A Geopolítica da Guerra: Com A Palavra, O Inverno

Liszt Vieira
22/7/2022

A guerra na Ucrânia ainda não tem luz no fim do túnel. O Ocidente (leia-se os EUA) mandam armas modernas para prolongar a guerra e desgastar a Rússia. A possibilidade de a Ucrânia ganhar a guerra é praticamente nula. Mas o presidente Zelensky, que passou de corrupto denunciado na lista dos Panama Papers para herói, não parece interessado em acordo de paz. Os EUA estão se dando bem: o erro lamentável de Putin ao invadir a Ucrânia fortaleceu a OTAN e os militares americanos, aumentou o lucro dos empresários da indústria bélica, garantiu o emprego dos trabalhadores e não morreu nenhum americano. Mas esse ganho dos EUA se dá apenas a curto prazo. A longo prazo, prevalece a tendência ao multilateralismo, com o enfraquecimento da hegemonia americana e o fortalecimento da China.

As sanções econômicas contra a Rússia não tiveram o efeito desastroso anunciado. É verdade que os EUA confiscaram as reservas internacionais da Rússia, cerca de 630 bilhões de dólares. Mas a Rússia passou a vender petróleo para outros mercados, fora do Ocidente, principalmente a Índia e a China, que aceitaram pagar em rublos. E a Europa é a principal prejudicada, pois já começou a sofrer os efeitos dessas sanções com a inflação nos preços da energia e alimentos. O euro já começou a se desvalorizar. A Europa, principalmente a Alemanha, vai se ferrar sem o gás russo no inverno ou vai aceitar pagar em rublos, rompendo o acordo com a OTAN, leia-se os EUA.

“A retomada das exportações de cereais da Ucrânia é uma questão de vida ou morte”, declarou em 18/7 último Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para Relações Internacionais. Com a guerra, a Rússia passou a controlar o porto e a Ucrânia não consegue exportar sua produção de grãos pelo Mar Negro. A Rússia está disposta a fazer acordo com a Ucrânia desde sejam removidas as restrições que pesam sobre suas próprias exportações (Le Monde Diplomatique, Juillet 2022).

Após a renúncia do premier italiano Mario Draghi em 21/7 passado, a União Europeia teme que a Itália mude de posição sobre Putin. A Itália depende em mais de 70% de energia externa, e hidrocarbonetos da Rússia cobrem mais de um quinto de seu consumo total. As sanções contra a Rússia “são um dano auto infligido à economia europeia que não afeta o poder de fogo russo” (O Globo, 22/7/2022). A Itália seria a ponta de lança, mas a Alemanha pode seguir o mesmo caminho antes de chegar o inverno europeu. Afinal, quase a metade do consumo de gás natural na Europa provem da Rússia. Na Alemanha, chega a 55%.

A invasão da Ucrânia fortaleceu a OTAN e os EUA que, há tempos, boicotam o gasoduto Nord Stream 2 que liga a Rússia e a Alemanha. Uma aproximação comercial e política da Alemanha (puxando o resto da Europa) com a Rússia poderia ser um golpe fatal na hegemonia americana na Europa que passaria a se aproximar da Eurásia. Até agora os EUA tiveram sucesso em bloquear esse gasoduto, mas a necessidade econômica pode acabar falando mais forte. O inverno dirá.