Liszt Vieira | Escritor

Cidadania e Sustentabilidade Global

A Assembléia Geral da ONU reune-se de 23 a 27 de junho para fazer um balanço da Agenda 21, o Plano de Ação aprovado no Rio de Janeiro pelos Governos de todo o mundo durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92. A reunião da ONU é um convite à reflexão a respeito dos graves problemas que se abatem sobre a humanidade e seu planeta, hoje resumidos na noção de sustentabilidade.

Como a Agenda 21 permanece ignorada pela maioria dos governos nacionais, os princípios da sustentabilidade vêm sendo defendidos principalmente pelas organizações da sociedade civil que, nos últimos anos, têm aumentado consideravelmente sua presença no cenário internacional. Apesar da heterogeneidade e da gama diversificada de posições, as organizações não-governamentais encontram pontos comuns na defesa da sustentabilidade e na necessidade de influenciar as decisões das Nações Unidas.

Não há razões para júbilo. Os exemplos são inúmeros, desde os EUA que assinaram a Convenção de Clima mas não parecem dispostos a reduzir as emissões de CO2 de suas indústrias e automóveis, até Governos de países tropicais que destroem suas florestas para fins de exportação, sem perceber que a floresta em pé pode ser mais valiosa pela sua biodiversidade do que abatida. O exemplo mais significativo, porém, é, a nosso ver, a questão da governabilidade.

A Agenda 21 aprovou a criação de Conselhos Nacionais de Desenvolvimento Sustentável, que permanecem ignorados na maior parte do mundo. Nas Nações Unidas, não se fala mais de desenvolvimento econômico, conceito vinculado à noção de crescimento econômico do pós-guerra, quando os Chicago boys queriam nos convencer de que todos os países subdesenvolvidos poderiam ingressar no clube dos países industrializados, desde que seguissem as etapas por eles preconizadas.

O desenvolvimento ou é sustentável, ou não é. Isto significa dizer que é um desenvolvimento ao mesmo tempo econômico, social, ambiental e cultural. Não há mais primazia da lógica econômica. Não há mais superministérios da área econômica colonizando os demais. É difícil imaginar os ministros da área econômica discutindo, em igualdade de condições, com os responsáveis das áreas social, ambiental e cultural, num Conselho Nacional, com participação da sociedade civil. Mas foi exatamente isto que foi aprovado na ECO-92. O desenvolvimento sustentável não é apenas meio ambiente, pois incorpora o econômico-social-ambiental-cultural numa estratégia integrada de desenvolvimento.

Para isto, é necessário uma profunda reforma do Estado que não se limite à visão estreita de demissão de funcionários. O fundamental é a racionalização e a modernização dos serviços públicos, explorados seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada. Enquanto as empresas e as ONGs firmam contratos internacionais via fax e se comunicam por E.Mail, no Brasil, por exemplo, o Estado ainda exige reconhecimento de firma em cartório, como no século passado. Estados de tipo corporativo, cartorial, clientelista, populista, patrimonial ou autoritário não podem ser agentes do desenvolvimento sustentável, que exige novas estruturas administrativas para uma nova concepção de desenvolvimento.

Como as empresas de mercado têm como vocação a produção econômica visando a lucro, e o Estado a atividade política em função do poder, caberia às organizações da sociedade civil, definidas em função do interesse público, a tarefa de encaminhar a constituição de um novo espaço público não estatal. Elas tendem a tornar-se atores da sustentabilidade no plano global.

A atuação das organizações da sociedade civil junto aos órgãos internacionais, e em seus espaços próprios, aponta para a constituição de uma sociedade civil global, de uma emergente cidadania planetária, que já tem hoje mais poder de influência no cenário mundial do que a maioria dos pequenos países. Basta ver a influência da Anistia Internacional ou Greenpeace, por exemplo, nas decisões internacionais sobre direitos humanos ou meio ambiente, ou a volumosa aplicação de recursos nos países pobres efetuada pelas ONGs que, hoje, têm influência decisiva na agenda política da ONU.

À via autoritária da globalização econômica, de funestas consequências sociais, contrapõe-se uma via democrática, uma globalização “por baixo”. A sociedade civil tende a tornar-se um terceiro ator, ao lado do Mercado e do Estado, aliando-se, quando necessário, ao primeiro, para exigir a democratização e modernização do Estado, e, ao segundo, para exigir a regulação do Mercado, combatendo o atual modelo econômico predatório ecologicamente e injusto socialmente.

As três dimensões da atual discussão sobre a ordem mundial – a internacionalização da função pública, a reorganização das relações internacionais após o fim do conflito leste-oeste e uma ordem econômica mundial para o desenvolvimento sustentável – podem ser vistas como aspectos de um processo conflitivo de transformação, mundial e a longo prazo, da função pública nacional em global. O relativo declínio do Estado nacional, a interpenetração do local e do global (glocal), e o advento de uma sociedade civil global estribada no direito dos povos são fenômenos novos que exigem explicações muito além das tradicionais declarações de amor ou ódio à globalização.

Em síntese, há fortes indicações de que as organizações da sociedade civil tendem a desempenhar papel crescente nas negociações internacionais, como atores da sustentabilidade e instrumentos de uma emergente cidadania planetária enraizada em valores humanos universais. Tudo indica que contribuirão de forma decisiva para o global governance, entendido não como governo global, mas como nova institucionalidade política traduzida numa esfera pública transnacional.

Liszt Vieira
Prof. da PUC/Rio
Autor de “Cidadania e Globalização”, Editora Record, 1997
Coordenador do Forum Internacional de ONGs de 1991 a 1995
19/06/1997