Artigos Diversos

Paradoxo de Epicuro

30/06/2020 A mãe Alexandra Dougokenski, de 33 anos, admitiu em 27/6/2020 que matou o filho Rafael Mateus Winques, 11 anos, em 15/5 passado, no Rio Grande do Sul, com uma corda de varal quando ele estava acordado no quarto devido à desobediência do garoto. Ela afirmou que estava irritada com o filho porque ele não dormia e ficava jogando no celular. Ela deu dois comprimidos de diazepam ao garoto, mas horas depois pegou o menino jogando no celular novamente e resolveu enforcá-lo. Quando ocorre um crime horroroso, sempre surge alguém para dizer que é sinal do fim do mundo, antigamente não era assim, e por aí vai. Toda época teve seus heróis e criminosos bárbaros. Na Grécia antiga, berço de nossa civilização, as pessoas lotavam o teatro para assistir Medéia, que matou os filhos para se vingar e botar ciúme no marido. E Agamenon sacrificou sua filha Ifigênia pedindo aos deuses que enviassem ventos favoráveis para a frota grega chegar a Troia. A mitologia grega está cheia de crimes horrorosos. Cronos devorava seus filhos. Na mitologia romana, Cronos era Saturno que foi imortalizado num quadro de Goya devorando seu filho. A existência do mal no mundo faz lembrar o Paradoxo de Epicuro. Deus não pode ao mesmo tempo ser bom, onipotente e onisciente. Se existe o mal, e Deus é bom, então ele não pode tudo ou não sabe tudo, porque não evitou o mal. Se ele sabe tudo e pode tudo, e existe o mal, então ele não é bom. São três proposições que se chocam: 1)      Deus é Onibenevolente (absolutamente bondoso). 2)      Deus é Onisciente (tem absoluta ciência de tudo) 3)      Deus é Onipotente (possui poder absoluto e ilimitado) Enquanto onisciente e onipotente, Deus tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar com ele. Mas não o faz. Então não é onibenevolente. Enquanto onipotente e onibenevolente, Deus tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é onisciente. Enquanto onisciente e onibenevolente, Deus sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente. A mãe Alexandra Dougokenski, de 33 anos, admitiu em 27/6/2020 que matou o filho Rafael Mateus Winques, 11 anos, em 15/5 passado, no Rio Grande do Sul, com uma corda de varal quando ele estava acordado no quarto devido à desobediência do garoto. Ela afirmou que estava irritada com o filho porque ele não dormia e ficava jogando no celular. Ela deu dois comprimidos de diazepam ao garoto, mas horas depois pegou o menino jogando no celular novamente e resolveu enforcá-lo. Quando ocorre um crime horroroso, sempre surge alguém para dizer que é sinal do fim do mundo, antigamente não era assim, e por aí vai. Toda época teve seus heróis e criminosos bárbaros. Na Grécia antiga, berço de nossa civilização, as pessoas lotavam o teatro para assistir Medéia, que matou os filhos para se vingar e botar ciúme no marido. E Agamenon sacrificou sua filha Ifigênia pedindo aos deuses que enviassem ventos favoráveis para a frota grega chegar a Troia. A mitologia grega está cheia de crimes horrorosos. Cronos devorava seus filhos. Na mitologia romana, Cronos era Saturno que foi imortalizado num quadro de Goya devorando seu filho. A existência do mal no mundo faz lembrar o Paradoxo de Epicuro. Deus não pode ao mesmo tempo ser bom, onipotente e onisciente. Se existe o mal, e Deus é bom, então ele não pode tudo ou não sabe tudo, porque não evitou o mal. Se ele sabe tudo e pode tudo, e existe o mal, então ele não é bom. São três proposições que se chocam: 1)      Deus é Onibenevolente (absolutamente bondoso). 2)      Deus é Onisciente (tem absoluta ciência de tudo) 3)      Deus é Onipotente (possui poder absoluto e ilimitado) Enquanto onisciente e onipotente, Deus tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar com ele. Mas não o faz. Então não é onibenevolente. Enquanto onipotente e onibenevolente, Deus tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é onisciente. Enquanto onisciente e onibenevolente, Deus sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente.

