Artigos Diversos

Trabalho – Direitos Iguais – Lei combate preconceito nos prédios cariocas

O velho critério que reserva os elevadores de serviço dos prédios às empregadas domésticas e os elevadores sociais para uso exclusivo dos moradores sofreu, na semana passada, um duro golpe no Rio de Janeiro. Na Sexta-feira entrou em vigor a lei estadual 962, do deputado Liszt Vieira (PT), que determina o fim das diferenças e permite o livre acesso de trabalhadores em geral às partes comuns de um edifício, como elevadores e portaria. Vieira inspirou-se no artigo 153 da Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a lei – e, com seu gesto, abriu uma polêmica ruidosa que promete ganhar os tribunais. Zangado, o presidente da Associação Brasileira de Administração de Imóveis, Rômulo Cavalcanti Mota, considerou a decisão um atentado à propriedade privada. “Vamos continuar obedecendo às convenções dos edifícios”, afirmou. “O prédio é uma propriedade particular e cada um faz as leis que melhor convêm à sua casa. “Na outra ponta das reações a presidente da Associação das Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, Anasir Maria de Oliveira, 52 anos, aplaudiu a decisão. “Agora temos um instrumento legal para brigar na justiça.” O anúncio da nova lei, no entanto, não modificou a rotina nas portarias e nos elevadores dos edifícios do Rio de Janeiro. “Essa lei aqui não vale nada”, dizia, na Sexta-feira à tarde, o porteiro Sebastião Vieira, do edifício Juan Les Pin, no Leblon, que possui três elevadores: o social, um para banhistas e outro de serviço, apenas para os empregados. No edifício São Carlos do Pinhal, na Avenida Atlântica, onde mora o governador Leonel Brizola, o porteiro Francisco de Assis revela que ali nunca houve necessidade de barrar nenhuma empregada doméstica. “Elas já estão acostumadas”, diz. “Quando entram vão direto para o elevador de serviço.” Já no edifício Domus, onde mora o prefeito Roberto Saturnino, muitos empregados foram proibidos de passar pela porta social. “É sempre muito constrangedor” admite a estudante Luciana Antonini, de 17 anos, que mora na cobertura do edifício e freqüentemente assiste a cenas deste tipo. No condomínio que abrange os edifícios Chopin, Prelúdio e Balada, na Avenida Atlântica, as normas são igualmente rígidas. Morada de figuras famosas como o empresário Alfredo Saad, a atriz Maitê Proença e o empresário Paulo Fernando Marcondes Ferraz, o condomínio tem no zelador Orlando dos Santos, 51 anos, um fiel guardião. “Aqui é patrão de um lado e empregado de outro”, diz o funcionário. Do outro lado, a nova lei mereceu aprovação da babá Isabel de Fátima Carvalho, 29 anos, que trabalha num edifício de Copacabana e agora considera o deputado Liszt Vieira um “gênio”. No seu local de trabalho Isabel deve usar o elevador de serviço quando sozinha – e o social quando está com criança no colo. “É humilhante”, diz. “RAÍZES CULTURAIS”- O próprio Liszt Vieira admite os limites da lei que produziu. “A discriminação tem raízes culturais”, diz. “É uma herança do escravagismo que não se muda de repente.” Há outra agravante. Por se tratar de lei estadual ela não pode fixar penas para os infratores. O advogado imobiliário José de Oliveira Costa vê nessa característica da lei a razão de sua própria nulidade. “Ela não tem chance de subsistência”, garante. “Além disso aumentará a incidência de assaltos.” Costa adverte para o fato de a lei prever genericamente o acesso de pessoas aos edifícios. Mas o deputado ressalva que a segurança nos edifícios estará sempre resguardada. “Está claro que terão acesso apenas as pessoas que trabalham nos prédios ou que são solicitadas para serviços avulsos”, esclarece. A Associação Brasileira dos Administradores de Imóveis promete recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a medida, alegando sua inconstituicionalidade. O autor da lei confia que nenhuma decisão judicial poderá torpedear a legislação. “A liberdade está acima da propriedade”, retruca. Pelo menos em um lugar Vieira tem certeza que sua lei não será desrespeitada: no prédio de três andares em que mora, no bairro de Santa Teresa empregados e proprietários sempre tomaram juntos o mesmo elevador. “Aqui me sinto muito bem”, conta a empregada do deputado, Marlene Cunha, de 49 anos. “Meu patrão me deu até uma cópia da chave da porta social.” Enquanto a discussão durar, uma coisa é certa: as pessoas que acham errado confinar seus empregados aos elevadores dos fundos poderão enfrentar as convenções dos condomínios. Quem acha que o critério é correto sempre poderá instruir os empregados a usarem o elevador de serviço, com a mesma autoridade que dispõe para pedir-lhes que sirvam o jantar.

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QUEBEC: A PONTA DO ICEBERG

No mundo atual, muitos problemas tornaram-se imediatamente globais, impossíveis de serem resolvidos por meio de políticas nacionais isoladas. Os mercados se globalizaram, o meio ambiente não conhece fronteiras, os meios eletrônicos de comunicação muito menos. Inúmeros tratados internacionais foram aprovados na segunda metade do século XX na área ambiental, científica, cultural, econômica, social, criminal etc.Os impactos da globalização reorientam o Estado e os interesses das elites dominantes, conferindo-lhes perspectivas não territoriais e extranacionais. O Estado reformula seu papel em função de variáveis econômicas externas, como expansão do comércio mundial, políticas macroeconômicas e maior mobilidade internacional do capital. A mentalidade das elites dominantes se desterritorializou a tal ponto que mesmo a ‘segurança’ é definida mais em termos da economia global do que em relação à defesa da integridade territorial. Desta forma, face às graves implicações sociais da globalização econômica, nem o Estado, nem o mercado, estão interessados em incentivar a mobilização popular, mantendo a cidadania passiva e apolítica. Coube à sociedade civil, voltada à defesa do interesse público, a tarefa de mobilizar as energias cívicas da população para defender, no plano transnacional, os princípios da cidadania fertilizados com os ideais de democracia política, diversidade cultural e sustentabilidade ambiental. Surgiu, assim, em todo o mundo, um sem número de associações de militantes idealistas que oferecem resistência à globalização dominante, propondo uma globalização alternativa, um projeto emergente de construir uma sociedade civil global visando à democratização das relações internacionais.Um dos principais objetivos desses atores não estatais é assegurar normas que regulem as operações das empresas transnacionais. Um dos cenários desse confronto tem sido as Nações Unidas com suas conferências globais sobre temas sociais, econômicos e ambientais, onde essas associações civis transnacionais tiveram intensa participação. Hoje, organizações como Anistia Internacional ou Greenpeace, por exemplo, têm mais poder no cenário internacional do que a maioria dos países. Todas essas manifestações de protesto realizadas nas reuniões internacionais de Seattle, Washington, Montreal, Genebra, Praga, Nice, Davos e, agora, Quebec, são demonstrações da resistência à globalização autoritária por parte do movimento mundial de cidadãos. Elas apontam, sem dúvida, para o fortalecimento transnacional da sociedade civil, de que o Fórum Social Mundial em Porto Alegre foi um bom exemplo.Trabalhando de forma mais constante e menos ruidosa, milhares de organizações da sociedade civil pressionam diariamente as instâncias internacionais de tomada de decisões, transmitindo-lhes suas próprias posições com o objetivo de confrontá-las com os interesses dos governos e das corporações transnacionais. Segundo o professor Boaventura de Souza Santos, os protestos contra a (des)ordem neoliberal global constituem uma afirmação vigorosa de que as lutas democráticas transnacionais já são hoje um pilar importante do sistema político internacional. Para ele, a grande maioria dos manifestantes protesta contra a globalização predadora, protagonizada pelo capitalismo global, mas em nome de uma globalização alternativa, mais justa e equitativa, que permita uma vida digna e decente à população mundial, e não apenas a um terço dela. O próprio presidente do Banco Mundial, na reunião de Praga, afirmou: “Algo está errado se os 20% mais ricos da população mundial recebem mais de 80% do rendimento mundial. A continuar essa situação – em que mais de metade da população mundial vive com 2 dólares por dia, até menos – o mundo caminha para um colapso social” (Folha de São Paulo, 2/11/2000). Uma das propostas mais importantes desse movimento mundial de cidadãos é a aplicação da Taxa Tobin que prevê a cobrança de 1% sobre cada transação financeira para fins sociais. Segundo os membros da ATTAC, 0,05% seria suficiente para cobrir duas vezes as necessidades fundamentais da humanidade. As organizações da sociedade civil assumiram assim a postura de um contra-poder ao executivo global formado pela OMC, Banco Mundial, FMI e a OCDE, o qual decide soberanamente, sem qualquer abertura democrática, acerca do destino de todos os habitantes do mundo. Expressaram, das formas mais diversas, a demanda por justiça e igualdade que irrompe em contrapartida ao processo de globalização. Constituiram-se em uma fiscalização essencial em meio ao poderio das organizações internacionais e notadamente das empresas multinacionais.A repressão policial às manifestações de protesto em Quebec, como as anteriores, constitui apenas a ponta do iceberg. A ascensão de novas forças sociais no plano mundial demonstra que os Estados não detêm o monopólio da esfera pública e que, ao contrário, existem formas não estatais de governança que podem ser usadas para promover a democracia e o desenvolvimento sustentável, regular o mercado e defender a civilização contra a barbárie. Liszt VieiraProf. PUC-Rio e UFFAutor de Os Argonautas da Cidadania e de Cidadania e Globalização

