Judicalização da Política, Politização da Justiça
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA, POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA Liszt Vieira – Defensor Público Com a emergência da operação conhecida por Lava Jato, destinada ao combate da corrupção, as três instituições voltadas ao combate do crime vêm sofrendo transformações que as afastam de seu papel tradicional. Com efeito, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Poder Judiciário vêm assumindo um protagonismo que vai além de sua clássica missão prevista na Constituição. Tradicionalmente, o juiz tinha de ser convencido das provas produzidas pela Polícia ou Ministério Público e frequentemente absolvia o réu em caso de insuficiência de provas. In dubio pro reo era um princípio sagrado. Hoje, no contexto da Lava Jato, o juiz assume a perspectiva da investigação e da acusação e o M.P., se as provas não são suficientes, apela para a “convicção”, como ocorreu na denúncia contra o ex-presidente Lula, o que torna a denúncia mais política do que jurídica. Estamos diante de um processo de politização do M.P. e do Judiciário que constitui a outra face da judicialização da política que não cessa de aumentar frente ao esvaziamento político e moral do Poder Legislativo. Além da seletividade e partidarização, o M.P, a Polícia e o Judiciário, que deveriam se fiscalizar mutuamente, passam a atuar em parceria com o objetivo de combater a corrupção. No entendimento do professor Rogério Arantes, da USP, este caminho é perigoso. “Não podemos passar de um triângulo das bermudas – onde tudo se perdia e reinava a impunidade – para um triângulo de ferro que venha a punir ao arrepio do Estado de Direito” (Entrevista a El País, 24/09/2016). É interessante recordar o que ocorreu no caso do julgamento do chamado “Mensalão”. A denúncia oferecida pelo Procurador Geral alegava a existência de uma organização criminosa. O ministro relator no STF, Joaquim Barbosa, percebeu a fragilidade da denúncia e inverteu a sequência de julgamento, começando pelos crimes menores e mais periféricos, sobre os quais havia mais evidências, até chegar à formação de quadrilha, a mais central e a mais frágil das acusações. Com a votação dividida, os embargos infringentes interpostos levaram à absolvição de todos os acusados por crime de quadrilha. Em termos jurídicos, terminou o julgamento com crimes sem autoria. Indubitavelmente, o que vemos em curso é um processo de fortalecimento e autoafirmação do M.P, da Polícia e do Poder Judiciário. Talvez o ponto de partida tenha sido a malograda Operação Satiagraha que empregou métodos heterodoxos, ignorando a legislação processual, para alcançar seu objetivo. O delegado responsável acabou processado, condenado e vive hoje exilado na Suiça. De lá pra cá, a Polícia e o M.P. não repetem os mesmos erros, mas perseveraram em seu animus acusatório priorizando não a busca da justiça, mas o fortalecimento de suas próprias instituições. O STF: DECISÕES LENTAS E MONOCRÁTICAS É opinião corrente, às vezes até mesmo no mundo jurídico, que as decisões do STF são tomadas de forma colegiada, após discussão coletiva. Na realidade, os ministros do Supremo agem frequentemente de forma individual, influenciando e gerando efeitos em relações jurídicas, sociais, econômicas e políticas na vida real externa ao STF. Os exemplos são conhecidos: declaração pública de opinião antes do julgamento – em violação direta do artigo 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) que proíbe aos juízes emitir opiniões pela imprensa – pedidos de vista com tempo ilimitado, decisões monocráticas que fixam jurisprudência. O processo de judicialização da política se vale, entre outros, desses mecanismos. No caso das decisões monocráticas, não é excepcional a possibilidade de uma ação judicial internamente minoritária produzir efeitos externos contrários à preferência da maioria dos ministros do Tribunal. Os dados abaixo, extraídos de artigo do Prof. Diego Werneck Arguelhes (Revista Direito, Estado e Sociedade n.46, jan/jun 2015 – PUC-Rio) apontam nesse sentido. – Mais de 90% das decisões foram monocráticas entre 2011 e 2015. – Nos casos de ADIN e ADPF, 94% das decisões são monocráticas. – Nas decisões do Plenário, 93% foram decisões unânimes e 5% com um único voto vencido (em geral do Ministro Marco Aurélio). – O Relator vence em quase 100% dos casos. Os exemplos são inúmeros. Eis alguns, entre muitos outros: a liminar do Ministro Gilmar Mendes suspendeu a posse de Lula como Ministro do Governo; a liminar do Auxílio Moradia para juízes (R$ 4.377,43 para cada juiz, ao custo total de 860 milhões), está sendo retida pelo Ministro Luiz Fux e nunca foi ao Plenário; o ministro Gilmar Mendes reteve um ano e meio o processo relativo ao financiamento eleitoral por parte de empresas etc. Os pedidos de vista são muitas vezes devolvidos fora do prazo, alcançando muitas vezes mais de um ano. Em tese, a devolução deveria ocorrer em 30 dias. Em dezembro de 2013, na média, eles eram destravados depois de 346 dias. Hoje, são devolvidos em média após 443 dias. Não há prazo para conceder ou negar uma liminar. A média da Corte é de 44 dias. O prazo regimental para publicar acórdãos é de 60 dias, mas a média está em 167. E não se diga que falta pessoal: o STF possui um quadro de 269 funcionários por Ministro, incluindo concursados, comissionados e terceirizados. O STF tomou 18% menos decisões coletivas em 2016 do que em 2015. As decisões colegiadas, tomadas em plenário ou nas turmas, compostas por cinco ministros cada uma, diminuíram de 18 mil para 15 mil de um ano para o outro, enquanto o total de ordens do STF se manteve em cerca de 117 mil. De acordo com dados oficiais, as decisões coletivas corresponderam a 12% do total em 2016 e as decisões monocráticas foram 3% mais volumosas em 2016 do que no ano anterior, passando de 99 mil para 102 mil (Folha de São Paulo, 26/12/2016). “O Supremo está virando tribunal de cada um por si, julga monocraticamente. Criamos tribunal de decisões monocráticas porque nesse quantitativo não se dá conta”, afirmou o Ministro Luis Roberto Barroso. E o Ministro Luiz Fux declarou em junho de 2016 que o STF tinha por volta de 70 mil processos para julgar, enquanto a Suprema