26/06/2020
A declaração de Lya Luft de que se arrependeu de ter votado em Bolsonaro provocou um debate acalorado. Muita gente perguntou: como uma pessoa tão culta pode ter votado tão mal? Várias respostas foram dadas. Eu mesmo, no facebook, dei uma explicação de caráter sociológico, admitindo que há várias respostas possíveis.
O professor de filosofia e escritor Roberto Romano foi duro na crítica. Um intelectual “apoiar alguém que faz elogio da tortura, despreza as mulheres, odeia os homossexuais, debocha de quilombolas e de indígenas” só pode ser explicado por duas razões. “Ou possui a mesma ideologia assassina, ou é covardemente cúmplice”.
Essa declaração da Lya Luft me fez lembrar do Hélio Peregrino nos anos 80, então seu companheiro. Todo sábado à tarde eu, na época deputado, comparecia à varanda da casa do Hélio Peregrino no bairro Jardim Botânico, nos idos de 1985. Ali se reuniam algumas pessoas amigas para discutir e articular propostas políticas, entre elas o ator Osmar Prado, o músico Sergio Ricardo, o psicanalista Carlos Alberto, o professor Pinguelli Rosa e às vezes o Frei Betto.
Estávamos às vésperas da eleição municipal e queríamos uma Frente de esquerda para apoiar o candidato Saturnino Braga para prefeito do Rio na legenda do PDT. O PT rejeitou aliança, e sob liderança de Vladimir Palmeira insistiu e lançou candidato próprio sem apoio eleitoral consistente. O candidato era boa pessoa, mas acabou tendo apenas 0,98% dos votos. Organizamos uma dissidência e lançamos a Frente Rio, mobilizando uma parte do PT para apoiar Saturnino, então muito criticado pelos petistas. Hélio Peregrino, fundador do PT, deu apoio resoluto à Frente Rio e à união da esquerda em torno de Saturnino.
O tempo passou, Saturnino, anos depois, se filiou ao PSB e posteriormente ao PT, enquanto Vladimir Palmeira saiu do PT e foi para o PSB. Hoje, cerca de 36 anos depois da campanha das Diretas Já, de novo se coloca a proposta de uma Frente Ampla, uma proposta de caráter político como única forma de derrubar Bolsonaro. Mas muita gente na esquerda rejeita essa aliança. A proposta é política, e a rejeição é moral.
Quero crer que Hélio Peregrino, se vivo fosse, apoiaria a Frente Democrática contra Bolsonaro. Se vivo estivesse, talvez Lya Luft não precisasse fazer autocrítica, porque possivelmente o ouviria e não teria votado tão mal. Ou será que não?