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS : IMPACTO NO BRASIL

MUDANÇAS CLIMÁTICAS : IMPACTO NO BRASIL Segundo o Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) de março de 2014, durante o século XXI os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Tais impactos agravarão a pobreza na maioria dos países em desenvolvimento e criarão novos bolsões de pobreza nos países com crescente desigualdade. As famílias pobres serão afetadas com o aumento no preço dos alimentos, principalmente nas regiões de alta insegurança alimentar e grande desigualdade, como é o caso, principalmente, da África. Diferentemente dos países industrializados, em que a queima de combustíveis fósseis é a principal causa das emissões de CO2 – principal gás de efeito estufa (GEE) que influi diretamente na mudança de clima – no Brasil as emissões são provenientes da mudança do uso da terra, sendo a principal a conversão de florestas para uso da agropecuária. De modo geral, a perda de florestas contribui mundialmente com cerca de 17% das emissões de GEE. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, no Brasil, a agricultura anual – voltada para plantio de grãos – representa somente 4,9% da área desmatada (34,9 mil km2), sendo que a pecuária extensiva, cuja expansão é continua e crescente desde a década de 1970, é a principal responsável pelos desmatamentos na Amazônia, com 62,2% dos quase 720 mil km2 desmatados até hoje na Amazônia. Tendo em vista a contribuição da geração hidrelétrica, o Brasil tem uma matriz energética relativamente “limpa”, com baixos níveis de emissões de GEE por unidade de energia produzida ou consumida. O problema, aqui, normalmente diz respeito à ausência de consulta ou repartição de benefícios com comunidades locais no desenvolvimento dos projetos. Madeira, Xingu e Tapajós, por exemplo, são rios cujas comunidades ribeirinhas e indígenas são grandemente prejudicadas. Além disso, a ênfase nas mega usinas hidroelétricas oculta que a repotencialização das hidrelétricas existentes e o combate às perdas na distribuição reduziriam a necessidade de implantar tantas novas mega usinas, com alto impacto ambiental e social, e eliminariam a utilização das usinas termoelétricas, altamente poluentes. Em fins de março de 2014, o IPCC lançou o Relatório do Grupo II detalhando impactos, adaptação e vulnerabilidade associadas com mudanças climáticas. O Relatório discute os riscos de insegurança alimentar devido a secas, inundações, ondas mais fortes de calor num mundo mais quente, o que afetaria sobretudo os países mais pobres. Prevê-se uma queda no rendimento das colheitas agrícolas a partir de 2030, enquanto a demanda por alimentos continuará a aumentar. Haverá graves problemas no abastecimento de água devido ao degelo nas geleiras e na mudança do padrão de precipitação pluvial. Em decorrência, surgirão conflitos violentos e mesmo guerra civil pela disputa de recursos naturais. Um aumento maior na temperatura do planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social. Na conferência do IPCC em Yokohama, no Japão, em março de 2014, foi ressaltada a necessidade de se promover a adaptação baseada em ecossistemas, como já ocorre em países da América Central e do Sul, onde técnicas como criação de áreas protegidas, acordos para conservação, pagamento por serviços ambientais e manejos comunitários de áreas naturais estão sendo testadas. Por outro lado, em sua reunião em Berlim, de 7 a 12 de abril de 2014, o Grupo III do IPCC, dedicado a propor medidas de mitigação das mudanças climáticas, alertou o mundo que, para evitar aumento de temperatura acima de 2º C, será necessário reduzir imediatamente a dependência de combustíveis fósseis e iniciar uma “mudança massiva” para energias renováveis. O QUE MUDA NO BRASIL? O Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, divulgado em setembro de 2013, prevê um aumento de 6 graus na temperatura até 2070, com queda na produção agrícola. A agricultura brasileira pode sofrer prejuízo anual de R$ 7 bilhões. Tomando como base os hectares cultivados em 2009 e se mantidas as atuais condições de produção, as projeções para 2030 apontam grandes reduções de área. Para o feijão, a queda vai de 54,5% a 69,7%. Para a soja, a redução é estimada de 15% a 28%. Trigo, de 20% a 31,2%. Milho, de 7% a 22%. Arroz, de 9,1% a 9,9%. E algodão, de 4,6% a 4,9%.  O café, por exemplo, precisa de 18 ºC a 22 ºC de média anual. Fora disso, a cultura não se desenvolve. Ainda nos próximos sete anos, o plantio de soja pode perder 20% de produtividade. E até 2050 a área plantada de arroz pode retroceder 7,5%, a de milho, 16%, e a geração de energia ser ameaçada pela redução de até 20% na vazão dos rios. Analisando o Relatório, a ex-Ministra Marina Silva comentou que “isso ocorre porque a pauta do governo e de setores atrasados do agronegócio fixou-se em desmontar a legislação ambiental e anistiar quem desmatou, como se as florestas e rios atravancassem o país e a agricultura. Agora, voltam-se contra os índios e suas terras, para reduzí-las e abrí-las à exploração mineral e agropecuária” (Folha de São Paulo, 13/9/2013). A vazão de importantes rios do país e o abastecimento de lençóis freáticos, responsáveis pelo fornecimento de água potável para a população, poderão ser comprometidos se a temperatura subir até 6 º C nas próximas décadas e o volume de chuvas diminuir, conforme cenário que considera que os níveis de emissões de GEE permaneçam altos. Neste ambiente, a agricultura e o setor de energia do Brasil poderão ser fortemente impactados, sob risco de queda brusca do Produto Interno Bruto (PIB) e constantes crises que envolvem o abastecimento energético e segurança alimentar. Fonte: Portal G1 –Setembro 2013 Ainda segundo o documento, a temperatura no Brasil pode aumentar de 3º C

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A Geopolítica da Guerra: Com A Palavra, O Inverno

