Os interesses e as paixões
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Enquanto uns ignoram a corrupção no governo que apoiam, outros fingem acreditar que a corrupção só existiu no atual governo
Para o filósofo e teórico da economia Albert Hischman, o que move o mundo são as paixões e os interesses. Isso parece contrariar a tese de que “os mortos governam os vivos” (Auguste Comte), ou seja, são as ideias que governam o mundo.
Hegel via o presente como antítese do passado, visto como um peso que a humanidade carrega como um fardo. Para Marx, que via a História como conflito entre interesses de classe, “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. E, para Chesterton, “tradição não significa estarem os vivos mortos, mas sim os mortos vivos”.
Tenho observado que os argumentos, por melhores que sejam, têm pouco poder de persuasão. As pessoas muito dificilmente conseguem sair de sua armadura de interesses e paixões. Comportam-se mais como torcedores de futebol do que como comentaristas: se o juiz erra contra o meu time, é ladrão. Se erra a favor, o juiz é ótimo.
E muitas vezes os argumentos são elaborados, consciente ou inconscientemente, como expressão direta dos interesses e paixões. Assim, não adianta muito discutir racionalmente política — ou qualquer coisa — com “torcedores”, pois seus argumentos estão a serviço de suas paixões.
Uma das grandes conquistas da democracia é que ninguém pode ser condenado sem provas, baseado apenas em hipóteses, conjecturas e especulações. Mas este princípio irredutível às vezes é ignorado no discurso articulado com argumentos provenientes diretamente das paixões e dos interesses.
Um bom exemplo disso é ver a esquerda tradicional defender a Petrobras sem criticar a corrupção que a corrói por dentro, e a direita pedir impeachment sem provas, com base apenas em conjecturas, expressão direta de seus interesses. Enquanto uns ignoram a corrupção no governo que apoiam, outros fingem acreditar que a corrupção só existiu no atual governo.
Não apenas a corrupção é um traço de união entre o atual governo e a oposição, já que ela existia quando a atual oposição era governo. Há muitas outras semelhanças. A atual política econômica, por exemplo, é comum a ambos.
O que mais incomoda na atual política de ajuste fiscal é que os sacrifícios são impostos apenas ao “andar de baixo”. Não se pede nenhum sacrifício ao setor financeiro, por exemplo.
Em contrapartida, a tributação das grandes fortunas voltou a ser proposta por algumas correntes sindicais e políticas. A proposta é justa, mas as grandes fortunas não encontram dificuldade de se alojarem em paraísos fiscais.
Talvez mais eficaz seja taxar mais pesadamente o imposto sobre herança. Enquanto no Brasil esse imposto é de apenas 4%, nos EUA e na Alemanha, gira em torno de 29%; na França, é de 32,5%, na Suíça, é de 25%; na Inglaterra se eleva a 40%. É verdade que na Suécia não existe, pois aí a carga tributária é elevadíssima.
Mas a pré-condição de uma justiça social e econômica é uma reforma política que elimine o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Necessitamos de uma nova ética política que nos poupe do espetáculo degradante de ver políticos de todos os partidos financiados por meia dúzia de empreiteiras.
O Supremo Tribunal Federal começou uma votação para suprimir o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas. A maioria dos ministros do STF, por seis a um, votou a favor da proibição de doações de empresas privadas para campanhas políticas.
Mas um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu em 2 de abril do ano passado o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, em que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questiona dispositivos da atual legislação que disciplina o financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais.
O ministro pediu vista, engavetou o processo e não mais o devolveu. E parece que não tem prazo para devolver. Aqui não há argumentos. Só interesses.