MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS FRONTEIRAS PLANETÁRIAS

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS FRONTEIRAS PLANETÁRIAS

O presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Rajendra Pachauri, afirmou em julho de 2008 que “para conter a alta de temperatura aquém de 2º C-2,4º C, que é a linha que não deve ser ultrapassada para evitar o perigo grave, só nos restam sete anos para inverter a curva mundial de emissões de gases que produzem efeito estufa” (Le Monde, 8/07/2008). Ou seja, até 2015.

Segundo o Relatório do IPCC de março de 2014, durante o século XXI os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.

 

O último relatório do IPCC alerta o mundo para a urgência de medidas destinadas a combater o aquecimento global. Com efeito, a temperatura média na superfície do planeta subiu 0,85º entre 1880 e 2012. Na dos oceanos, aumentou 0,11º por década entre 1971 e 2010. O nível médio dos oceanos aumentou de 19 cm entre 1901 e 2010. Na região do Ártico, que se aquece mais rapidamente do que a média do planeta, a superfície dos campos de gelo diminuiu de 3,5 a 4,1% por década entre 1979 e 2012.

A concentração de gases que produzem efeito-estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem adotadas no futuro tratado sobre o clima, a ser discutido em Paris em dezembro de 2015.

Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2º, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência Rio-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4º!

Mas o IPCC adverte que existem soluções. Tais soluções exigiriam mudanças no modelo econômico que poderiam ser efetuadas sem comprometer o crescimento. Para isso, isto é, para não ultrapassar os 2º, as emissões mundiais de gases-estufa (CO2 e metano, principalmente) devem ser reduzidas de 40 a 70% entre 2010 e 2050, e desaparecer totalmente até 2100. Esse esforço foi quantificado, e custaria menos de um ponto no crescimento mundial anual, estimado entre 1,6 e 3% no curso do século XXI.

Trata-se de fazer uma substituição de investimentos: os efetuados na energia fóssil (petróleo e carvão) devem baixar 30 bilhões de dólares durante 20 anos, e os aplicados na energia solar e eólica devem ser consideravelmente desenvolvidos. Para o IPCC, desenvolvimento econômico e descarbonização são compatíveis.

Mudar o modelo econômico significa uma série de medidas e compromissos públicos e privados, conversões industriais, compensações financeiras e medidas coercitivas de renúncia aos recursos disponíveis e rentáveis a curto prazo. A Europa, por ex., se comprometeu a reduzir ao menos 40% de suas emissões até 2030, a aumentar sua eficiência energética e a parte das energias renováveis em torno de 27% em relação a 1990.

É claro que os países têm pesos diferentes e, nas negociações internacionais, existem três grandes princípios que se consolidaram:

  • Responsabilidade comum, mas diferenciada: a responsabilidade é comum a todos, mas os países desenvolvidos historicamente poluíram mais e, por isso, sua responsabilidade é maior;
  • Limitar a elevação de temperatura a uma faixa entre 1,5º e 2º,
  • Financiamento aos países em vias de desenvolvimento para ações de redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas.

Os grandes atores da Conferência de Paris no final deste ano serão a China, cujas emissões aumentaram 4,2% em 2013 ( menos que os anos anteriores pela redução no crescimento econômico), os EUA, cujas emissões aumentaram 2,9% pelo aumento de seu consumo de carvão, e a Índia que viu suas emissões aumentarem de 5,1% face ao crescimento e uso intensivo de carvão. Eles deverão compor com a União Européia, cujas emissões diminuíram 1,8% graças à crise econômica, o Canadá, que se comprometeu na Conferência de Copenhague a reduzir 17% de suas emissões em 2020 em relação a 2005 (e está longe disso), e o Japão, às voltas com a crise pós-Fukushima.

Nesse contexto, o acordo bilateral de alto nível entre a China e os EUA em 11 de novembro de 2014 é uma boa notícia que mostra que esses dois países – responsáveis por cerca de 45% das emissões globais – negociam diretamente. É um passo importante do ponto de vista diplomático, mas, na prática, as emissões chinesas vão continuar a aumentar nos próximos 15 anos, ameaçando seriamente o objetivo de 2º.

