A COP-21 VEM AÍ!

A COP-21 VEM AÍ!

No próximo mês de dezembro, em Paris, será realizada a 21ª. Conferência das Partes, das Nações Unidas, sobre mudanças climáticas, a COP-21. Espera-se a presença de 146 delegações, mais de 40 mil participantes. Metade deles representa a sociedade civil: ONGs, sindicatos, movimentos sociais, populações tradicionais etc. O número de jornalistas deve alcançar a ordem de 3 mil.

O orçamento do encontro se eleva a 165 milhões de euros, o que é considerado insuficiente pelo governo francês que apelou para a contribuição do setor privado, Segundo Laurent Fabius, Ministro de Relações Exteriores da França, será necessária uma contribuição empresarial na faixa de 20% do total. O custo da COP-21 será três vezes maior do que a COP-15 realizada em 2009, em Copenhague.

As organizações não governamentais que lutam contra as energias sujas, como o carvão, por exemplo, se insurgiram contra essa parceria com empresas poluidoras interessadas numa grande operação de greenwashing. 350 organizações denunciaram que grande número das empresas patrocinadoras desenvolvem ações incompatíveis com o clima. Elas denunciam a incoerência do governo e temem que as negociações fiquem na mão dos poluidores. A Rede de Ação do Clima, por exemplo, acusou o Governo de não haver escolhido os atores da transição energética.

Para a Ministra de Ecologia do Governo Francês, Segolène Royale, as negociações da ONU são totalmente inadequadas para enfrentar as mudanças climáticas. A rigidez do processo de negociação impede uma tomada rápida de decisões. A cada ano as decisões são adiadas para o ano seguinte. Com efeito, essa contradição entre a rigidez do processo e a urgência climática bloqueia o avanço em direção às decisões recomendadas pela comunidade científica. Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, um bom acordo final deveria ter no máximo 20 páginas. Atualmente, a proposta de acordo contém mais de 80.

O grande objetivo é garantir que o aquecimento global não ultrapasse a meta de 2ºC. Após isso, as consequências desastrosas das mudanças climáticas seriam imprevisíveis, com terríveis impactos na agricultura e produção de alimentos, por exemplo. Fala-se muito em “descarbonização” do capitalismo, mas pouco tem sido feito para reduzir substancialmente as emissões de gases-estufa. Isso exige um novo modelo de produção e consumo, o que implica um novo modo de existência, um novo modelo civilizatório que, na prática, não vem sendo apoiado pelos Estados, nem pelos mercados nem pela maioria das sociedades.

Por exemplo, a diferença entre o preço pago pelos consumidores e os custos reais dos combustíveis fósseis correspondem a um subsídio, direto e indireto, da ordem de 5,3 trilhões de dólares, segundo cálculo do FMI citado recentemente pelo engenheiro florestal especialista em clima, Tasso Azevedo. A retirada desses subsídios liberaria recursos para fornecer energia às populações mais pobres e promover fontes renováveis de energia.

Na atividade produtiva, é preciso romper com a lógica econômica linear, do tipo “extrair-fabricar-descarregar”, que extrai cada vez mais recursos da natureza. A não valorização dos resíduos, a não reutilização dos produtos usados, a não reciclagem aumentam muito as necessidades de energia. A luta contra as emissões de gases-estufa diz respeito a todos os setores da atividade econômica. Ela exige um modelo sustentável de utilização dos recursos naturais, mais sóbrio e eficaz, alimentado por energias limpas e baseado no princípio da economia circular, isto é, da economia que transforma resíduos em recursos.

Produzir novas matérias primas reciclando resíduos emite menos CO2 do que extrair matérias primas virgens do meio ambiente. Por exemplo, na área dos plásticos, empregar PET reciclado reduz em 70% as emissões de gás carbônico em relação ao PET inicial. A economia circular é uma importante alavanca para diminuir as emissões de CO2.

As reservas de petróleo são suficientes para várias décadas de consumo e as de carvão para vários séculos. É pouco provável que haja uma renúncia voluntária, sem medidas coercitivas para punir o uso/abuso de energias fósseis e premiar o uso de energias alternativas.

Nesse sentido, é importante discutir a proposta de fixar um preço do carbono em escala mundial. Trata-se de integrar o custo das externalidades ligadas ao gás carbônico – como já se pratica em relação a esgoto e resíduos – aplicando o princípio poluidor-pagador: quem polui paga, e quem despolui é ajudado.

