19/06/2020
A atual crise da pandemia está ligada aos problemas de mudança climática e perda de biodiversidade que constituem grave ameaça à nossa saúde e ao equilíbrio do planeta. A crise nos convida a reconsiderar nosso relacionamento com a vida, a nos reconciliar com a natureza, que fornece serviços essenciais à nossa sobrevivência. Embora a proteção ambiental seja uma questão importante para a sobrevivência da humanidade, os governos ainda não tomaram as decisões necessárias para garantir a sustentabilidade socioambiental.
Um retorno aos nossos velhos hábitos não é uma opção. A crise criou uma nova e ampla consciência da interdependência dos países e de nossa dependência dos recursos naturais. É imperioso que os governos e o setor privado sejam capazes de medir isso e imaginar soluções. Para evitar o retorno a uma economia devastadora para o meio ambiente, os países devem levar em conta as resoluções dos órgãos internacionais de proteção ambiental, como a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
2.2. bilhões de pessoas não têm acesso a água potável, 4,2 bilhões não têm um local seguro para ir ao banheiro e 40% da população mundial não possuem instalações básicas de lavagem das mãos com água e sabão disponíveis em casa. Nas favelas, muitos precisam contar com instalações compartilhadas, como banheiros, por exemplo. Isso torna praticamente impossível o distanciamento social.
43% das clínicas e centros de saúde não têm instalações para lavagem das mãos: não há água limpa nem rede de esgoto. Metade das escolas em todo o mundo carece de instalações para lavagem das mãos com água e sabão, afetando 900 milhões crianças em idade escolar.
A recuperação econômica pós pandemia não deve retomar a atividade econômica tal como existia anteriormente, alegando a necessidade de evitar desemprego em massa. Para não naufragar, a economia terá de levar em consideração as demandas da sociedade e as prioridades sociais, além de acelerar a transição energética e ecológica. Os países vão evidentemente adotar políticas diferentes, variando entre medidas democráticas e autoritárias, uns retomando o neoliberalismo, outros se aproximando da socialdemocracia ou do capitalismo de Estado.
Mas a realidade da vida econômica e política imposta pelo coronavírus vai exigir mudança na relação entre economia e natureza, foco na questão da saúde pública, na “economia da vida”, consideração da crescente interdependência global e decisões responsáveis para enfrentar a emergência climática.
Pesquisadores de todo o mundo alertam para a estreita dependência entre saúde e meio ambiente. O desmatamento, por exemplo, além de provocar desequilíbrio ambiental alterando o regime pluviométrico, reduzindo a oferta de água, estimulando secas e inundações, entre outros impactos, libera vírus existentes na floresta. Esses vírus, com o desmatamento, escapam da floresta e são transmitidos a animais domésticos e, direta ou indiretamente, ao próprio homem. Coronavírus de morcegos, por exemplo, foram descobertos na Mata Atlântica, onde o desmatamento voltou a crescer e aumentou 27,2%, segundo dados divulgados no início de junho deste ano. E na Mata Atlântica residem 72% da população brasileira.
Toda doença infecciosa nova está ligada a desequilíbrios ambientais, esclarece Edison Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. E acrescenta: Noventa por cento das doenças emergentes no planeta, como a Covid-19, o Ebola, a Sars, a Mers e a Aids, vêm de animais silvestres que saíram de áreas degradadas. Desmatamento, caça e tráfico de animais silvestres trazem doenças. Proteger a floresta é uma questão de saúde. (O Globo, 7/6/2020).
O Brasil tem 47.897 mortes e 984.315 casos de Covid-19, quase 1 milhão, aponta o levantamento realizado com dados das secretarias estaduais de Saúde, obtidos por um consórcio de veículos de imprensa, e compilados em um boletim fechado às 8h da sexta-feira 19/6. São Paulo e Rio de Janeiro lideram o número de óbitos pela COVID-19. SP é o mais populoso, RJ é o terceiro em número de habitantes. Ambos são atravessados pela Mata Atlântica, hoje dizimada, restam apenas 8,5% da cobertura vegetal original. No Estado de Minas Gerais, segundo mais populoso, a subnotificação é enorme. Aumentou muito o número de óbitos por “insuficiência respiratória” sem menção à morte por coronavirus. Como não há testes, muitos médicos evitam escrever COVID no atestado de óbito. Isso ocorre em todo o país, mas de forma mais acentuada em MG, segundo divulgado na imprensa.
Muitos especialistas afirmaram que medidas internacionais visando reduzir a propagação da COVID-19 podem salvar mais vidas devido à redução da poluição do ar e da intensidade das mudanças climáticas do que complicações de saúde causadas pelo vírus. Estima-se que só na China já foi possível salvar mais vidas do que as que foram perdidas pelo vírus até agora. Mudanças no clima já estão causando escassez de comida e água, problemas migratórios e outros desastres naturais, além de aumentar ainda mais o risco de epidemias, sobretudo doenças como malária e dengue. Proteger a natureza e garantir o uso sustentável dos recursos naturais podem ajudar a prevenir a próxima pandemia.
A OMS já demonstrou que o meio ambiente é responsável por aproximada-
mente um quarto das mortes no mundo. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA calcula que três quartos das doenças novas ou emergentes que infectam os seres humanos, como o ebola, a dengue, o zika ou a febre amarela, se originaram na vida silvestre.
A mudança dos ecossistemas pode acentuar as doenças infecciosas pela destruição de florestas tropicais que abrigam inúmeras espécies de animais e também vírus desconhecidos e potencialmente perigosos. Na Amazônia, por exemplo, um aumento no desmatamento ao redor de 4% elevou a incidência da malária em quase 50%, pois os mosquitos transmissores da doença prosperam em áreas recentemente desmatadas.
A conexão entre vida silvestre e doenças não é nova. A perda de florestas pelo desmatamento, mineração, estradas, expansão agrícola, rápida urbanização e crescimento demográfico, aproximou a população, às vezes pela primeira vez, de diversas espécies silvestres, provocando o risco de doenças. Por outro lado, as soluções baseadas na natureza e na biodiversidade são importantes para o desenvolvimento de medicamentos para novos tratamentos. Estima-se que entre 50.000 e 70.000 espécies de plantas são utilizadas na medicina tradicional e moderna, enquanto cerca de 50% dos medicamentos se desenvolveram a partir de produtos naturais que estão ameaçados pela perda da biodiversidade.
A crise climática exige proteção da biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais sob pena de consequências trágicas para a saúde e meio ambiente do planeta, cuja destruição poderá no futuro ameaçar a sobrevivência da humanidade.