Conto Distópico nº 2: A (in)existência da Floresta Amazônica

15/08/2019

 

Nem os diplomatas, nem os agentes secretos sabiam o que seria tratado naquela reunião. Só os presidentes dos países envolvidos, e seus respectivos ministros de relações exteriores que juraram silêncio sob pena de execução, ameaça extensiva para toda a família.

A situação mundial tornou-se gravíssima, o mundo chegou a um ponto de não retorno. As florestas, destruídas pela agricultura, mineração, pecuária e madeireiras em todo o mundo, transformaram-se em savanas e desertos, secando as fontes de água. Sobraram partes de algumas florestas tropicais, ameaçadas de destruição pelo impulso tradicional de produção e exportação de commodities que enriquecia as empresas e seus representantes nos governos.

.           Os acordos internacionais falharam. Muitos países perseguiram o que julgavam ser seu interesse nacional e continuaram dependentes da exportação de produtos primários. Os governantes ignoraram os alertas dos cientistas sobre as consequências desastrosas da devastação ambiental. As elites dominantes começaram a importar água, até para beber. A falta d’água tornou-se calamidade nacional em muitos países, onde prevalecia o racionamento para a população. Poucos tinham tecnologia para extrair água dos oceanos, inteiramente tomados por plásticos.

Uma força tarefa de cientistas convocada pela ONU advertiu que a água no mundo acabaria em 30 anos se não houvesse uma mudança no modelo de produção. A maioria dos governos ignorou. Os cientistas, ambientalistas e os setores conscientes da sociedade tentaram desesperadamente, em vão, mudar a política econômica de seus países.

Tratava-se agora de salvar o planeta. Ou melhor, salvar a humanidade. Na realidade, salvar alguns países com força militar suficiente para obrigar o resto a proteger as florestas, poupar as fontes de água a serem exportadas e condenar a população local ao desaparecimento. Um relatório secreto elaborado por cientistas contratados pelo governo americano calculou que 2/3 da população mundial iriam desaparecer.

A reunião de cúpula contaria apenas com alguns países: EUA, União Européia, Rússia, China. Se chegassem a um acordo, não haveria guerra entre eles. Poderiam invadir os países que bem entendessem, cada um com direito a proteger 2 ou 3 países aliados.
Os países com florestas tropicais foram considerados prioritários. Brasil e os países em torno da floresta amazônica: Peru, Colômbia, Venezuela. Em seguida, Indonésia e República Democrática do Congo. Outros países, como México e Suriname, foram classificados como segunda prioridade.

Por razões logísticas, a Amazônia foi selecionada como primeiro alvo. A invasão militar foi rápida. Uma força tarefa multinacional com infantaria e apoio aéreo invadiu a Amazônia, ou melhor, o que restava da Amazônia, uma vez que metade já havia se transformado em savana. Os pecuaristas, mineradores, madeireiros e grandes fazendeiros foram expulsos.

O Exército brasileiro, tradicionalmente ligado aos EUA, nada pôde fazer, ou nada quis, mesmo porque uma resistência seria inútil. Os militares nunca deram ouvidos às advertências dos cientistas que denunciavam a destruição da Amazônia e os desastres ambientais que ocorreriam. O sudeste do Brasil, dependente das chuvas e umidade vindo da Amazônia, começou a sofrer um processo de desertificação.

O sudeste brasileiro está na faixa dos desertos existente no hemisfério sul do planeta. Ela atravessa enormes áreas continentais, como os desertos australianos de Great Sendy, Gibson e Great Victoria. Na plataforma africana surgem as áreas desertificadas da Namíbia e do Kalahari e na América do Sul, o deserto do Atacama. Sem qualquer coincidência, ambos desertos africanos, inclusive em expansão, estão alinhados frontalmente, dentro das margens latitudinais, com as regiões dos Estados do Sudeste e do Sul do país.

Os cientistas cansaram de explicar que a Cordilheira dos Andes serve como barragem de umidade e ajuda a formar o rio Amazonas e também é responsável por represar os “rios voadores” (correntes de umidade) e fazer chover em diversas regiões do Brasil. O rio Amazonas contém um volume imenso de água que se evapora constantemente e a floresta amazônica mantém em circulação a umidade local que é transportada para regiões distantes. Sem a Amazônia, o Sudeste seria um deserto. Com o desmatamento de metade da Amazônia, o Sudeste do Brasil começou a virar savana.

Sem florestas, não há água. A elite brasileira, preocupada apenas com seus lucros imediatos, nunca deu atenção a problemas ecológicos. Pensavam em importar água, e que se dane o povo. Esqueceram que, sem água, a agricultura não é possível. O agronegócio, ao desmatar para produzir e exportar, começou a matar sua galinha de ovos de ouro.

Depois da invasão militar, a ficha caiu. Tarde demais. Em nome da salvação do planeta e da sobrevivência da humanidade, as potências mundiais invadiram o Brasil e mandaram recado para os países com fronteira amazônica: nada de desmatamento. Pouco depois, invadiram a Indonésia para preservar as florestas tropicais ameaçadas.Segundo alguns pesquisadores, essas invasões militares, se realmente existiram, não surtiram efeito.

Tudo isso teria ocorrido no fim do século XXI. Segundo alguns historiadores, teria sido no início do século XXII. Outros historiadores, entretanto, com o apoio de antropólogos e geógrafos, defenderam a tese, em meados do século XXVI, que isso não passa de ficção literária. Não há nenhuma prova científica da existência da floresta amazônica. O Sudeste sempre foi um deserto, como comprovam os desertos situados na mesma latitude em todo o planeta.

A questão é polêmica. Geólogos renomados encontraram fósseis de plantas e animais que só poderiam ter existido numa floresta tropical. Todas as teses foram examinadas por especialistas em História Ambiental. A conclusão foi a mesma de sempre: a existência da floresta amazônica é uma tese respeitável, mas não há certeza científica desua existência. O que, sim, está comprovado é a existência de savanas que permaneceram e que, segundo afirmam alguns cientistas, mesmo sem provas, teriam substituído a floresta.

Quanto ao deserto do sudeste brasileiro, os especialistas, em sua maioria, afirmam que sempre existiu. A partir do século XXV, todos os Simpósios Científicos não hesitam em concluir que a tese contrária não passa de uma visão romântica, desprovida de fundamento científico.