Atualmente, na ausência de preço do carbono obrigando o pagamento do uso da atmosfera como “descarga de gás de efeito estufa”, qualquer um é livre para lançar na atmosfera volumes ilimitados de CO2. Não é possível combater o aquecimento global com mecanismos de regulação fracos.

Aumenta no mundo a preocupação com os efeitos desastrosos do aquecimento global provocado pela emissão de gases-estufa provenientes do uso de combustíveis fósseis: petróleo, gás, carvão. Os chefes de Estado dos países industrializados, reunidos no G7 na Alemanha em princípios de junho deste ano, declararam apoiar a redução das emissões de CO2 de 40 a 70% até 2050, em relação aos níveis de 2010. As emissões seriam zeradas até o fim do século. Ao mesmo tempo, as negociações que se desenvolviam na cidade de Bonn pouco avançaram. Segundo Carlos Rittl, do Observatório do Clima, “existe uma grande diferença entre o que os líderes dizem no G7 e as propostas que põem na mesa”.

Enquanto isso, no Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou, em fins de maio último, a criação de novas usinas térmicas a carvão e gás, altamente poluentes. O Ministério da Agricultura quer avançar sobre terras indígenas e parques nacionais para uso do agronegócio, atropelando a biodiversidade. O Ministro de Assuntos Estratégicos demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade que não é considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente silencia, como de costume.

O Brasil ainda está entre os dez maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa. Está, portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos substanciais de reduções de suas emissões. Mas a presidenta Dilma já anunciou sua rejeição a energias alternativas – solar, eólica, biomassa – por “falta de escala”. Consta que, há cerca de dois ou três anos, um empresário chinês interessado em investir em energia solar ouviu de um alto funcionário do Ministério de Minas e Energia que “o Brasil não está interessado em energia solar”. Por seu lado, o Ministério do Meio Ambiente não defende uma agenda ambiental junto ao Palácio do Planalto.

Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo dos discursos oficiais. A COP-21 é uma grande oportunidade para o Brasil ressurgir das cinzas e propor medidas eficazes de combate às mudanças climáticas que flagelam a humanidade ameaçada pela destruição irresponsável dos recursos naturais.

Liszt Vieira
Doutor em Sociologia
Professor da PUC-Rio

 
 

A COP-21 VEM AÍ!

No próximo mês de dezembro, em Paris, será realizada a 21ª. Conferência das Partes, das Nações Unidas, sobre mudanças climáticas, a COP-21. Espera-se a presença de 146 delegações, mais de 40 mil participantes. Metade deles representa a sociedade civil: ONGs, sindicatos, movimentos sociais, populações tradicionais etc. O número de jornalistas deve alcançar a ordem de 3 mil.

O orçamento do encontro se eleva a 165 milhões de euros, o que é considerado insuficiente pelo governo francês que apelou para a contribuição do setor privado, Segundo Laurent Fabius, Ministro de Relações Exteriores da França, será necessária uma contribuição empresarial na faixa de 20% do total. O custo da COP-21 será três vezes maior do que a COP-15 realizada em 2009, em Copenhague.

As organizações não governamentais que lutam contra as energias sujas, como o carvão, por exemplo, se insurgiram contra essa parceria com empresas poluidoras interessadas numa grande operação de greenwashing. 350 organizações denunciaram que grande número das empresas patrocinadoras desenvolvem ações incompatíveis com o clima. Elas denunciam a incoerência do governo e temem que as negociações fiquem na mão dos poluidores. A Rede de Ação do Clima, por exemplo, acusou o Governo de não haver escolhido os atores da transição energética.

Para a Ministra de Ecologia do Governo Francês, Segolène Royale, as negociações da ONU são totalmente inadequadas para enfrentar as mudanças climáticas. A rigidez do processo de negociação impede uma tomada rápida de decisões. A cada ano as decisões são adiadas para o ano seguinte. Com efeito, essa contradição entre a rigidez do processo e a urgência climática bloqueia o avanço em direção às decisões recomendadas pela comunidade científica. Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, um bom acordo final deveria ter no máximo 20 páginas. Atualmente, a proposta de acordo contém mais de 80.

O grande objetivo é garantir que o aquecimento global não ultrapasse a meta de 2ºC. Após isso, as consequências desastrosas das mudanças climáticas seriam imprevisíveis, com terríveis impactos na agricultura e produção de alimentos, por exemplo. Fala-se muito em “descarbonização” do capitalismo, mas pouco tem sido feito para reduzir substancialmente as emissões de gases-estufa. Isso exige um novo modelo de produção e consumo, o que implica um novo modo de existência, um novo modelo civilizatório que, na prática, não vem sendo apoiado pelos Estados, nem pelos mercados nem pela maioria das sociedades.