Liszt Vieira 22/7/2022 A guerra na Ucrânia ainda não tem luz no fim do túnel. O Ocidente (leia-se os EUA) mandam armas modernas para prolongar a guerra e desgastar a Rússia. A possibilidade de a Ucrânia ganhar a guerra é praticamente nula. Mas o presidente Zelensky, que passou de corrupto denunciado na lista dos Panama Papers para herói, não parece interessado em acordo de paz. Os EUA estão se dando bem: o erro lamentável de Putin ao invadir a Ucrânia fortaleceu a OTAN e os militares americanos, aumentou o lucro dos empresários da indústria bélica, garantiu o emprego dos trabalhadores e não morreu nenhum americano. Mas esse ganho dos EUA se dá apenas a curto prazo. A longo prazo, prevalece a tendência ao multilateralismo, com o enfraquecimento da hegemonia americana e o fortalecimento da China. As sanções econômicas contra a Rússia não tiveram o efeito desastroso anunciado. É verdade que os EUA confiscaram as reservas internacionais da Rússia, cerca de 630 bilhões de dólares. Mas a Rússia passou a vender petróleo para outros mercados, fora do Ocidente, principalmente a Índia e a China, que aceitaram pagar em rublos. E a Europa é a principal prejudicada, pois já começou a sofrer os efeitos dessas sanções com a inflação nos preços da energia e alimentos. O euro já começou a se desvalorizar. A Europa, principalmente a Alemanha, vai se ferrar sem o gás russo no inverno ou vai aceitar pagar em rublos, rompendo o acordo com a OTAN, leia-se os EUA. “A retomada das exportações de cereais da Ucrânia é uma questão de vida ou morte”, declarou em 18/7 último Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para Relações Internacionais. Com a guerra, a Rússia passou a controlar o porto e a Ucrânia não consegue exportar sua produção de grãos pelo Mar Negro. A Rússia está disposta a fazer acordo com a Ucrânia desde sejam removidas as restrições que pesam sobre suas próprias exportações (Le Monde Diplomatique, Juillet 2022). Após a renúncia do premier italiano Mario Draghi em 21/7 passado, a União Europeia teme que a Itália mude de posição sobre Putin. A Itália depende em mais de 70% de energia externa, e hidrocarbonetos da Rússia cobrem mais de um quinto de seu consumo total. As sanções contra a Rússia “são um dano auto infligido à economia europeia que não afeta o poder de fogo russo” (O Globo, 22/7/2022). A Itália seria a ponta de lança, mas a Alemanha pode seguir o mesmo caminho antes de chegar o inverno europeu. Afinal, quase a metade do consumo de gás natural na Europa provem da Rússia. Na Alemanha, chega a 55%. A invasão da Ucrânia fortaleceu a OTAN e os EUA que, há tempos, boicotam o gasoduto Nord Stream 2 que liga a Rússia e a Alemanha. Uma aproximação comercial e política da Alemanha (puxando o resto da Europa) com a Rússia poderia ser um golpe fatal na hegemonia americana na Europa que passaria a se aproximar da Eurásia. Até agora os EUA tiveram sucesso em bloquear esse gasoduto, mas a necessidade econômica pode acabar falando mais forte. O inverno dirá.

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Para Os Eleitores de Bolsonaro

Liszt Vieira 20/7/2022 Como você sabe, a Terra é plana. Essa história de terra redonda é coisa de comunista. Galileu, Copérnico, Leonardo da Vinci, eram todos comunistas Como você sabe, a pandemia não existiu, era uma gripezinha, curada com cloroquina que você devia tomar todo dia, para continuar enriquecendo os amigos do mito. Como você sabe, vacina faz mal à saúde. Não tome nem vacine seus filhos. Como você sabe, todo mundo deve andar armado, preparado para a guerra civil que o mito vai convocar se não ganhar a eleição. Como você sabe, o Supremo Tribunal defende a Constituição, e o que queremos é um Tribunal que defenda os interesses do mito. Como você sabe, Trump ganhou a eleição e foi roubado. Se o mito perder, é porque roubaram. Espalhe essa fake news. Como você sabe, o mito defende a família. Claro que a dele em primeiro lugar. A dos outros, deixa pra lá. Como você sabe, o mito combate a corrupção. A corrupção dos outros.  A dele, a de sua família e a de seus aliados, a gente esquece e que ninguém se intrometa, talkei? Como você sabe, o mito está fechando biblioteca e abrindo clubes de tiro em todo o país. Esse negócio de educação, ciência, cultura e meio ambiente, é coisa de comunista. Como você sabe, a gasolina e os alimentos estão caríssimos, tudo culpa do PT. O mito faz passeata de motocicleta e não cuida disso. Como você sabe, a fome voltou, os pobres tornaram-se miseráveis, a classe média está empobrecendo e o número de bilionários aumentou no Brasil durante a pandemia. Mas isso não é nada perto do orgulho de termos nosso mito na presidência do Brasil! Como você sabe, o verde da bandeira está sendo destruído pelo desmatamento, garimpos, pecuária, agronegócio, mineração, incêndios, e o patrimônio nacional está sendo vendido a preço de banana. Mas somos patriotas e apoiamos o mito. Grite conosco: Deus, Pátria e Família! Assim gritavam os fascistas brasileiros do movimento integralista dos anos 30 do século passado. Deu errado. Como você sabe, Jesus Cristo era pacifista e morreu torturado. Mas o mito apoia a tortura, armas para todos e a guerra civil. E ele foi enviado por Deus! Ou teria ele feito pacto com o demônio para ser o Anti Cristo?

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Os Militares e o Golpe

Liszt Vieira 12/7/2022 Passarinho que se debruça – o voo já está pronto! (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)   A possibilidade de um golpe para adiar, anular ou impedir a eleição presidencial em outubro próximo paira como uma espada de Dâmocles na cabeça dos brasileiros. É o que se discute em todo o país. Afinal, já ficou claro que o “sistema-jagunço” invadiu as cidades, tendo como chefe político o presidente da república que não abandona seu projeto fascista de destruir a democracia e implantar uma ditadura no Brasil. E a movimentação dos militares, questionando a legitimidade da urna eletrônica, aponta nessa direção, sugerindo que o passarinho já se debruçou, preparando o voo. Os jagunços, descritos por Guimarães Rosa, distinguem-se dos sertanejos de Canudos, descritos por Euclides da Cunha. Enquanto estes últimos lutavam contra a ordem e a propriedade, os primeiros eram muitas vezes associados aos grandes fazendeiros e exerciam a violência armada sem projeto alternativo de poder. Em ambos os casos, “a lei está na ponta do fusil”. O jaguncismo do sertão mineiro é o modelo das milícias urbanas que impõem seu poder pelo uso da força física que deixa de ser monopólio exclusivo do Estado. O mandonismo patriarcal dos cangaceiros e jagunços se deslocou para as cidades, onde grupos mafiosos de milicianos passaram a controlar parte do território urbano, cobrando impostos e impondo a violência privada contra a ordem pública. No Rio de Janeiro, por exemplo, e não só, os milicianos controlam hoje metade da cidade. Essas milícias, juntamente com grupos de PMs, praças e bolsonaristas armados, constituiriam a base de apoio imediata de um golpe, na forma híbrida que assumir. Mas o fator principal caberia ao papel que as Forças Armadas vierem a desempenhar. Todo golpe na América Latina (e não só) teve apoio americano. Sem apoio americano, é possível um golpe? Biden, que vê Bolsonaro – amigo de Trump – como adversário, já mandou recado por dois diplomatas dizendo que o sistema eleitoral brasileiro é confiável. Afinal, amigo do meu inimigo vira inimigo também. Lula seria um mal menor. E deputados do Congresso americano ameaçaram cortar acordos militares se as Forças Armadas se intrometerem na eleição. Ao escolher um general como vice, que não amplia nem traz votos, Bolsonaro sinalizou opção preferencial pelo golpe, sem abandonar, contudo, a disputa eleitoral que pretende turbinar com a PEC eleitoral e o aumento do Auxílio Brasil. Muitos acham, porém, que os militares devem impugnar a eleição, talvez até antes, alegando fraude ou falta de confiabilidade na urna eletrônica. Dessa forma vão virar a mesa, tanque na rua é coisa do passado.  A imprensa internacional já está fazendo denúncias nesse sentido. O desgaste interno e internacional seria enorme. Poderemos ter grandes conflitos e confrontos pela frente, com resultado imprevisível. Mas ainda estamos no reino das incertezas. Lula deve ganhar a eleição, mas o cenário político é incerto. As previsões não são boas, algumas até assustadoras. Ninguém morrerá de tédio. Mas pode haver mortes em confrontos e atentados. O assassinato de Marcelo Arruda em Foz de Iguaçu seria o início de uma escalada? Alguns comentaristas colocaram no mesmo plano a vítima e o agressor que assassinou o guarda municipal de Foz de Iguaçu, Marcelo Arruda, em sua festa de aniversário, na presença de amigos e convidados. Falaram em “troca de tiros”. O assassino invadiu a festa, sem ser convidado, e atirou no aniversariante que homenageava Lula em sua festa. A vítima, já caída no chão, reagiu, em legítima defesa, atirando no agressor que foi ferido. Alguns jornalistas culparam a “polarização política” pelo assassinato de Marcelo Arruda. Durante muitos anos, houve polarização política entre o PT e o PSDB, mas nunca houve a violência de hoje que se explica pelo incentivo explícito do presidente fascista ao clima de ódio e à aquisição de armas pela população, com o objetivo de promover uma guerra civil visando à implantação de uma ditadura militar. Está cada vez mais claro que esta eleição implica o confronto da civilização com a barbárie, da democracia com a ditadura. A direita, com seus apoios entre os militares, empresários, evangélicos e endinheirados em geral, já fez sua escolha pela barbárie, já que a terceira via, como ficou claro, só existe na mídia que tentou sem sucesso criticar a polarização entre os “dois extremos”. Do lado antifascista, é lamentável que um político de tradição democrática, como Ciro Gomes, tenha definido Lula como seu inimigo principal. Ele está contribuindo indiretamente para fortalecer o candidato fascista. Nesse processo, ele está se autodestruindo, e o PDT vai pagar um alto preço por ter embarcado nessa canoa furada. Alguns afirmam que os militares vão forçar o adiamento das eleições e prorrogar o mandato do presidente B. e de todos os parlamentares e governadores. Justificativas não faltariam, tudo seria feito em nome da pacificação do país que seria destroçado com os conflitos antes e/ou depois da eleição. A tradição golpista das FFAA brasileiras vem de longe. Deixando de lado a quartelada que foi a Proclamação da República e o período da República Velha até a revolução de 30 e o golpe que derrubou Getúlio em 1945, tivemos diversas tentativas mal sucedidas como Jacareacanga, em fevereiro de 1956, contra a posse de Juscelino Kubitschek, Aragarças, em dezembro de 1959, contra uma imaginária ameaça comunista. Isso, sem esquecer a tentativa de golpe contra Vargas em 1954, fracassada após seu suicídio. Ou melhor, adiada dez anos. Outro destaque importante foi o golpe que impediu a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, sob a alegação de que ele estava na China em missão diplomática e comercial. Por isso, era comunista. Poucos anos depois, o presidente Nixon dos EUA visitou a China, que hoje é o maior parceiro comercial do Brasil. A inteligência geopolítica nunca foi o forte dos militares brasileiros, aprisionados na visão medíocre do “inimigo interno” e do anticomunismo que prevalecia durante a Guerra Fria, com ressonâncias até hoje. O show de ignorância e mediocridade dos generais brasileiros, hoje no poder, envergonha a inteligência