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Lembrando Hélio Peregrino

26/06/2020 A declaração de Lya Luft de que se arrependeu de ter votado em Bolsonaro provocou um debate acalorado. Muita gente perguntou: como uma pessoa tão culta pode ter votado tão mal? Várias respostas foram dadas. Eu mesmo, no facebook, dei uma explicação de caráter sociológico, admitindo que há várias respostas possíveis. O professor de filosofia e escritor Roberto Romano foi duro na crítica. Um intelectual “apoiar alguém que faz elogio da tortura, despreza as mulheres, odeia os homossexuais, debocha de quilombolas e de indígenas” só pode ser explicado por duas razões. “Ou possui a mesma ideologia assassina, ou é covardemente cúmplice”. Essa declaração da Lya Luft me fez lembrar do Hélio Peregrino nos anos 80, então seu companheiro. Todo sábado à tarde eu, na época deputado, comparecia à varanda da casa do Hélio Peregrino no bairro Jardim Botânico, nos idos de 1985. Ali se reuniam algumas pessoas amigas para discutir e articular propostas políticas, entre elas o ator Osmar Prado, o músico Sergio Ricardo, o psicanalista Carlos Alberto, o professor Pinguelli Rosa e às vezes o Frei Betto. Estávamos às vésperas da eleição municipal e queríamos uma Frente de esquerda para apoiar o candidato Saturnino Braga para prefeito do Rio na legenda do PDT. O PT rejeitou aliança, e sob liderança de Vladimir Palmeira insistiu e lançou candidato próprio sem apoio eleitoral consistente. O candidato era boa pessoa, mas acabou tendo apenas 0,98% dos votos. Organizamos uma dissidência e lançamos a Frente Rio, mobilizando uma parte do PT para apoiar Saturnino, então muito criticado pelos petistas. Hélio Peregrino, fundador do PT, deu apoio resoluto à Frente Rio e à união da esquerda em torno de Saturnino. O tempo passou, Saturnino, anos depois, se filiou ao PSB e posteriormente ao PT, enquanto Vladimir Palmeira saiu do PT e foi para o PSB. Hoje, cerca de 36 anos depois da campanha das Diretas Já, de novo se coloca a proposta de uma Frente Ampla, uma proposta de caráter político como única forma de derrubar Bolsonaro. Mas muita gente na esquerda rejeita essa aliança. A proposta é política, e a rejeição é moral. Quero crer que Hélio Peregrino, se vivo fosse, apoiaria a Frente Democrática contra Bolsonaro. Se vivo estivesse, talvez Lya Luft não precisasse fazer autocrítica, porque possivelmente o ouviria e não teria votado tão mal. Ou será que não?  

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Arrependimento “Quae Sera Tamen”

24/06/2020 A escritora e tradutora Lia Luft declarou estar arrependida de ter votado em Bolsonaro. O professor Renato Janine abriu um debate em sua página no Facebook. Saudou a decisão (antes tarde que nunca), mas perguntou: Como é possível uma pessoa tão culta ter votado tão mal? Além da explicação psicanalítica (impulso de morte), há várias outras possíveis. Uma delas é sociológica. Boa parte da classe média rejeita o “igualitarismo” e se assusta quando os pobres melhoram de vida e se aproximam: a empregada doméstica fica mais cara, os aviões ficam lotados, “Congonhas vira uma rodoviária” etc. Em vez de se aproximar dos ricos – como desejam – a ideia de se misturar aos pobres torna-se insuportável.

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O Dilema Atual do Neoliberalismo

