Liszt Vieira foi o pioneiro do movimento ecológico no Rio de Janeiro, fundador da Assembléia Permanente do Meio Ambiente e o primeiro deputado preocupado com a ecologia no Brasil. Exerceu legislatura da 1982 a 1986 e criou vários projetos sobre o assunto.
É, também, o fundador do Instituto de Ecologia e Desenvolvimento (IED) e seu atual presidente. Tem vários artigos e livros publicados. Seu último livro, publicado em 90, “Fragmentos de um discurso ecológico” fala sobre poluição, pressão sobre a mulher, combate ao racismo, energia nuclear, ecologia, feminismo e pacifismo.
Nesta entrevista, Liszt fala sobre a 2ª Conferência Mundial da ONU para o Desenvolvimento e Meio Ambiente – ECO 92, as soluções para os problemas ambientais de Visconde de Mauá e o que espera, para esta área, do novo governo do Estado do Rio de Janeiro.
Folha da Serra: Qual o trabalho que você está desenvolvendo, atualmente na área de meio ambiente?
Liszt Vieira: Estou trabalhando no Instituto de Ecologia e Desenvolvimento, com alguns projetos ambientais, e, também, no fórum das Organizações Não Governamentais (ONG’s) Brasileiras para a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente – ECO 92, em junho do ano que vem.
É um fórum com mais de 300 entidades , em todo o Brasil, e já convidamos entidades ambientalistas de Visconde de Mauá a se integrarem a ele, e, também participarem da organização da Conferência Paralela do Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Esperamos reunir, neste evento, cerca de 20.000 pessoas.
Folha da Serra: Como seria a participação das entidades ambientalistas no fórum?
Liszt Vieira: Em abril, faremos uma ampla reunião, para discutirmos um plano de trabalho e elegeremos a coordenação definitiva do fórum. A idéia é mobilizar todas as entidades para um trabalho local, de conscientização e educação ambiental.
Queremos aproveitar a Conferência para reivindicar soluções para os problemas locais nacionais e, até mesmo, planetários, na questão do meio ambiente.
Folha da Serra: As entidades ambientalistas que participarem do fórum têm mais chances de receber financiamento para a execução de um projeto?
Liszt Vieira: Acho que sim. O fato dela se integrar no fórum significa que está se integrando em uma iniciativa mais ampla, que congrega muitas entidades. Nós mesmos, do IED, estamos à disposição do movimento ecológico de Visconde de Mauá para discutirmos a elaboração de projetos específicos da região e a captação de recursos para sua execução.
Folha da Serra: O que é o IED?
Liszt Vieira: O Instituto de Ecologia e Desenvolvimento elabora projetos na área ambiental, do ponto de vista social. Projetos que compatibilizam o desenvolvimento com a proteção do meio ambiente. Neste sentido, pretenderemos, também fornecer informações ao movimento ecológico, através de estudos, pesquisas e projetos.
Folha da Serra: Como você vê o desenvolvimento acelerado de Visconde de Mauá?
Liszt Vieira: É um problema grave que existe não só em Mauá, mas em todos os municípios com vocação turística acentuada. Por atraírem muita gente, hotéis e casa são construídas e, na maioria das vezes, isto é feito em detrimento à preservação do meio ambiente.
Visconde de Mauá precisa de um plano urbanístico para o desenvolvimento da região, que obrigue às pessoas a respeitarem o meio ambiente. Todos devem construir fossas. Deve-se Ter normas para a construção de casa, que respeitem certos padrões de defesa ambiental, e meios que propiciem educação ambiental para os moradores e turistas. No currículo escolar, deve ser introduzida a cadeira de educação ambiental, para que as pessoas tenham esta noção desde a escola.
A prefeitura, em articulação com os órgãos representativos da comunidade, deve elaborar um plano de ocupação territorial racional, compatibilizando as necessidades de desenvolvimento com a proteção do meio ambiente. Isto é possível de ser feito, mas envolve vontade política e organização da comunidade local.
Por outro lado, é necessário, também, a fiscalização dos órgãos estaduais e federais. E nisto, a comunidade pode ajudar muito. Podemos pensar em uma ação cível pública ou uma ação popular, para pedir indenização, nos danos ambientais, ou para impedir que um dano seja cometido.
Folha da Serra: Pelo fato de Visconde de Mauá pertencer à APA da Mantiqueira, isto lhe favorece, no caso de recorrer a dispositivos legais, para a elaboração de um plano racional de ocupação territorial?