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Golpe Militar Sem Apoio Americano?

Liszt Vieira 26/6/2022 Todos os golpes militares na América Latina, e não só, tiveram apoio dos EUA. A questão que se coloca hoje é que o governo americano não está apoiando uma possível tentativa de golpe no Brasil. O governo Biden enviou ao Brasil uma diplomata e uma ex-futura embaixadora que disseram a mesma coisa: o sistema eleitoral brasileiro é confiável. Para bom entendedor, o recado foi: não apoiamos golpe militar no Brasil, seja de que forma for. Há muitas contradições envolvidas, para quem não tem medo de enfrentá-las. Uma delas é que Lula seria um mal menor para o governo americano. Afinal, Bolsonaro é fiel amigo de Trump, inimigo de Biden. E, ainda por cima, Trump á aliado de Putin. Ambos querem enfraquecer a União Europeia. Isso, sem falar em negócios de Trump na Rússia. Business acima de tudo. Quem é amigo de meu inimigo, vira inimigo. É assim que Biden vê Bolsonaro. Por isso não gosta da ideia de sua reeleição, por mais contradições que vislumbre com um futuro governo Lula. A estratégia dos militares do governo é desmoralizar a eleição, mostrar que ela não é confiável, para virar a mesa e garantir a continuidade do atual governo.  Não seria um golpe militar clássico, com tanque na rua para tomar o palácio do governo onde, aliás, já estão encastelados, usufruindo de muitos privilégios. O plano é muito arriscado, com poucas possibilidades de dar certo. Além disso, essa estratégia não conta com o apoio de todos os militares e empresários, apenas de parte deles, e também de muitos “liberais” que, como se sabe, sempre apoiam ditaduras militares na América Latina quando seus interesses econômicos estão em jogo. Estamos praticamente a 3 meses da eleição. O quadro eleitoral tem se mantido estável há um ano, com variações muito pequenas. Lula tem chances de ganhar no primeiro turno. De qualquer forma, ganharia folgadamente no segundo turno. Dificilmente, esse quadro sofrerá mudanças significativas. O presidente genocida blefa muito, mas não parece disposto a largar o poder quando perder. Não se sabe o que vai fazer. Alguma loucura do tipo invasão do Capitólio nos EUA? Ou mobilizar suas “tropas” milicianas para invadir seções eleitorais ou locais de apuração? O segundo semestre promete muitas emoções, lutas e confrontos.

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Fronteira Agrícola: O Elo Mais Fraco?

Liszt Vieira 24/6/2022 A Passeata Gay, realizada domingo 19/6 em São Paulo, reuniu 3 milhões de pessoas, segundo os organizadores. Dando um desconto e reduzindo para metade, a manifestação contou no mínimo com 1,5 milhão de pessoas. Isso é muito mais do que nossas manifestações Fora Bolsonaro, e mais do que as manifestações evangélicas, quando ocorrem. Aqueles que desprezam a “questão identitária”, seja o feminismo, LGBT+, racismo, questão indígena porque “desviam a atenção da luta de classes”, deviam refletir melhor e repensar suas opiniões levando em conta a mobilização popular. Outro fator a ser considerado é a violência contra lideranças e defensores dos povos indígenas, quilombolas, camponeses, ambientalistas, enfim, aqueles que lutam contra a ganância capitalista em sua fronteira agrícola agroextrativista. Trata-se de agronegócio, pecuaristas, garimpeiros, mineradores, madeireiros, grileiros, narcotraficantes, desmatadores. O assassinato de trabalhadores pela lógica econômica capitalista se dá muito mais no campo e na floresta contra indígenas, camponeses, quilombolas, ambientalistas do que na cidade, onde predomina a violência policial nas periferias e favelas. No programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, os mais vulneráveis são os defensores de indígenas, cerca de 38%, seguidos pelos quilombolas com 15,5%, extrativistas com 10% e direito à terra com 7,75%. Em seguida, aparecem comunidades ribeirinhas e direito à moradia, ambos com 6,2%. Os demais estão todos abaixo de 3,5% (O Globo, 21/6/2022). Seria a fronteira agrícola o elo mais fraco do capitalismo brasileiro? Não sei, mas a violência da expansão capitalista no campo devia ser mais estudada e articulada com os processos industriais e financeiros dos centros urbanos. Com a palavra, os teóricos do capitalismo no Brasil

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Crimes: Da Fronteira Agrícola Ao Golpe Híbrido