24/06/2020   Recente artigo na revista Development Economics, em 18 de junho passado, de Jack Copley e Alexis Moraitis, analisa com propriedade o conflito do neoliberalismo, subordinado à lógica do mercado mundial e por vezes obrigado a atender demandas sociais em casos de grandes protestos e manifestações ou, como agora, de pandemia. O texto abaixo busca resumir a mensagem deste artigo no que se refere ao atual dilema do neoliberalismo. A pandemia de coronavírus exigiu que os Estados adotassem medidas sem precedentes para apoiar a economia capitalista mundial. Isso incluiu enormes injeções de liquidez nos mercados financeiros, garantindo o salário dos trabalhadores afastados sob licença e requisitando e coordenando temporariamente parte das atividades do setor privado. No entanto, no ano passado, uma ameaça diferente – não epidemiológica, mas proletária – obrigou os Estados a adotar políticas redistributivas contra suas vontades, embora em menor escala. Do ponto de vista dos levantes atuais contra a violência policial racista, as ruas vazias do confinamento do início de 2020 aparecem como uma breve exceção à tendência mais ampla de manifestações de massa. Em 2019, ruas, avenidas e praças de diferentes partes do mundo foram inundadas por manifestantes que criticaram as políticas em favor dos ricos de seus respectivos governos. A escala, a resistência e a perturbação espetacular dessas explosões populares pressionaram os governos da Ásia Ocidental à Europa e à América Latina a abandonar a chamada austeridade fiscal neoliberal e abraçar com relutância as políticas de estímulo keynesiano. No Chile, por exemplo, na véspera da revolta do outono de 2019, o bilionário presidente conservador  Sebastián Piñera invocou uma metáfora clássica para explicar como ele resistiria à oposição popular ao seu doloroso programa de reformas: “Ulisses se amarrou ao mastro de um navio e colocou pedaços de cera nos ouvidos para evitar cair no canto das sereias”. Menos de um mês depois, ele se libertou de suas amarras, anunciando aumentos no salário mínimo, benefícios de saúde, pensões, subsídios à eletricidade e a reforma da própria constituição do Chile. Existem paralelos claros com o francês Emmanuel Macron, um ex-banqueiro de investimentos que assumiu o poder em 2017 com uma plataforma de disciplina de mercado, e depois cedeu ao peso do movimento Coletes Amarelos e anunciou um pacote de concessões de 17 bilhões de euros. Como devemos entender essas reviravoltas keynesianas de tais governos tipicamente neoliberais em face de protestos em massa e pandemia? Supõe-se que o projeto neoliberal representou o encolhimento da esfera estatal e sua substituição pela lógica fria do mercado. Com efeito, após a crise de 2008, a austeridade rapidamente se restabeleceu. No entanto, muitos afirmaram que o acúmulo mais recente de crises sociais e, agora, a pandemia, vai forçar finalmente os Estados a recuperar o território que haviam cedido ao mercado. Será que o neoliberalismo estaria ameaçado? Por trás dessa questão da morte iminente do neoliberalismo está uma compreensão implícita de Estados e mercados como entidades opostas engajadas em uma luta pelo poder de soma zero. Essa visão lembra o recente debate da globalização travado entre os economistas liberais. Após o colapso do sistema de Bretton Woods na década de 1970 e a rápida globalização das relações econômicas, esses economistas anunciaram um novo ‘mundo sem fronteiras’, no qual o Estado ‘definharia’ sob pressão de fluxos de capital irrestritos. O neoliberalismo foi apresentado como a manifestação política desse fenômeno, pelo qual os ideólogos do livre mercado capturaram as dimensões do poder do Estado com o objetivo de supervisionar a retirada do Estado diante das lógicas de mercado globalizadas. Essa caracterização foi ultrapassada em favor do conceito de “constituição mútua” de Estados e mercados. De acordo com essa abordagem, inspirada em Karl Polanyi, os Estados não intervêm às custas dos mercados, mas os mercados somente existem porque os Estados os reproduzem. Os Estados e mercados são entendidos como constituindo um todo social entrelaçado. Os mecanismos de mercado estão sempre embutidos e sustentados por arranjos específicos de autoridade política, desenho institucional e paradigmas ideológicos. Para essa abordagem, que enfatiza os poderes de criação de mercado por parte dos Estados, a questão de saber se uma intervenção estatal maior sinaliza o fim do neoliberalismo é incoerente. O neoliberalismo nunca implicou o avanço de um mercado autorregulado às custas do Estado – isso era pura mitologia. Em vez disso, ainda segundo essa abordagem, o neoliberalismo denota um padrão particular de relações Estado-mercado, no qual o Estado cria a estrutura para o livre comércio e fiscaliza o funcionamento do mercado. Talvez uma pergunta melhor, então, seja a seguinte: dadas as condições sem precedentes de hoje, que nova constelação político-econômica está surgindo para substituir a neoliberal? De acordo com a tese da constituição mútua, o horizonte de possibilidades é amplo: existem inúmeras combinações potenciais de autoridade estatal e de mercado. Qual combinação prevalecerá é uma questão de política. Em contraste à noção de ‘constituição mútua’, alguns autores propuseram o conceito de alienação de Marx como uma maneira de compreender a dupla face historicamente única do capitalismo, em que a realidade econômica é regulada pelos Estados, mas aparece como uma lógica imposta externamente. Diferentemente das interpretações comuns, a alienação aqui é vista não como uma descrição da sujeição dos trabalhadores à natureza cruel do trabalho capitalista, mas como o domínio objetivo de toda a sociedade pela dinâmica de lucrar ou perecer da competição capitalista. Embora o intercâmbio no mercado seja um processo realizado por indivíduos reais, ele escapa ao controle de agentes sociais cuja sobrevivência econômica agora depende de sua capacidade de produzir de acordo com as normas vigentes de produtividade. São os próprios Estados que dão vida a esse sistema alienado no nível do mercado global. Ao regular suas moedas por meio de sistemas de taxas de câmbio, países individuais permitem uma comparação sistemática dos níveis de produtividade uns dos outros e, ao fazê-lo, dão origem às médias mundiais de produtividade. Uma vez introduzida na rede do comércio internacional, cada economia nacional deve se adaptar constantemente aos padrões do mercado mundial para garantir sua viabilidade. Assim, o poder não

