Liszt Vieira
13/6/2022
O desaparecimento e provável assassinato do jornalista britânico Don Phillips e do antropólogo indigenista Bruno Pereira chamou a atenção do país para a gravíssima situação dos conflitos no campo, com assassinatos de indígenas, camponeses e ambientalistas. O Governo cruzou os braços e só deu início às buscas após a forte pressão nacional e internacional. O Presidente genocida chegou a dizer que eles “não deviam ter ido lá”, transformando as vítimas em culpados, velha tática da direita. E confessando que “lá” está sob o domínio de criminosos – garimpeiros, grileiros, madeireiros, pecuaristas, segmentos do agronegócio, narcotraficantes – que desmatam e matam, com apoio do Governo, todos os que defendem a floresta. A Amazônia está sendo devorada, declarou o líder indígena Ailton Krenak.
Os assassinatos no campo em 2021 bateram recorde dos últimos quatro anos. Sob Bolsonaro, a média de ocorrências de conflitos é a maior da história. Em seu levantamento anual, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 1.768 ocorrências, uma média de 34 por semana. Nos dois primeiros anos de Bolsonaro na presidência, foram computadas 1.903 e 2.054 ocorrências, respectivamente. A média para os 18 anos anteriores, entre 2001 e 2018, é de 1.408 ocorrências de conflitos (Agência Pública, 19/4/2022).
As principais causas incluem conflitos por terra, água e trabalhistas. As ocorrências registradas pela CPT estão especialmente concentradas nos nove estados da Amazônia Legal: foram 939, o equivalente a 53% do total. Em nível nacional, os conflitos afetaram quase 900 mil pessoas. Entre as populações mais afetadas estão indígenas, posseiros, quilombolas, sem-terra, assentados e ribeirinhos. Os conflitos foram deflagrados especialmente por fazendeiros, empresários, grileiros, por agentes do governo federal e também mineradoras internacionais e garimpeiros, segundo o levantamento da CPT.
A CPT registrou também 35 assassinatos no campo em 2021, 28 deles ocorridos na Amazônia Legal. O número é quase o dobro do registrado em 2020, quando a CPT computou 18 assassinatos. É também o maior número dos últimos quatro anos. As mortes por conflito no campo aumentaram 1044% em 2021. Ao menos 103 pessoas, sendo 101 indígenas Yanomami, já morreram em decorrência de conflitos no campo em 2021. Os dados parciais fazem parte do relatório da CPT, divulgado em 10/6/2022. Das 101 mortes, em torno de 45 eram crianças (Agência Envolverde, 12/6/2022).
O Brasil é quarto país do mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness. No ranking mundial, o Brasil somou 20 mortes no ano de 2020, ficando atrás apenas da Colômbia (65 mortes), México (30) e Filipinas (29). Um exemplo recente foi o triplo homicídio ocorrido na região de São Félix do Xingu. O crime ocorreu em 9/1/2022 e as vítimas – uma família de ambientalistas da região – desenvolviam projetos de proteção a animais como tartarugas e jabutis. As vítimas são um homem conhecido como Zé do Lago, sua esposa Márcia e a filha do casal, Joene. Eles moravam na região há 20 anos.
A violência nas cidades também vem aumentando nos últimos tempos. Não tanto na relação capital-trabalho, pois não se tem notícia de operários urbanos assassinados por conta de conflito de trabalho, como ocorre com os camponeses, indígenas e ambientalistas na área de expansão da fronteira agrícola do capitalismo, ávido por recursos naturais. A violência urbana é resultado sobretudo da ação policial nas favelas e periferias da cidade, bem como dos conflitos no controle de território entre milicianos e traficantes. Os policiais atiram a esmo e “balas perdidas” matam até crianças, velhos, mulheres, quem estiver pela frente, com preferência para os negros.
A segurança pública é assunto de competência estadual. Mas a guerra na fronteira agrícola é estimulada diretamente pelo presidente genocida que apoia fazendeiros, garimpeiros, mineradores, madeireiros, pecuaristas, agricultores e grileiros que violam a lei promovendo desmatamento ilegal de florestas e, muitas vezes, matando indígenas e lideranças rurais.
É o modo de produção do capitalismo selvagem brasileiro que prioriza o agro extrativismo de exportação em detrimento da pequena agricultura familiar que produz o alimento que chega à mesa do brasileiro e da agroecologia que produz sem danos ao meio ambiente. Essa é a face mais desconhecida do regime, que se tornou mais visível pelo domínio do capitalismo financeiro improdutivo na economia nacional.
É a manutenção desse sistema capitalista predatório, improdutivo e demolidor da natureza e dos seres humanos, que está em jogo nas próximas eleições. Um sistema neoliberal que bloqueou o Estado com a falácia do teto de gastos, pois nenhum país no mundo se desenvolveu sem investimento público. Segundo o IBGE, a renda média do brasileiro é a menor em 10 anos. A desigualdade também aumentou. Entre 2020 e 2021, a queda na renda das famílias afetou todas as classes sociais, mas principalmente as famílias mais pobres. Enquanto a fome avança, o número de bilionários cresceu no Brasil. Mas a casta dos mercadores e dos militares está mais preocupada com seus privilégios do que com o desenvolvimento sustentável, com o bem-estar da população, com a soberania nacional e com o crescimento do país.
Em ato isolado, em 19 de maio passado, alguns militares lançaram um “projeto de nação” tendo à frente o general vice-presidente Hamilton Mourão. À parte o atrevimento de se afastar de suas funções previstas na Constituição, falar em nome do povo e sequestrar a soberania popular, o documento mostra clara dependência à elite financeira, ao “agronegócio-indústria”, e ataca conquistas históricas do povo brasileiro como, por exemplo, a universidade pública e o SUS público e gratuito. No item referente à Amazônia, os militares propõem “flexibilizar” a legislação referente à exploração de minérios, bem como remover as restrições da legislação indígena e ambiental para atrair investimento estrangeiro no agronegócio e mineração.
Mas é o sistema eleitoral que se tornou o alvo principal do ataque dos militares fiéis ao Governo. A ofensiva desencadeada pelos militares contra o sistema eleitoral vem sendo considerada a antessala do golpe. Não o golpe clássico, com tanque na rua tomando o palácio de governo. Um golpe cujas batalhas iniciais já ocorreram e estão sendo travadas. O objetivo é ganhar ou anular a eleição a qualquer custo e manter o governo militar para consolidar o atual regime de exceção e posteriormente avançar para uma ditadura. Os militares contariam com a simpatia ou, pelo menos, a neutralidade de dois Ministros do STF, ambos bajuladores de generais e nomeados pelo PT: o Ministro Toffoli (nomeado por Lula) e o Ministro Fux (nomeado por Dilma).
O jornal New York Times, em sua edição de domingo 12/6/2022, chama a atenção para o ataque dos militares às eleições no Brasil. E reproduz a notícia, publicada originalmente pela agência de notícias americana Bloomberg, de que Bolsonaro pediu a Biden apoio para derrotar Lula, um crime de primeira grandeza contra a soberania nacional. Sabemos todos o que ele queria dizer com apoio. Todo golpe militar na América Latina contou com apoio dos EUA. Sem apoio americano, seria possível um golpe? Como Bolsonaro apoia Trump, inimigo de Biden, dificilmente seu pedido seria atendido. Mas os militares do Governo continuam conspirando e atacando o sistema eleitoral e a urna eletrônica que ignoraram quando seu candidato era favorito em 2018.
Aqui vem a calhar a conhecida frase de Guimarães Rosa: Passarinho que se debruça, o voo já está pronto.