Liszt Vieira 13/6/2022 O desaparecimento e provável assassinato do jornalista britânico Don Phillips e do antropólogo indigenista Bruno Pereira chamou a atenção do país para a gravíssima situação dos conflitos no campo, com assassinatos de indígenas, camponeses e ambientalistas. O Governo cruzou os braços e só deu início às buscas após a forte pressão nacional e internacional. O Presidente genocida chegou a dizer que eles “não deviam ter ido lá”, transformando as vítimas em culpados, velha tática da direita. E confessando que “lá” está sob o domínio de criminosos – garimpeiros, grileiros, madeireiros, pecuaristas, segmentos do agronegócio, narcotraficantes – que desmatam e matam, com apoio do Governo, todos os que defendem a floresta. A Amazônia está sendo devorada, declarou o líder indígena Ailton Krenak. Os assassinatos no campo em 2021 bateram recorde dos últimos quatro anos. Sob Bolsonaro, a média de ocorrências de conflitos é a maior da história. Em seu levantamento anual, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 1.768 ocorrências, uma média de 34 por semana. Nos dois primeiros anos de Bolsonaro na presidência, foram computadas 1.903 e 2.054 ocorrências, respectivamente. A média para os 18 anos anteriores, entre 2001 e 2018, é de 1.408 ocorrências de conflitos (Agência Pública, 19/4/2022). As principais causas incluem conflitos por terra, água e trabalhistas. As ocorrências registradas pela CPT estão especialmente concentradas nos nove estados da Amazônia Legal: foram 939, o equivalente a 53% do total. Em nível nacional, os conflitos afetaram quase 900 mil pessoas. Entre as populações mais afetadas estão indígenas, posseiros, quilombolas, sem-terra, assentados e ribeirinhos. Os conflitos foram deflagrados especialmente por fazendeiros, empresários, grileiros, por agentes do governo federal e também mineradoras internacionais e garimpeiros, segundo o levantamento da CPT. A CPT registrou também 35 assassinatos no campo em 2021, 28 deles ocorridos na Amazônia Legal. O número é quase o dobro do registrado em 2020, quando a CPT computou 18 assassinatos. É também o maior número dos últimos quatro anos. As mortes por conflito no campo aumentaram 1044% em 2021. Ao menos 103 pessoas, sendo 101 indígenas Yanomami, já morreram em decorrência de conflitos no campo em 2021. Os dados parciais fazem parte do relatório da  CPT, divulgado em  10/6/2022. Das 101 mortes, em torno de 45 eram crianças (Agência Envolverde, 12/6/2022). O Brasil é quarto país do mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness. No ranking mundial, o Brasil somou 20 mortes no ano de 2020, ficando atrás apenas da Colômbia (65 mortes), México (30) e Filipinas (29). Um exemplo recente foi o triplo homicídio ocorrido na região de São Félix do Xingu. O crime ocorreu em 9/1/2022 e as vítimas – uma família de ambientalistas da região – desenvolviam projetos de proteção a animais como tartarugas e jabutis. As vítimas são um homem conhecido como Zé do Lago, sua esposa Márcia e a filha do casal, Joene. Eles moravam na região há 20 anos. A violência nas cidades também vem aumentando nos últimos tempos. Não tanto na relação capital-trabalho, pois não se tem notícia de operários urbanos assassinados por conta de conflito de trabalho, como ocorre com os camponeses, indígenas e ambientalistas na área de expansão da fronteira agrícola do capitalismo, ávido por recursos naturais. A violência urbana é resultado sobretudo da ação policial nas favelas e periferias da cidade, bem como dos conflitos no controle de território entre milicianos e traficantes. Os policiais atiram a esmo e “balas perdidas” matam até crianças, velhos, mulheres, quem estiver pela frente, com preferência para os negros. A segurança pública é assunto de competência estadual. Mas a guerra na fronteira agrícola é estimulada diretamente pelo presidente genocida que apoia fazendeiros, garimpeiros, mineradores, madeireiros, pecuaristas, agricultores e grileiros que violam a lei promovendo desmatamento ilegal de florestas e, muitas vezes, matando indígenas e lideranças rurais. É o modo de produção do capitalismo selvagem brasileiro que prioriza o agro extrativismo de exportação em detrimento da pequena agricultura familiar que produz o alimento que chega à mesa do brasileiro e da agroecologia que produz sem danos ao meio ambiente. Essa é a face mais desconhecida do regime, que se tornou mais visível pelo domínio do capitalismo financeiro improdutivo na economia nacional. É a manutenção desse sistema capitalista predatório, improdutivo e demolidor da natureza e dos seres humanos, que está em jogo nas próximas eleições. Um sistema neoliberal que bloqueou o Estado com a falácia do teto de gastos, pois nenhum país no mundo se desenvolveu sem investimento público. Segundo o IBGE, a renda média do brasileiro é a menor em 10 anos. A desigualdade também aumentou. Entre 2020 e 2021, a queda na renda das famílias afetou todas as classes sociais, mas principalmente as famílias mais pobres. Enquanto a fome avança, o número de bilionários cresceu no Brasil. Mas a casta dos mercadores e dos militares está mais preocupada com seus privilégios do que com o desenvolvimento sustentável, com o bem-estar da população, com a soberania nacional e com o crescimento do país. Em ato isolado, em 19 de maio passado, alguns militares lançaram um “projeto de nação” tendo à frente o general vice-presidente Hamilton Mourão. À parte o atrevimento de se afastar de suas funções previstas na Constituição, falar em nome do povo e sequestrar a soberania popular, o documento mostra clara dependência à elite financeira, ao “agronegócio-indústria”, e ataca conquistas históricas do povo brasileiro como, por exemplo, a universidade pública e o SUS público e gratuito. No item referente à Amazônia, os militares propõem “flexibilizar” a legislação referente à exploração de minérios, bem como remover as restrições da legislação indígena e ambiental para atrair investimento estrangeiro no agronegócio e mineração. Mas é o sistema eleitoral que se tornou o alvo principal do ataque dos militares fiéis ao Governo. A ofensiva desencadeada pelos militares contra o sistema eleitoral vem sendo considerada a antessala do golpe. Não o golpe clássico, com tanque na rua tomando o palácio de governo. Um golpe cujas batalhas iniciais já ocorreram e estão sendo travadas. O objetivo

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Brasil: Sertão Sem Lei e Sem Veredas

Por Liszt Vieira 10/6/2022 Há dois grandes Sertões na literatura brasileira. O Sertão de Euclides da Cunha e o Sertão de Guimarães Rosa. O primeiro é o semiárido, a caatinga, onde “a lei está na ponta do fuzil”, na frase de Euclides da Cunha. O sertanejo é bandido, age contra a propriedade e a ordem. Euclides analisa a guerra de Canudos, no século XIX, mas sua visão se aplicaria também aos cangaceiros do século XX no sertão nordestino. O sertão de Guimarães Rosa é o cerrado mineiro, onde mandam os jagunços que não conhecem lei nenhuma, pois ali a lei não chega, não há esfera pública. O que predomina é o mandonismo patriarcal. Mas o jagunço não é bandido, não luta contra a ordem. Ele é uma extensão da propriedade, ligado aos grandes fazendeiros do cerrado. Quem analisa de forma brilhante o Sertão de Guimarães Rosa é o saudoso crítico Antônio Cândido. Tudo isso me veio à mente ao assistir uma aula de José Miguel Wisnik sobre o livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O Wisnik, como sempre, brilhante. Ele compara o sertão de Euclides da Cunha com o sertão de Guimarães Rosa, e cita Antônio Cândido. Mas eu gostaria de desenvolver uma outra relação. Há um outro sertão na cultura brasileira. Um sertão levado ao cinema por Glauber Rocha em seu filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. Glauber cita a famosa profecia de Antônio Conselheiro, no Arraial de Canudos: O Sertão Vai Virar Mar, O Mar Vai Virar Sertão! Canudos, como se sabe, foi massacrado pelo Exército brasileiro em fins do século XIX. Essa frase de Antônio Conselheiro permite várias interpretações. As mais comuns se referem à irrigação ou cheias dos rios que cruzam o Nordeste. No plano simbólico, porém, ela pode ser entendida de outra forma. Em prosseguimento à perspectiva de sertão que encontramos em Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, essa frase de Antônio Conselheiro, brilhantemente aproveitada por Glauber Rocha em seu filme, pode ser entendida como o deslocamento do sertão, onde a lei está na ponta do fuzil, para a cidade, onde há regras, e o deslocamento do mar, que banha as cidades com suas leis, para o sertão dos cangaceiros, na caatinga, ou dos jagunços, no cerrado. Desde o fim do século XIX, na guerra de Canudos, ou dos anos 20 do século passado, que seria a época, segundo alguns autores, do cenário de Grande Sertão: Veredas, o sertão conheceu mudanças significativas. Em muitos lugares, a lei chegou. Quase sempre tortuosa, com a Justiça servindo aos poderosos. Mas a dominação brutal dos cangaceiros nordestinos ou dos jagunços do cerrado mineiro sofreu transformações pela presença do aparelho policial e judicial, por mais violentos e imperfeitos que fossem. E o mandonismo patriarcal dos cangaceiros e jagunços se deslocou para as cidades, onde grupos mafiosos de milicianos passaram a controlar parte do território urbano, cobrando impostos e impondo a violência privada contra a ordem pública. No Rio de Janeiro, por exemplo, e não só, os milicianos controlam hoje metade da cidade. Isso significa uma certa duplicidade do Estado. Além do Estado oficial que, na definição clássica de Max Weber, se caracteriza pelo monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território, temos nas cidades hoje um verdadeiro poder assemelhado ao Estado que usa a violência ilegítima para dominar a população num determinado território. É a violência do mandonismo patriarcal do sertão penetrando nas cidades pela ação das milícias. Vemos assim, que não só o mar virou sertão, o sertão também virou mar, assombrando as cidades com o jaguncismo típico do sertão. Assim como os jagunços do sertão mineiro, ao contrário dos cangaceiros nordestinos, não lutam contra a propriedade e são ligados ao poder dos grandes fazendeiros, os milicianos das cidades são hoje protegidos pelos poderosos e ligados à Polícia. O caso mais notório é o do Rio de Janeiro, onde as milícias são protegidas diretamente pelo Presidente da República! Um exemplo notável nos deu o Interventor Militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro no ano de 2018, o general Braga Netto. Ele só atacou os traficantes nas favelas, e ignorou as milícias que continuaram se expandindo e dominando territórios. Alguns desses novos territórios controlados pelas milícias pertenciam antes aos traficantes atacados pela Polícia durante a Intervenção Militar. Quem quiser que acredite em coincidência. Assim, o Presidente do Brasil é o Chefe dos Jagunços. Ele quer destruir o Poder Judiciário, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, para tornar-se ditador e implantar seu projeto neofascista abrasileirado, de estilo jaguncista, baseado no mandonismo patriarcal, onde o direito é substituído pelo fuzil e onde prevalecem os costumes do patriarcado temperado com o fundamentalismo evangélico, sempre em choque com os hábitos modernos da vida urbana, mas com apoio de segmentos do mercado e de setores militares. Esse “sistema-jagunço”, como o define Guimarães Rosa, se baseia na violência, no clientelismo, na prevalência do poder privado sobre o público, na supremacia da tradição sobre a institucionalidade. Originalmente, são poderes fundados no latifúndio, nas oligarquias rurais, no patrimonialismo, na ausência do Estado, no mandonismo patriarcal, na lógica da vingança. Quem não é aliado, é inimigo. Enfim, o presidente genocida quer transformar o Brasil num grande sertão, sem lei e sem veredas. Tudo indica, porém, que seu projeto neofascista será derrotado pelo projeto democrático moderno encarnado por Lula, em que pesem as diferenças políticas de seus apoiadores, unidos pela necessidade imperiosa de salvar a democracia da regressão autoritária, já em curso, que visa implantar no Brasil a ordem jaguncista do velho sertão onde a lei está na ponta do fuzil.