Por exemplo, a diferença entre o preço pago pelos consumidores e os custos reais dos combustíveis fósseis correspondem a um subsídio, direto e indireto, da ordem de 5,3 trilhões de dólares, segundo cálculo do FMI citado recentemente pelo engenheiro florestal especialista em clima, Tasso Azevedo. A retirada desses subsídios liberaria recursos para fornecer energia às populações mais pobres e promover fontes renováveis de energia.

Na atividade produtiva, é preciso romper com a lógica econômica linear, do tipo “extrair-fabricar-descarregar”, que extrai cada vez mais recursos da natureza. A não valorização dos resíduos, a não reutilização dos produtos usados, a não reciclagem aumentam muito as necessidades de energia. A luta contra as emissões de gases-estufa diz respeito a todos os setores da atividade econômica. Ela exige um modelo sustentável de utilização dos recursos naturais, mais sóbrio e eficaz, alimentado por energias limpas e baseado no princípio da economia circular, isto é, da economia que transforma resíduos em recursos.

Produzir novas matérias primas reciclando resíduos emite menos CO2 do que extrair matérias primas virgens do meio ambiente. Por exemplo, na área dos plásticos, empregar PET reciclado reduz em 70% as emissões de gás carbônico em relação ao PET inicial. A economia circular é uma importante alavanca para diminuir as emissões de CO2.

As reservas de petróleo são suficientes para várias décadas de consumo e as de carvão para vários séculos. É pouco provável que haja uma renúncia voluntária, sem medidas coercitivas para punir o uso/abuso de energias fósseis e premiar o uso de energias alternativas.

Nesse sentido, é importante discutir a proposta de fixar um preço do carbono em escala mundial. Trata-se de integrar o custo das externalidades ligadas ao gás carbônico – como já se pratica em relação a esgoto e resíduos – aplicando o princípio poluidor-pagador: quem polui paga, e quem despolui é ajudado.

Atualmente, na ausência de preço do carbono obrigando o pagamento do uso da atmosfera como “descarga de gás de efeito estufa”, qualquer um é livre para lançar na atmosfera volumes ilimitados de CO2. Não é possível combater o aquecimento global com mecanismos de regulação fracos.

Aumenta no mundo a preocupação com os efeitos desastrosos do aquecimento global provocado pela emissão de gases-estufa provenientes do uso de combustíveis fósseis: petróleo, gás, carvão. Os chefes de Estado dos países industrializados, reunidos no G7 na Alemanha em princípios de junho deste ano, declararam apoiar a redução das emissões de CO2 de 40 a 70% até 2050, em relação aos níveis de 2010. As emissões seriam zeradas até o fim do século. Ao mesmo tempo, as negociações que se desenvolviam na cidade de Bonn pouco avançaram. Segundo Carlos Rittl, do Observatório do Clima, “existe uma grande diferença entre o que os líderes dizem no G7 e as propostas que põem na mesa”.

Enquanto isso, no Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou, em fins de maio último, a criação de novas usinas térmicas a carvão e gás, altamente poluentes. O Ministério da Agricultura quer avançar sobre terras indígenas e parques nacionais para uso do agronegócio, atropelando a biodiversidade. O Ministro de Assuntos Estratégicos demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade que não é considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente silencia, como de costume.

O Brasil ainda está entre os dez maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa. Está, portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos substanciais de reduções de suas emissões. Mas a presidenta Dilma já anunciou sua rejeição a energias alternativas – solar, eólica, biomassa – por “falta de escala”. Consta que, há cerca de dois ou três anos, um empresário chinês interessado em investir em energia solar ouviu de um alto funcionário do Ministério de Minas e Energia que “o Brasil não está interessado em energia solar”. Por seu lado, o Ministério do Meio Ambiente não defende uma agenda ambiental junto ao Palácio do Planalto.

Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo dos discursos oficiais. A COP-21 é uma grande oportunidade para o Brasil ressurgir das cinzas e propor medidas eficazes de combate às mudanças climáticas que flagelam a humanidade ameaçada pela destruição irresponsável dos recursos naturais.

Liszt Vieira
Doutor em Sociologia
Professor da PUC-Rio