Trabalho – Direitos Iguais – Lei combate preconceito nos prédios cariocas
O velho critério que reserva os elevadores de serviço dos prédios às empregadas domésticas e os elevadores sociais para uso exclusivo dos moradores sofreu, na semana passada, um duro golpe no Rio de Janeiro. Na Sexta-feira entrou em vigor a lei estadual 962, do deputado Liszt Vieira (PT), que determina o fim das diferenças e permite o livre acesso de trabalhadores em geral às partes comuns de um edifício, como elevadores e portaria. Vieira inspirou-se no artigo 153 da Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a lei – e, com seu gesto, abriu uma polêmica ruidosa que promete ganhar os tribunais. Zangado, o presidente da Associação Brasileira de Administração de Imóveis, Rômulo Cavalcanti Mota, considerou a decisão um atentado à propriedade privada. “Vamos continuar obedecendo às convenções dos edifícios”, afirmou. “O prédio é uma propriedade particular e cada um faz as leis que melhor convêm à sua casa. “Na outra ponta das reações a presidente da Associação das Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, Anasir Maria de Oliveira, 52 anos, aplaudiu a decisão. “Agora temos um instrumento legal para brigar na justiça.” O anúncio da nova lei, no entanto, não modificou a rotina nas portarias e nos elevadores dos edifícios do Rio de Janeiro. “Essa lei aqui não vale nada”, dizia, na Sexta-feira à tarde, o porteiro Sebastião Vieira, do edifício Juan Les Pin, no Leblon, que possui três elevadores: o social, um para banhistas e outro de serviço, apenas para os empregados. No edifício São Carlos do Pinhal, na Avenida Atlântica, onde mora o governador Leonel Brizola, o porteiro Francisco de Assis revela que ali nunca houve necessidade de barrar nenhuma empregada doméstica. “Elas já estão acostumadas”, diz. “Quando entram vão direto para o elevador de serviço.” Já no edifício Domus, onde mora o prefeito Roberto Saturnino, muitos empregados foram proibidos de passar pela porta social. “É sempre muito constrangedor” admite a estudante Luciana Antonini, de 17 anos, que mora na cobertura do edifício e freqüentemente assiste a cenas deste tipo. No condomínio que abrange os edifícios Chopin, Prelúdio e Balada, na Avenida Atlântica, as normas são igualmente rígidas. Morada de figuras famosas como o empresário Alfredo Saad, a atriz Maitê Proença e o empresário Paulo Fernando Marcondes Ferraz, o condomínio tem no zelador Orlando dos Santos, 51 anos, um fiel guardião. “Aqui é patrão de um lado e empregado de outro”, diz o funcionário. Do outro lado, a nova lei mereceu aprovação da babá Isabel de Fátima Carvalho, 29 anos, que trabalha num edifício de Copacabana e agora considera o deputado Liszt Vieira um “gênio”. No seu local de trabalho Isabel deve usar o elevador de serviço quando sozinha – e o social quando está com criança no colo. “É humilhante”, diz. “RAÍZES CULTURAIS”- O próprio Liszt Vieira admite os limites da lei que produziu. “A discriminação tem raízes culturais”, diz. “É uma herança do escravagismo que não se muda de repente.” Há outra agravante. Por se tratar de lei estadual ela não pode fixar penas para os infratores. O advogado imobiliário José de Oliveira Costa vê nessa característica da lei a razão de sua própria nulidade. “Ela não tem chance de subsistência”, garante. “Além disso aumentará a incidência de assaltos.” Costa adverte para o fato de a lei prever genericamente o acesso de pessoas aos edifícios. Mas o deputado ressalva que a segurança nos edifícios estará sempre resguardada. “Está claro que terão acesso apenas as pessoas que trabalham nos prédios ou que são solicitadas para serviços avulsos”, esclarece. A Associação Brasileira dos Administradores de Imóveis promete recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a medida, alegando sua inconstituicionalidade. O autor da lei confia que nenhuma decisão judicial poderá torpedear a legislação. “A liberdade está acima da propriedade”, retruca. Pelo menos em um lugar Vieira tem certeza que sua lei não será desrespeitada: no prédio de três andares em que mora, no bairro de Santa Teresa empregados e proprietários sempre tomaram juntos o mesmo elevador. “Aqui me sinto muito bem”, conta a empregada do deputado, Marlene Cunha, de 49 anos. “Meu patrão me deu até uma cópia da chave da porta social.” Enquanto a discussão durar, uma coisa é certa: as pessoas que acham errado confinar seus empregados aos elevadores dos fundos poderão enfrentar as convenções dos condomínios. Quem acha que o critério é correto sempre poderá instruir os empregados a usarem o elevador de serviço, com a mesma autoridade que dispõe para pedir-lhes que sirvam o jantar.