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Risco de Extinção da Amazônia?

Liszt Vieira 10/5/2022 A Amazônia teve recorde de desmatamento em abril passado, com mais 1.000 km2 derrubados. Dados do Inpe mostram um salto de 74% em relação a abril do ano passado (UOL, 6/5/2022).   Um estudo publicado em 7/3/2022 na revista Nature Climate Change afirma que a Amazônia se aproxima de um ponto em que a devastação será irreversível, ou seja, um “ponto de não retorno” ( Boulton, C.A., Lenton, T.M. & Boers, N. Pronounced loss of Amazon rainforest resilience since the early 2000s. Nat. Clim. Chang. 12, 271–278 (2022). Segundo a pesquisa da Nature Climate Change, a resiliência da floresta amazônica às mudanças do clima e às mudanças no uso da terra é crucial para a biodiversidade, o clima regional e o ciclo global do carbono. O desmatamento e as mudanças climáticas, por meio do aumento da duração da estação seca e da frequência das secas, podem já ter empurrado a Amazônia para perto de um limiar crítico de extinção da floresta tropical. Mais de três quartos da floresta amazônica vêm perdendo resiliência desde o início dos anos 2000, o que sugere uma transição crítica. A resiliência está sendo perdida mais rapidamente em regiões com menos chuvas e em partes da floresta tropical que estão mais próximas da atividade humana. A perda de resiliência significa que a floresta amazônica está arriscada a morrer, o que produzirá profundas implicações para a biodiversidade, armazenamento de carbono e mudanças climáticas em escala global. A pesquisa se concentrou na degradação entre 1991 e 2016. A conclusão é que mais de 75% da floresta vem perdendo poder de se regenerar depois de períodos de perturbação, como secas prolongadas. Até mesmo áreas densas em vegetação têm sofrido. O estudo demonstra que a Amazônia corre sério risco de extinção. A partir de certo nível de desmatamento, a floresta provavelmente perderia a capacidade de se recompor e entraria em autodestruição, sem que nenhuma ação humana pudesse reverter seu destino. Não haveria árvores suficientes para manter o atual regime de chuvas. Mais da metade da atual floresta pode virar um cerrado, com enorme impacto na biodiversidade, no clima, na economia e no modo de vida, e não apenas dentro do Brasil. Originalmente, a floresta ocupava 4 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro. Cerca de 17% já foram desmatados. Estimativas anteriores sugeriam que o “ponto de não retorno” seria alcançado quando se chegasse a 25% de destruição. A pesquisa da Nature Climate Change sugere que talvez o limite esteja mais próximo. As consequências da transformação da floresta em cerrado são aterradoras. O lugar que abriga 15% da biodiversidade da Terra seria palco da extinção de incontáveis espécies. Em vez de absorver CO2, a região passaria a emitir bilhões de toneladas de carbono, pondo em risco as metas globais de redução de emissões. O regime de chuvas no Brasil e países vizinhos seria transformado com a alteração dos “rios voadores”, umidade gerada na Amazônia que circula pela atmosfera. O impacto na agricultura e na pecuária seria devastador. A região sudeste do Brasil, situada na mesma latitude do deserto de Atacama, no Chile, sem o benefício dos “rios voadores”, provenientes da Amazônia, estaria ameaçada de se transformar numa savana e, tendencialmente, num deserto. As consequências seriam catastróficas, como não é difícil imaginar. Um estudo publicado em 24/3/2022 na revista Frontiers in Forests and Global Change, sob o título The Unseen Effects of Deforestation: Biophysical Effects on Climate, assinado por Deborah Lawrence e outros cientistas, demonstra que as florestas tropicais contribuem para diminuir a temperatura global em mais de 1º C. 70% desse efeito se deve ao fato de que essas florestas estocam muito carbono. Com a queima ou desmatamento, um volume enorme de CO2 é liberado, agravando o efeito estufa. Os outros 30% do resfriamento se devem a efeitos biofísicos, como evapotranspiração das plantas. Assim, a Amazônia, que no passado foi equivocadamente chamada de “pulmão do mundo”, pode muito bem ser considerada “ar condicionado do planeta”. Para evitar esse futuro apocalíptico, o desmatamento estimulado pelo governo Bolsonaro precisa ser interrompido. O Brasil já reduziu de forma considerável a destruição da floresta no passado, durante os governos do PT. Nos últimos anos, durante o governo Temer e, principalmente, durante o governo Bolsonaro, houve um grande retrocesso, com aumento considerável das áreas desmatadas. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), publicado em 2/2/2022, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 57% durante o governo Bolsonaro. E, nas áreas destruídas no último triênio, as terras indígenas tiveram aumento de 150%, o que equivale a 1.255 km². Os grandes vilões são o agronegócio, a mineração e, principalmente, a pecuária. A cadeia de produção de carne na Amazônia ignora acordos: cai a floresta, cresce o pasto. Segundo o Greenpeace, em 2009, os três maiores frigoríficos que atuam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram junto ao Ministério Público Federal um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e aderiram aos “Critérios Mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma Amazônia” . Na prática, eles se comprometeram a desenvolver sistemas de monitoramento para excluir de suas listas de fornecedores as fazendas que continuavam desmatando, que usavam mão de obra escrava ou que estivessem invadindo áreas protegidas. Alguns avanços foram notáveis para uma indústria que, até então, nunca havia se responsabilizado pelos crimes ambientais que ocorriam em sua cadeia produtiva. Mas uma pecuária livre de desmatamento ainda é um sonho muito distante. A elite brasileira, em sua cobiça e ignorância, acha que desmatar floresta é “progresso”, é “crescimento econômico”. A maioria dos militares também reza essa ladainha. Só pensam em termos de ocupação territorial. Desconhecem os estudos econômicos que, desde os anos 90 do século passado, demonstraram que a floresta em pé vale mais do que abatida, em termos de produção econômica. Isso sem falar na riqueza da biodiversidade perdida com a destruição da floresta, ou nas enchentes, deslizamentos, secas e geadas provocadas pelas variações de temperatura. Além disso, muitos cientistas já demonstraram que a floresta desmatada libera vírus que

