Estruturado em torno dos direitos individuais, o ordenamento jurídico brasileiro sempre foi incapaz de dar conta das novas necessidades e demandas sociais que eclodiram a partir da Segunda metade do século, com a aceleração do processo de urbanização e industrialização.
O modelo selvagem de desenvolvimento adotado em nosso país levou à marginalização social da maioria dos brasileiros ao mesmo tempo em que destruía o seu meio ambiente. A busca desenfreada da quantidade de lucros provocou a degradação da qualidade de vida, deteriorando os recurso naturais que poderiam ser utilizados em benefício da maioria da população.
Nestas condições os chamados interesses difusos, como o direito ao meio ambiente sadio, eram tratados no Direito Brasileiro apenas por via reflexa e o cidadão encontrava dificuldades intransponíveis para enfrentar sozinho o grande poderio econômico e político das empresas poluidoras, privadas ou estatais.
O avanço das lutas democráticas que se seguiram ao regime militar ampliou a consciência dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, fortalecendo os movimentos sociais da cidadania que passam a reconhecer, identificar ou mesmo criar direitos até então inexistentes ou inadmissíveis. Encontram-se aí os chamados interesses difusos ou coletivos, como o direito ao meio ambiente, que acabou se incorporando à nossa legislação.
A própria Constituição Brasileira incorpora o moderno princípio que considera o meio ambiente não coo um direito apenas individual ou público, mas como um bem de uso comum do povo.
Esta concepção se harmoniza com as novas perspectivas do direito ambiental que coloca à disposição dos cidadãos mecanismos e instrumentos trans-individuais de defesa dos interesses difusos, tais como a Ação Civil Pública, o Inquérito Civil, a legitimação das associações ambientalistas para ingressarem em Juízo, a obrigatoriedade dos estudos prévios de impacto ambiental, as Curadorias de Meio Ambiente e outros instrumentos que causaram profundas modificações na legislação brasileira.
Não obstante os significativos avanços na legislação, estas conquistas do Direito Ambiental não vêm se efetivando na prática com a intensidade necessária, face a insensibilidade e incapacidade do Estado para enfrentar os novos desafios. Prisioneiros de escusos interesses econômicos e políticos, os agentes do Poder Público não traduziram em política ambiental efetiva os princípios e normas vigentes na legislação.
O próprio Poder Judiciário, estruturando tradicionalmente em torno de uma concepção individualista do Direito, não se mostra apto para acompanhar e responder o ritmo crescente das demandas sociais.
O despreparo e timidez da grande maioria de seus quadros e a falência de suas estruturas tradicionais provocam a ineficiência, ou mesmo a ausência, do Poder Judiciário, impedindo a aplicação das normas de proteção ambiental ou distorcendo a sua interpretação.
Finalmente, é forçoso reconhecer que a sociedade civil tem pressionado pouco o Poder Judiciário. As associações de defesa ambiental têm utilizado de forma insuficiente a Ação Civil Pública, talvez por falta de informação ou descrença na Justiça. Entretanto, é inegável que um número maior de ações mais claras e definidas de cumprimento da legislação ambiental.
Por outro lado, é hoje entendimento universal que o Direito Ambiental não pode se resumir a um sistema jurídico nacional. A natureza não conhece fronteiras, pois as agressões ambientais praticadas num país freqüentemente provocam impactos sociais e ambientais que transcendem seus limites territoriais.
Torna-se imperioso, portanto, o estabelecimento de normas e padrões internacionais de proteção ambiental. O conceito tradicional de soberania há que ser repensado para possibilitar novas relações internacionais baseadas na solidariedade e cooperação de forma a garantir a defesa do meio ambiente em escala planetária, sem prejuízo dos legítimos interesses nacionais.
Para tornar exeqüível essa possibilidade, é necessário, como as ONGs em todo o mundo vêm propondo, a criação de uma entidade ambiental internacional no seio das Nações Unidas, a exemplo da Organização Mundial de Saúde e Organização Internacional do Trabalho.
As conquistas nacionais ou internacionais do Direito Ambiental não devem ocultar o fato de que a lei não é um ponto final, mas um instrumento de luta dos movimentos sociais que, na sua dinâmica concreta, vão criando novas demandas que muitas vezes tornam obsoletas as leis existentes, exigindo a criação de novas normas legais.
Assim, é cada vez mais expressivo o número de pessoas que compreendem que democrático não é o país que apenas consolida leis democráticas, mas aquele que possui mecanismos para que a sociedade possa auto-instituir-se de forma permanente.
Presidente do Instituto de Ecologia e Desenvolvimento e membro da Coordenação Nacional do Fórum das ONGs Brasileiras para a ECO 92.
JB – Opinião – 23/12/91