo na figura de Trump e suas sobejas demonstrações de misoginia, xenofobia, homofobia, racismo e desprezo pela proteção do meio ambiente.
A impopularidade do governo Trump tende a aumentar. Sua proposta de orçamento prejudicou sua base eleitoral: reduziu significativamente as verbas de saúde, educação, meio ambiente, programas sociais e aumentou em 54 bilhões de dólares o orçamento militar.
Como, no plano doméstico, não poderá entregar o que prometeu, Trump passou a cortejar a possibilidade de guerras no exterior. O estrategista chefe da Casa Branca, Steve Bannon, recém exonerado, mas influente, anunciou que os EUA irão à guerra no mar do sul da China em cinco ou dez anos (The Guardian, 2/02/2017). Antes disso, poderão fazer uma ação militar contra a Coréia do Norte, mesmo com o risco de guerra nuclear. O secretário de Estado Rex Tillerson afirmou recentemente que todas as opções “estão na mesa”. E estrategistas militares já estão estudando um cenário de guerra (The Hill, 17/03/2017). Tudo isso, antes do bombardeio da Síria.
As cartas estão embaralhadas. O maior aliado dos EUA no sudeste asiático é hoje o Vietnam, cujo grande inimigo é a China. E o grande inimigo do Camboja – aliado da China – é o Vietnam, que controla a antiga Indochina francesa. No Oriente Médio, após o governo Obama recuar e aceitar a influência russa e iraniana na Síria, o governo Trump aproveitou o ataque químico que teria sido ordenado por Assad e bombardeou a Síria.
Por outro lado, Trump já colheu derrotas no Congresso, e circula hoje uma petição com mais de 500 mil assinaturas pedindo seu impeachment que se basearia em quatro fundamentos: 1) conexão russa, 2) recusa em obedecer ordem judicial, 3) corrupção e 4) perjúrio e outras formas de mentira (The Huffington Post, 16/02/2017).
A atitude caótica e insana de Trump dissimula mas não oculta seus planos para levar os EUA a guerras contra não-brancos e não-cristãos. Para impedir novas cruzadas militares, há quem aposte que o Congresso americano vai optar pelo impeachment.
Liszt Vieira – Doutor em Sociologia, Professor da PUC-Rio