Já os EUA se comprometeram a uma redução de suas emissões de 26 a 28% até 2025, em relação a 2005, ou seja, cerca de duas vezes mais do que o compromisso anterior para o período 2005-2020. Em janeiro de 2010, os EUA falaram de uma redução de 17% em relação ao nível de 2005, mas esse compromisso dependia de uma aprovação do Congresso. Os Senadores já condenaram o novo compromisso, e os EUA mal conseguem cumprir o precedente.

Por outro lado, ressalte-se que esses dois maiores países poluidores – China e EUA – são os países que mais investem em energia renovável. A China sozinha investe mais em solar e eólica do que todo o resto do mundo.

Um dos grandes obstáculos a serem enfrentado na Conferência de Paris em dezembro próximo será a criação de instrumentos econômicos reguladores. O Fundo Verde, criado em Copenhague em 2009 devia originalmente contar com 100 bilhões de dólares e até hoje não passou de um terço da capitalização inicial de 15 bilhões exigidos pelos países em vias de desenvolvimento.

A crise econômica mundial se choca com a crise ecológica. Não existe um instrumento regulador para possibilitar a mudança do modelo econômico. Eis porque a imposição de um preço do carbono é uma proposta apoiada por muitos, ainda mais com a queda no preço do petróleo. Sem esse instrumento e a consequente reorientação massiva de investimentos energéticos, a Conferência de Paris fracassará e terminará – como a Conferência de Lima em dezembro passado – fazendo um apelo para que uma decisão efetiva seja tomada na próxima conferência.

Mas os dados alarmantes apontados pela ciência impõem uma obrigação de agir. As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta.

Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something new under the Sun, McNeill, 2002). Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.

Os interesses econômicos contrariados e a sombra da ignorância se refletem ainda numa pequena minoria de “cientistas” e políticos presos a dogmas do passado. Mas eles estão sendo esmagados pela dura realidade que mostra que a sobrevivência da humanidade no planeta está ameaçada se não houver profundas mudanças no atual modelo de civilização.

Liszt Vieira

Doutor em Sociologia – Professor da PUC-Rio

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS FRONTEIRAS PLANETÁRIAS

O presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Rajendra Pachauri, afirmou em julho de 2008 que “para conter a alta de temperatura aquém de 2º C-2,4º C, que é a linha que não deve ser ultrapassada para evitar o perigo grave, só nos restam sete anos para inverter a curva mundial de emissões de gases que produzem efeito estufa” (Le Monde, 8/07/2008). Ou seja, até 2015.

Segundo o Relatório do IPCC de março de 2014, durante o século XXI os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.

 

O último relatório do IPCC alerta o mundo para a urgência de medidas destinadas a combater o aquecimento global. Com efeito, a temperatura média na superfície do planeta subiu 0,85º entre 1880 e 2012. Na dos oceanos, aumentou 0,11º por década entre 1971 e 2010. O nível médio dos oceanos aumentou de 19 cm entre 1901 e 2010. Na região do Ártico, que se aquece mais rapidamente do que a média do planeta, a superfície dos campos de gelo diminuiu de 3,5 a 4,1% por década entre 1979 e 2012.

A concentração de gases que produzem efeito-estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem adotadas no futuro tratado sobre o clima, a ser discutido em Paris em dezembro de 2015.

Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2º, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência Rio-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4º!

Mas o IPCC adverte que existem soluções. Tais soluções exigiriam mudanças no modelo econômico que poderiam ser efetuadas sem comprometer o crescimento. Para isso, isto é, para não ultrapassar os 2º, as emissões mundiais de gases-estufa (CO2 e metano, principalmente) devem ser reduzidas de 40 a 70% entre 2010 e 2050, e desaparecer totalmente até 2100. Esse esforço foi quantificado, e custaria menos de um ponto no crescimento mundial anual, estimado entre 1,6 e 3% no curso do século XXI.

Trata-se de fazer uma substituição de investimentos: os efetuados na energia fóssil (petróleo e carvão) devem baixar 30 bilhões de dólares durante 20 anos, e os aplicados na energia solar e eólica devem ser consideravelmente desenvolvidos. Para o IPCC, desenvolvimento econômico e descarbonização são compatíveis.