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Guerra de Posição e Golpe Híbrido

Liszt Vieira 28/4/2022 Está fora de moda o golpe militar clássico, com tanques na rua tomando o Palácio do Governo e prendendo o Presidente. Pelo menos no Brasil. O golpe de Estado se sofisticou, tornou-se o que se chama “golpe híbrido”. O impeachment da Dilma é um bom exemplo. Foi golpe, ela não cometeu crime nenhum que justificasse o impeachment. Já Bolsonaro cometeu dezenas de crimes e não sofreu impeachment porque se bandeou com armas e bagagens para o Centrão que ganhou na bacia das almas o orçamento secreto. O ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministro Luís Barroso, convidou um General do Exército para acompanhar os trabalhos do TSE durante o processo eleitoral. O Ministro da Defesa barrou e disse que seria um Almirante quem iria representar as Forças Armadas no TSE. O que era um mero convite, tornou-se representação oficial das Forças Armadas. Ora, em nenhum país democrático do mundo os militares participam do processo eleitoral, a não ser em ditaduras. Não é função de militar dar palpite em eleição. Na realidade, os militares do Governo avançaram uma peça no tabuleiro do xadrez político. Estão travando uma guerra de posição com o objetivo de provocar aos poucos o desmantelamento da democracia e das instituições democráticas. As instituições que ainda funcionam, funcionam mal. Desde seu início, o atual Governo sabota o funcionamento das instituições de saúde, educação, ciência, cultura, meio ambiente, política externa independente, direitos humanos etc. Vem ganhando posições na sua guerra para destruir a democracia e implantar uma ditadura, o sonho dourado do atual Presidente. Para isso, conta com o apoio de seu núcleo duro militar e dos parlamentares do Centrão, com as mãos enlameadas pelas verbas do orçamento secreto. Para enfrentar essa guerra de posição, as organizações populares, os movimentos sociais e os partidos de oposição precisam ter mais agilidade, desenvolver uma guerra de movimentos. Por exemplo, já está na hora de voltar às ruas para protestar contra o perdão dos crimes do deputado bandido Daniel Silveira e contra a inflação nos preços de alimentos e energia que penaliza o povo brasileiro. A democracia é golpeada e se enfraquece a cada dia. No próximo domingo, dia 1 de maio, haverá uma Manifestação às 10 h no Parque do Flamengo (Aterro), altura da rua Silveira Martins, pelo emprego, direitos, democracia e vida. Espero que seja o recomeço das manifestações de rua para fortalecer a luta contra o projeto fascista do atual Governo. Afinal, não podemos cruzar os braços para ficar apenas pagando imposto para garantir o Viagra dos militares…

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A Eleição e Seus Desafios

Liszt Vieira 17/4/2022 As pesquisas eleitorais recentes da intenção de votos repetem aproximadamente o resultado das anteriores. Lula ganha confortavelmente no segundo turno, podendo vencer no primeiro por margem apertada. Esta possibilidade tornou-se mais difícil nos últimos meses, o que foi atribuído, entre outros fatores, à liberação de dinheiro público do orçamento secreto para beneficiar parlamentares e seu eleitorado, aos votos recebidos com a desistência do candidato Moro, bem como ao relativo abrandamento da pandemia que causava grande desgaste político a Bolsonaro. Por outro lado, a inflação implacável, principalmente nos preços da energia e alimentos, pesa desfavoravelmente ao candidato Bolsonaro. Mas nem tudo se explica pela economia. O saudoso cientista político Wanderley Guilherme dos Santos dizia que, no Brasil, 30% votam na direita, 30% votam na esquerda, e 40% constituem o eleitorado flutuante. Em 2018, Bolsonaro capturou os votos da direita e da maior parte desse eleitorado flutuante. Agora, em 2022, as pesquisas eleitorais indicam uma perda significativa neste último segmento. Perda bem menor terá no eleitorado de direita que se identifica com sua visão retrógrada de autoritarismo, misoginia, homofobia, machismo, intolerância à diferença e ignorância completa, no que se refere à sobrevivência humana, do papel dos recursos naturais e da natureza, vista apenas como objeto a ser destruído em nome do progresso. Entre as poucas certezas da campanha eleitoral de 2022 encontra-se a polarização entre os dois principais candidatos, uma vez que não prosperaram as diversas tentativas de uma terceira via com um candidato de centro. A candidatura Lula-Alckmin ocupou o centro, da mesma forma que o candidato Bolsonaro, da extrema direita, tende a receber os votos ainda hesitantes da direita tradicional, mas com perdas importantes em relação à eleição de 2018. Temos, assim, uma chapa de centro-esquerda, com apoio do centro, contra uma chapa de extrema direita, com apoio da direita. O fracasso retumbante do governo Bolsonaro, com destruição das instituições e políticas públicas de saúde, educação, ciência, cultura, meio ambiente, política externa etc., aliado aos índices medíocres do PIB, persistência do alto desemprego, uberização do trabalho e inflação fora do controle, levaram à perda de apoio em alguns segmentos do empresariado. E, no que se refere ao sólido apoio militar, também aí há fissuras, face à desmoralização das Forças Armadas pelas ações estapafúrdias e desmandos do atual Governo em diversas áreas, com destaque para a retrógrada atitude anticientífica de sabotagem da vacina, e o fornecimento, com dinheiro público, de cerca de 35 mil comprimidos de Viagra e próteses penianas para os militares. A isso tudo se somam os escândalos da corrupção dos pastores evangélicos que cobravam propina para distribuição das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a violência dos madeireiros e mineradores ilegais, o genocídio de indígenas, o avanço ilegal, mas com apoio oficial, dos milicianos nas cidades etc. Diante desse quadro, pode-se afirmar que a polarização Lula x Bolsonaro não será alterada por nenhuma candidatura de terceira via que desempenhará papel secundário. O quadro eleitoral está definido: a luta se dá entre a democracia x ditadura, civilização x barbárie. Caberá às forças democráticas, porém, aproveitar o momento da luta política durante a campanha eleitoral para defender os direitos dos trabalhadores, pisoteados desde o Governo Temer, após o golpe parlamentar que derrubou a presidente Dilma. Além disso, lutar pela redução da desigualdade social que aumentou de forma escandalosa nos últimos anos, bem como pelo resgate da soberania nacional. Será necessário, durante a campanha, não deixar dúvidas nem alimentar ilusões. O próximo Governo enfrentará uma grave crise econômica que já se manifesta em todo o mundo. Trata-se do casamento ameaçador da inflação com a recessão, ou seja, a estagnação com inflação, chamada estagflação. No Brasil, este quadro será agravado pela desindustrialização em curso, altos índices de desemprego, desmonte das instituições do Estado, supressão de políticas públicas, privatizações contra o interesse nacional, entre outros fatores. Em 2023, o novo Governo se verá, logo no início, diante de uma encruzilhada. De um lado, as forças políticas e econômicas que defendem o neoliberalismo e sua proposta de concentrar os recursos públicos no mercado e esvaziar o Estado, usando como pretexto os dogmas de ajuste fiscal, teto de gastos e equilíbrio de contas públicas para evitar investimento do Estado na economia, enfim, a tese do Estado mínimo e do Mercado máximo. É importante assinalar que o neoliberalismo fracassou em todo o mundo, mas se mantém predominante no Brasil. Nos EUA, o Governo do presidente Biden vai investir 1 trilhão e 200 bilhões de dólares na economia, principalmente na infraestrutura e tecnologia. Lá nunca existiu Estado mínimo, o Governo americano sempre financiou pesquisas científicas que resultaram em novas tecnologias, em diversas áreas, desde a espacial até a digital. O neoliberalismo conta com o apoio do mercado financeiro, dos grandes investidores nacionais e internacionais, da mídia mainstream e da maioria dos militares. Este caminho levou o Brasil à sua atual situação de país periférico, de grande desigualdade, exportador de produtos primários e commodities. A pobreza e a miséria aumentaram, assim como o número de bilionários. O projeto da industrialização nacional, iniciado por Vargas e retomado pelos governos petistas, foi abandonado após o impeachment da presidente Dilma. Outro caminho é o Estado reassumir seu papel central no planejamento e execução de investimentos públicos, visando a um desenvolvimento socioeconômico sustentável, amparado pela grande riqueza de recursos naturais no Brasil que atualmente estão sendo destruídos de forma predatória para lucro de alguns poucos. É o que se espera do Governo eleito em 2022 que deverá, no plano internacional, adotar uma política externa independente, não mais baseada na vassalagem em relação aos interesses norte-americanos, mas centrada nos interesses nacionais. Antes disso, porém, o Brasil vai enfrentar uma grande crise política. Na campanha eleitoral, os partidos de oposição e o próprio Tribunal Eleitoral não serão mais surpreendidos pela divulgação de dezenas de milhões de fake news pelos robôs, como ocorreu em 2018. E a oposição começou a utilizar melhor as mídias sociais, embora tenha ainda um longo caminho a percorrer. Diante desse novo quadro, Bolsonaro já

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A Palavra Cidadão no Brasil é Ofensa?