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Melhores Filmes

21/06/2020   Um amigo, um pouco angustiado na quarentena, me perguntou quais são os melhores filmes que eu vi. Não tenho a pretensão de dizer que são os melhores, mas posso dizer quais os filmes que mais me impactaram. Muitos filmes ficaram de fora, mas foi o que lembrei num primeiro impulso de antigo frequentador de cinemateca. Em outro dia, talvez mudasse um ou outro filme. Mas foi o que me ocorreu hoje. Segue uma lista por ordem cronológica . Filmes   A Paixão de Joana d’Arc, 1928. de Carl Dreyer. M, O Vampiro de Dusseldorf, 1931, de Fritz Lang. Tempos Modernos, 1936, de Charles Chaplin. A Grande Ilusão, 1937, e A Regra do Jogo, 1939, de Jean Renoir. No Tempo das Diligências, 1939, de John Ford. Cidadão Kane, 1941, de Orson Welles. Casablanca, 1942, de Michael Curtiz. Rashomon, 1950, Os Sete Samurais, 1954, e Ran, 1985, de Akira Kurosawa. La Dolce Vita, 1960, de Federico Fellini. O Leopardo, 1963, Morte em Veneza, 1971, de Luchino Visconti. Beijos Proibidos, 1968, e O Amor em Fuga, 1979, de François Truffaut. Novecento, 1976, de Bernardo Bertolucci. O Ovo da Serpente, 1977, de Ingmar Bergman. Apocalipse Now, 1979, de Francis F. Coppola. Blade Runner, 1982, de Ridley Scott. O Baile, 1983, e La Famiglia, 1987, de Ettore Scola. Ventos da Liberdade, 2006, e Eu, Daniel Blake, 2016, de Ken Loach. Não satisfeito com essa lista, meu amigo, em atitude sádica, me pediu para escolher um único filme. Sofri um pouco, mas escolhi o filme “M, O Vampiro de Dusseldorf”, de Fritz Lang. Esclareço que não é filme de vampiro, é uma tradução infeliz do filme que na Europa se chamou de M, O Maldito. Trata-se de uma obra prima do expressionismo alemão, incrivelmente atual. Obra de gênio. Depois desse filme, Fritz Lang fugiu da Alemanha e foi se asilar nos EUA. Dizem que sua mulher, simpatizante do nazismo, ficou e mudou a cena final do filme, para despolitizar. Nunca consegui confirmar essa informação. De qualquer maneira, o filme é imperdível.  