Mudar o modelo econômico significa uma série de medidas e compromissos públicos e privados, conversões industriais, compensações financeiras e medidas coercitivas de renúncia aos recursos disponíveis e rentáveis a curto prazo. A Europa, por ex., se comprometeu a reduzir ao menos 40% de suas emissões até 2030, a aumentar sua eficiência energética e a parte das energias renováveis em torno de 27% em relação a 1990.

É claro que os países têm pesos diferentes e, nas negociações internacionais, existem três grandes princípios que se consolidaram:

  • Responsabilidade comum, mas diferenciada: a responsabilidade é comum a todos, mas os países desenvolvidos historicamente poluíram mais e, por isso, sua responsabilidade é maior;
  • Limitar a elevação de temperatura a uma faixa entre 1,5º e 2º,
  • Financiamento aos países em vias de desenvolvimento para ações de redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas.

Os grandes atores da Conferência de Paris no final deste ano serão a China, cujas emissões aumentaram 4,2% em 2013 ( menos que os anos anteriores pela redução no crescimento econômico), os EUA, cujas emissões aumentaram 2,9% pelo aumento de seu consumo de carvão, e a Índia que viu suas emissões aumentarem de 5,1% face ao crescimento e uso intensivo de carvão. Eles deverão compor com a União Européia, cujas emissões diminuíram 1,8% graças à crise econômica, o Canadá, que se comprometeu na Conferência de Copenhague a reduzir 17% de suas emissões em 2020 em relação a 2005 (e está longe disso), e o Japão, às voltas com a crise pós-Fukushima.

Nesse contexto, o acordo bilateral de alto nível entre a China e os EUA em 11 de novembro de 2014 é uma boa notícia que mostra que esses dois países – responsáveis por cerca de 45% das emissões globais – negociam diretamente. É um passo importante do ponto de vista diplomático, mas, na prática, as emissões chinesas vão continuar a aumentar nos próximos 15 anos, ameaçando seriamente o objetivo de 2º.

Já os EUA se comprometeram a uma redução de suas emissões de 26 a 28% até 2025, em relação a 2005, ou seja, cerca de duas vezes mais do que o compromisso anterior para o período 2005-2020. Em janeiro de 2010, os EUA falaram de uma redução de 17% em relação ao nível de 2005, mas esse compromisso dependia de uma aprovação do Congresso. Os Senadores já condenaram o novo compromisso, e os EUA mal conseguem cumprir o precedente.

Por outro lado, ressalte-se que esses dois maiores países poluidores – China e EUA – são os países que mais investem em energia renovável. A China sozinha investe mais em solar e eólica do que todo o resto do mundo.

Um dos grandes obstáculos a serem enfrentado na Conferência de Paris em dezembro próximo será a criação de instrumentos econômicos reguladores. O Fundo Verde, criado em Copenhague em 2009 devia originalmente contar com 100 bilhões de dólares e até hoje não passou de um terço da capitalização inicial de 15 bilhões exigidos pelos países em vias de desenvolvimento.

A crise econômica mundial se choca com a crise ecológica. Não existe um instrumento regulador para possibilitar a mudança do modelo econômico. Eis porque a imposição de um preço do carbono é uma proposta apoiada por muitos, ainda mais com a queda no preço do petróleo. Sem esse instrumento e a consequente reorientação massiva de investimentos energéticos, a Conferência de Paris fracassará e terminará – como a Conferência de Lima em dezembro passado – fazendo um apelo para que uma decisão efetiva seja tomada na próxima conferência.

Mas os dados alarmantes apontados pela ciência impõem uma obrigação de agir. As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta.

Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something new under the Sun, McNeill, 2002). Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.

Os interesses econômicos contrariados e a sombra da ignorância se refletem ainda numa pequena minoria de “cientistas” e políticos presos a dogmas do passado. Mas eles estão sendo esmagados pela dura realidade que mostra que a sobrevivência da humanidade no planeta está ameaçada se não houver profundas mudanças no atual modelo de civilização.

Liszt Vieira

Doutor em Sociologia – Professor da PUC-Rio