06/07/2020 Os jornais de segunda 6/6 reproduziram matéria que saiu domingo 5/6 no programa Fantástico, da TV Globo. A bolsonarista Nivea del Maestro, ao lado do marido, Leonardo Barros, atacou um Fiscal da Saúde num bar da Barra da Tijuca, no Rio, e acabou demitida da empresa onde trabalhava. O Fiscal dirigiu-se ao marido chamando-o de Cidadão. Ela se ofendeu e retrucou: “Cidadão, não. Engenheiro Civil, formado, melhor do que você”. Para ela, cidadão é um termo ofensivo. Com efeito, a palavra cidadão iguala todas as pessoas. Na Revolução Francesa, todos se chamavam de cidadão para mostrar que todos eram iguais perante a lei, não havia mais privilégios para a nobreza e o clero. Exatamente porque a palavra cidadão iguala, ela se sentiu ofendida, porque se considera superior. Para ela, a lei só vale para os pobres. Ela, como a maioria das classes média e alta, introjetou e “naturalizou” a enorme e injusta desigualdade que perdura e se agrava na sociedade brasileira. Cidadão implica a ideia de que uma pessoa, desde que nasceu, é um sujeito de direitos. Ao adquirir maioridade, torna-se cidadão de pleno direito. Tudo isso, na teoria. Na prática, muitos não têm seus direitos reconhecidos. Aqui vale a famosa ironia: todos são iguais, mas uns são mais iguais do que outros.

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Depois da pandemia: um novo modo de vida?

03/07/2020 A expansão mundial do capitalismo como sistema dominante mostrou que desmoronaram os regimes, sistemas e ideologias que, durante décadas, sustentaram nossas crenças e valores. As armas teóricas de que se valiam os oprimidos para enfrentar a opressão do capital tornaram-se obsoletas. A esquerda e os movimentos populares mergulharam em perplexidade e muitas vezes limitaram-se a repetir chavões antiquados que passam ao largo de questões essenciais. A crise do mundo capitalista, a decadência da sociedade patriarcal, a destruição ecológica que ameaça o planeta, e a pandemia que se alastrou pelo mundo em 2020, nos desafiam a buscar novos modos de vida e de pensamento. Já faz algum tempo, os que entendem a democracia como forma de existência social e não apenas como regime político vinham defendendo a democratização do poder político e econômico, o fortalecimento dos órgãos representativos da sociedade civil, a democratização dos meios de comunicação, a criação de instrumentos de contrapoder e atenção especial à ecologia, questão social que se tornou explosiva a partir dos anos 80. É preciso encontrar um novo modo de viver em sociedades onde as transformações tecnológicas e científicas se processaram à custa de uma degradação social e cultural. As crescentes mecanização, automação e informatização tendem a liberar uma quantidade cada vez maior de tempo de trabalho. Isto não precisa significar, como tem ocorrido, o desemprego, a marginalidade, a solidão, a angústia, a neurose. Pode, ao contrário, abrir caminho à cultura, à criação, à pesquisa, à reinvenção do meio ambiente e ao enriquecimento dos modos de vida e sensibilidade. A crise da sociedade contemporânea só poderá ser enfrentada com uma revolução política, social, cultural, a partir de uma articulação teórico-política em três planos que constituem as chamadas novas ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a das ideias. Esta revolução deverá reorientar a produção dos bens materiais e simbólicos. Deverá se processar não apenas nas relações de força visíveis em grande escala (reformas de cúpula, planos de governo, partidos, sindicatos), mas também nos domínios moleculares da sensibilidade, inteligência e desejo, ao nível da vida cotidiana. Os mecanismos de dominação não se manifestam apenas nas estruturas de produção de bens e serviços, mas também nas estruturas de produção de signos e subjetividade, através da mídia, da publicidade etc. Tão decisivas quanto as relações econômicas são as relações da subjetividade que as sustentam. O poder repressivo é introjetado pelos oprimidos e às vezes os partidos e sindicatos de trabalhadores reproduzem os mesmos modelos autoritários que bloqueiam a liberdade de expressão e inovação. Este é um problema-chave que a ecologia social e mental deverá enfrentar. O capitalismo, hoje, estendeu o seu domínio sobre o conjunto da vida econômica, social e cultural do planeta, incorporando-se à subjetividade e ao inconsciente das pessoas. Por isso, não é mais possível fazer-lhe oposição somente “do exterior”, mediante as práticas sindicais e políticas tradicionais. Devemos enfrentar seu domínio na vida cotidiana individual, nas relações éticas e até nas relações domésticas e de vizinhança. Para isto, em vez de apenas buscar um consenso, é preciso também cultivar o dissenso e a produção singular de existência que a pasteurização capitalista tenta impedir. O que torna singular a fase atual do neoliberalismo é o apoio das massas que são as mais prejudicadas com a política neoliberal. A necropolítica que hoje prevalece no Brasil com o governo Bolsonaro obteve apoio daqueles que vão morrer. Isso é algo novo. A revolta das massas foi capturada, cooptada e deslocada pela revolta das elites. O Estado desvia recursos públicos antes destinados à saúde, educação e toda área social para o mercado financeiro dominado pela minoria de 1% da população, e grande parte da massa popular excluída apoia essa política em nome de uma retórica vazia e ilusória de luta contra o “sistema”. A pandemia de 2020 provocou abalo na ideologia neoliberal que privilegia a rentabilidade econômica em detrimento das necessidades sociais, culturais e ambientais. A prioridade do lucro em relação à saúde e à vida foi questionada em toda a parte. Dependendo da ação política, o neoliberalismo permanecerá em alguns lugares, sofrerá mudanças em outros ou será substituído pela social democracia ou capitalismo de Estado de orientação keynesiana. Para enfrentar a ação do mercado que tentará impor o retorno do neoliberalismo, é necessário ter uma visão política transversal, abrangendo elementos ambientais, sociais e culturais. A ecologia ambiental apenas antecipou a ecologia generalizada do futuro. Ela impõe a reavaliação da finalidade do trabalho e das atividades humanas em função de critérios diferentes dos de rendimento e lucro. Exige a democratização dos meios de comunicação, a serem reapropriados por grupos autônomos e representativos da sociedade civil: o fim do monopólio da produção de sentidos e valores. Supõe também iniciativas de desobediência civil como a Rádio e a TV livres, por exemplo. Após a pandemia, abre-se um período de incertezas. Como bem disse o escritor Edgard Morin, a história humana sobre o planeta não é mais teleguiada por Deus, pela Ciência, pela Razão, ou pelas leis da História. Ela nos faz reencontrar o sentido grego da palavra “planeta”: astro errante. A crise do capitalismo provocada pela pandemia do coronavirus abre um leque de oportunidades nas sociedades de risco em que vivemos. Resta saber se, despojado das verdades impostas pelo sistema dominante, de verdades que não mais devem ser absorvidas ou encontradas, mas sim criadas, o ser humano pode se constituir livremente, libertando-se da “servidão voluntária” e olhando o mundo como obra aberta que pode ser transformado pela ação coletiva.

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