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Pandemia e o meio ambiente

19/06/2020   A atual crise da pandemia está ligada aos problemas de mudança climática e perda de biodiversidade que constituem grave ameaça à nossa saúde e ao equilíbrio do planeta. A crise nos convida a reconsiderar nosso relacionamento com a vida, a nos reconciliar com a natureza, que fornece serviços essenciais à nossa sobrevivência.  Embora a proteção ambiental seja uma questão importante para a sobrevivência da humanidade, os governos ainda não tomaram as decisões necessárias para garantir a sustentabilidade socioambiental. Um retorno aos nossos velhos hábitos não é uma opção. A crise criou uma nova e ampla consciência da interdependência dos países e de nossa dependência dos recursos naturais. É imperioso que os governos e o setor privado sejam capazes de medir isso e imaginar soluções. Para evitar o retorno a uma economia devastadora para o meio ambiente, os países devem levar  em conta as resoluções dos órgãos internacionais de proteção ambiental, como a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 2.2. bilhões de pessoas não têm acesso a água potável, 4,2 bilhões não têm um local seguro para ir ao banheiro e 40% da população mundial não possuem instalações básicas de lavagem das mãos com água e sabão disponíveis em casa. Nas favelas, muitos precisam contar com instalações compartilhadas, como banheiros, por exemplo.  Isso torna praticamente impossível o distanciamento social. 43% das clínicas e centros de saúde não têm instalações para lavagem das mãos: não há água limpa nem rede de esgoto. Metade das escolas em todo o mundo carece de instalações para lavagem das mãos com água e sabão, afetando 900 milhões crianças em idade escolar. A recuperação econômica pós pandemia não deve retomar a atividade econômica tal como existia anteriormente, alegando a necessidade de evitar desemprego em massa. Para não naufragar, a economia terá de levar em consideração as demandas da sociedade e as prioridades sociais, além de acelerar a transição energética e ecológica. Os países vão evidentemente adotar políticas diferentes, variando entre medidas democráticas e autoritárias, uns retomando o neoliberalismo, outros se aproximando da socialdemocracia ou do capitalismo de Estado. Mas a realidade da vida econômica e política imposta pelo coronavírus vai exigir mudança na relação entre economia e natureza, foco na questão da saúde pública, na “economia da vida”, consideração da crescente interdependência global e decisões responsáveis para enfrentar a emergência climática. Pesquisadores de todo o mundo alertam para a estreita dependência entre saúde e meio ambiente. O desmatamento, por exemplo, além de provocar desequilíbrio ambiental alterando o regime pluviométrico, reduzindo a oferta de água, estimulando secas e inundações, entre outros impactos, libera vírus existentes na floresta. Esses vírus, com o desmatamento, escapam da floresta e são transmitidos a animais domésticos e, direta ou indiretamente, ao próprio homem. Coronavírus de morcegos, por exemplo, foram descobertos na Mata Atlântica, onde o desmatamento voltou a crescer e aumentou 27,2%, segundo dados divulgados no início de junho deste ano. E na Mata Atlântica residem 72% da população brasileira. Toda doença infecciosa nova está ligada a desequilíbrios ambientais, esclarece Edison Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. E acrescenta: Noventa por cento das doenças emergentes no planeta, como a Covid-19, o Ebola, a Sars, a Mers e a Aids, vêm de animais silvestres que saíram de áreas degradadas. Desmatamento, caça e tráfico de animais silvestres trazem doenças.  Proteger a floresta é uma questão de saúde. (O Globo, 7/6/2020). O Brasil tem 47.897 mortes e 984.315 casos de Covid-19, quase 1 milhão, aponta o levantamento realizado com dados das secretarias estaduais de Saúde, obtidos por um consórcio de veículos de imprensa, e compilados em um boletim fechado às 8h da sexta-feira 19/6. São Paulo e Rio de Janeiro lideram o número de óbitos pela COVID-19. SP é o mais populoso, RJ é o terceiro em número de habitantes. Ambos são atravessados pela Mata Atlântica, hoje dizimada, restam apenas 8,5% da cobertura vegetal original. No Estado de Minas Gerais, segundo mais populoso, a subnotificação é enorme. Aumentou muito o número de óbitos por “insuficiência respiratória” sem menção à morte por coronavirus. Como não há testes, muitos médicos evitam escrever COVID no atestado de óbito. Isso ocorre em todo o país, mas de forma mais acentuada em MG, segundo divulgado na imprensa. Muitos especialistas afirmaram que medidas internacionais visando reduzir a propagação da COVID-19 podem salvar mais vidas devido à redução da poluição do ar e da intensidade das mudanças climáticas do que complicações de saúde causadas pelo vírus. Estima-se que só na China já foi possível salvar mais vidas do que as que foram perdidas pelo vírus até agora. Mudanças no clima já estão causando escassez de comida e água, problemas migratórios e outros desastres naturais, além de aumentar ainda mais o risco de epidemias, sobretudo doenças como malária e dengue. Proteger a natureza e garantir o uso sustentável dos recursos naturais podem ajudar a prevenir a próxima pandemia. A OMS já demonstrou que o meio ambiente é responsável por aproximada- mente um quarto das mortes no mundo. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA calcula que três quartos das doenças novas ou emergentes que infectam os seres humanos, como o ebola, a dengue, o zika ou a febre amarela, se originaram na vida silvestre. A mudança dos ecossistemas pode acentuar as doenças infecciosas pela destruição de florestas tropicais que abrigam inúmeras espécies de animais e também vírus desconhecidos e potencialmente perigosos. Na Amazônia, por exemplo, um aumento no desmatamento ao redor de 4% elevou a incidência da malária em quase 50%, pois os mosquitos transmissores da doença prosperam em áreas recentemente desmatadas. A conexão entre vida silvestre e doenças não é nova. A perda de florestas pelo desmatamento, mineração, estradas, expansão agrícola, rápida urbanização e crescimento demográfico, aproximou a população, às vezes pela primeira vez, de diversas espécies silvestres, provocando o risco de doenças. Por outro lado, as soluções baseadas na natureza e na biodiversidade são importantes para o desenvolvimento de medicamentos para novos tratamentos.