Liszt Vieira: Evidentemente que sim. Ser uma área de proteção ambiental significa que ela já recebe uma proteção jurídica especial, a priori. Mas, de qualquer forma, existem APAs que podem ser destruídas se a comunidade não fiscalizar, não recorrer às instâncias que ela pode recorrer.
Podemos recorrer ao Executivo, prefeituras, Feema, eventualmente ao Ibama, ou, então, à Procuradoria Geral da Justiça, que é o órgão do ministério público que cuida da proteção ambiental.
Folha da Serra: O que você espera do novo governo estadual para a área de meio ambiente?
Liszt Vieira: Eu esperava que o governo fizesse um plano, detectando quais são os problemas ambientais do Estado do Rio de Janeiro. Começasse com um diagnóstico por região e por temas (desmatamentos, poluição da água, poluição do ar, etc.)
E, depois, apresentasse prioridades para solucionar estas questões ambientais. A realização da Conferência da ONU é uma grande oportunidade para se exigir do governo não apenas obras de fachada na cidade do Rio de Janeiro; que eles vão fazer, para não passar vergonha com as delegações dos governos estrangeiros, que aqui chegarão. É necessário cuidar dos problemas da cidade que vai acolher a Conferência da ONU. Mas não podemos esquecer do Estado como um todo. Espero que o Governo do Estado elabore um plano de proteção ambiental para todo os Estado e o execute.
Parece que eu digo uma coisa muito fácil. Mas, até hoje, nenhum governo fez isto. Espero, que, agora, já haja consciência, por parte do poder público, de que chegou a hora de fazer um plano para a proteção do meio ambiente do Estado.
Folha da Serra: Você vê como urgente um plano de ocupação territorial para Mauá?
Liszt Vieira: Sim. Porque quando não há consciência ecológica, algumas pessoas se acham com o direito de propriedade ilimitado. Mas, não é assim. O direito de propriedade, no Brasil, pela Constituição, é condicionado à atividade social.
Um plano de ocupação territorial iria colocar limitações no uso e gozo do direito de propriedade. As pessoas não podem, para construir sua casa, desmatar como bem entendem.
Folha da Serra: Como você vê a participação da comunidade na coleta do lixo, limpeza das ruas, etc.?
Liszt Vieira: A participação da comunidade é importante e faz parte de uma educação ambiental. Existem, hoje, experiências bem sucedidas de lugares aonde a própria população separa o seu lixo, que é reaproveitável. Em Niterói, esta experiência vem sendo feita, por um organismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), em um local de baixa renda, e no Rio de Janeiro, foi feito na favela D. Marta. Há especialistas, hoje, que podem contribuir para a execução deste projeto.
Folha da Serra: Como pode ser resolvida a implantação de um plano racional para o desenvolvimento de Mauá, que não impeça as pessoas de construírem suas residências? É uma questão de organização?
Liszt Vieira: É evidente que passa pela organização. É bom deixar claro que, com um plano de ocupação territorial, as pessoas não vão ser impedidas de construir suas casas. Apenas não podem construir desmatando ou agredindo o meio ambiente. Há muitas possibilidades de se construir belas casas, obedecendo a algumas determinações legais.
Folha da Serra: No seu último livro “Fragmentos de um discurso ecológico” você fala que a questão ambiental é, imediatamente, uma questão social. Explique um pouco disto.
Liszt Vieira: É que quem mora na natureza é o homem. A natureza é o cenário natural da vida humana. É a nossa casa. Então, toda a agressão ao meio ambiente é, imediatamente, uma agressão ao ser humano. Se nós aterramos a lagoa, o pescador não pode mais pescar. Tiramos o seu sustento e ele, então, emigra para a cidade e vira um favelado. Poderíamos citar vários exemplos deste.
Quando pensamos em meio ambiente e ecologia, estamos pensando no ser humano, que habita a natureza e a transforma para o seu bem-estar.
Folha da Serra: Você teria alguma coisa a dizer à comunidade de Visconde de Mauá?
Liszt Vieira: Em primeiro lugar, não freqüento Visconde de Mauá tanto quanto desejaria e quanto acho que mereço. Não posso ir sempre, mas sou um apaixonado por aquela região. O que poderia dizer aos moradores é que me coloco à disposição para discutir os problemas de destruição do meio ambiente em Mauá.
Jornal Folha da Serra – Por Eliane Longo – 28 de abril de 1991.