UM PACTO CONTRA O IMPEACHMENT?
Embora tenha saído de moda e perdido a força que já teve, a dialética da tradição hegeliano-marxista ainda causa surpresas, principalmente às forças políticas que dela se consideram legatárias, mas que nunca incorporaram em seus projetos as consequências do fluxo contraditório do movimento histórico e seus conflitos.
Uma pessoa ou instituição pode cumprir papéis diferentes em momentos históricos diferentes. Anteriormente paladino da luta contra a corrupção e da moralidade pública, bastaram 12 anos no poder para o PT se transformar em seu contrário, afundado em denúncias de fraudes em licitações e desvio de dinheiro público, e obrigado a apoiar políticas governamentais que contrariam seu programa histórico.
Até há pouco, a proposta de impeachment da presidente Dilma estava apenas no campo da possibilidade, mas não da probabilidade. Não há base jurídica para isso. Tampouco há base política, pelo menos até agora. A oposição tumultua para manter o governo na defensiva, sempre com uma espada de Dâmocles pendente. Mas há quem ache que o quadro começa a mudar.
Em resposta à manifestação pelo impeachment do dia 16/08 passado, foi realizada uma manifestação popular no dia 20/08 contra o ajuste fiscal e contra a chamada agenda Brasil proposta pelo senador Renan Calheiros. Não foi, portanto, a favor do governo Dilma que aplica o primeiro e defende a segunda. Ser contra o impeachment não é a mesma coisa que ser a favor do Governo.
Pela direita, já declararam ser contra o impeachment o Bradesco, o Itaú, a Rede Globo, confederações patronais (CNI, CNT, CNC), diversos empresários, até mesmo o New York Times, o que sugere um grande acordo contra o impeachment. Isso não significa que sejam a favor do Governo. Talvez tenham concluído que nada mudaria com a substituição da atual presidente e que teriam prejuízo com o tumultuado e demorado processo de impeachment. Ou que mais facilmente conseguem extrair concessões de um governo ameaçado.
Pela esquerda, praticamente todos os que criticam o governo Dilma são contra o impeachment, porque consideram que a alternativa seria pior. E os que apoiam o Governo refugiam-se na confortável posição de denunciar que há um golpe em marcha eximindo-se, com isso, de criticar os enormes erros do Governo.
Já do ponto de vista político, econômico e moral, a situação é grave. A presidente perdeu a credibilidade moral ao fazer o que antes havia condenado com tanta veemência. Enfraqueceu-se politicamente a ponto de deixar a economia nas mãos de um ministro indicado pelo Bradesco, e a política nas mãos do PMDB. Sobrou a política social, nas mãos de ministros ligados ao PT, aliás todos respeitáveis (educação, saúde, cultura, desenvolvimento social, reforma agrária).
O que mais preocupa é que o desastroso governo Dilma abre caminho para a direita. A esquerda perdeu o centro, que se deslocou para a direita e para a extrema direita. Um indicador é a intenção de voto no Bolsonaro – 5% – enquanto o governo amarga uma aprovação de apenas 8%. As palavras perderam o sentido, mas os números não. Outro indicador é a ascensão política do presidente da Câmara, acusado de mega-corrupção pela Lava-Jato, e que hoje lidera a agenda da direita no Congresso, com o apoio nem sempre discreto da oposição.
Um governo que se pretendia de esquerda, ao fazer um ajuste fiscal sacrificando os pobres e poupando os ricos, na prática se confunde com um governo de centro-direita. E na oposição, alguns parlamentares, por pura demagogia, mudaram de lado e votaram a favor dos trabalhadores e aposentados só para contrariar o governo e o PT que, em nome do ajuste fiscal, também mudaram de lado. Sinais trocados.
Durante a campanha eleitoral, cheguei a especular que seria melhor o PT perder a eleição e retornar triunfalmente em 2018. Agora, está acuado pelas acusações de práticas fraudulentas e corrupção que atingem empresários, tecnocratas e políticos ligados aos partidos da base de apoio do governo.
O governo parece uma nau sem rumo. A presidente Dilma perdeu credibilidade e paga um alto preço pelas mentiras propaladas na campanha eleitoral. Teria que sair da defensiva e partir para o ataque. Mas isso exige uma reforma ministerial séria. Mesmo respeitando o equilíbrio na base de apoio aliada, é possível nomear ministros de grande respeitabilidade na sociedade. Um bom começo seria mudar os ministros da cota pessoal da presidente (agricultura, meio ambiente, assuntos estratégicos), que deixam muito a desejar, para dizer o mínimo.
Em seguida, negociar a agenda do governo com os setores sociais diretamente afetados, o que não tem ocorrido. E equilibrar o ajuste fiscal, penalizando também o setor financeiro que reina, soberano, na política econômica.
O tempo é também uma categoria política. O momento de fazer uma coisa é tão importante quanto a coisa a ser feita. A mesma proposta ou ação ganha ou perde validade com o transcorrer do tempo. Pode ser precipitada ou tardia. Um atraso pode ser fatal. É o que ocorre com a reforma ministerial: quando vier – e acabará vindo – pode ser tarde demais.
O Governo perdeu condições políticas de propor uma saída para a crise econômica. Alguns analistas e dirigentes, afirmaram que o único caminho seria a Presidente da República propor um Pacto envolvendo os ex-presidentes FHC e Lula, e o vice Michel Temer. Um Pacto pluripartidário definiria um programa político e econômico para o Brasil. O Governo entregaria os anéis para não perder os dedos.
Mas aqui, também, o tempo é decisivo. Se demorar, nem um Pacto impediria o fortalecimento da proposta de impeachment realimentada a cada dia pelos sucessivos erros do Governo.
Liszt Vieira
Professor da PUC-Rio
Ex-deputado pelo PT/RJ