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Duas Observações de Umberto Eco

12/06/2020   Abrindo um parêntese em dois assuntos obrigatórios – a pandemia e a tragédia política brasileira – estou lendo o último livro de Umberto Eco, Pape Satàn Alleppe, Crônicas de Uma Sociedade Líquida. Em dado momento, ele comenta uma pesquisa feita no Reino Unido nos anos 2.000 a respeito de alguns personagens reais e fictícios. 25% dos entrevistados disseram que Churchill, Charles Dickens e Gandhi eram personagens de ficção, e Robin Hood e Sherlock Holmes eram personagens reais. No caso de Sherlock Holmes, é compreensível. Existe uma exploração turística da casa onde ele teria morado em Baker Street, e muita gente ouviu falar de Sherlock Holmes, mas não leu as histórias criadas pelo escritor Conan Doyle. Já Robin Hood ficou famoso pelo fato de, em plena economia feudal, roubar dos ricos para dar aos pobres, o que na época não era tão raro. Segundo Umberto Eco, isso nos surpreende porque se trata exatamente do contrário do que ocorre hoje na economia de mercado que rouba dos pobres para dar aos ricos. Em outro capítulo, ele comenta um programa da TV italiana que fez duas perguntas a 4 jovens, na faixa de 25 a 30 anos. A primeira foi “Quando Hitler foi nomeado chanceler?”, limitando a resposta a 1933, 1948, 1964 e 1979. A segunda foi “Quando Mussolini recebeu o poeta Ezra Pound?”, limitando a escolha aos mesmos anos anteriores. Como Hitler e Mussolini morreram no final da guerra em 1945, a única resposta possível era dizer o ano de 1933, mas ninguém acertou. Todos escolheram os outros anos. Ou seja, o passado é uma geleia geral, tudo achatado, aqueles jovens italianos não tinham a menor ideia do que foi a Segunda Guerra Mundial. Não creio que no Brasil seja diferente. Se perguntarem a jovens de escolaridade média, entre 20 e 30 anos, se Brasília foi inaugurada em 1960, 1964, 1968 ou 1973, provavelmente vão “chutar” e errar. Pior seria se o entrevistador fizesse alguma pegadinha do tipo, por exemplo, “Qual o Presidente da República que aboliu a escravidão: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Campos Sales ou Rodrigues Alves?”. Não vejo muito TV, não sei se existe um programa parecido na TV brasileira. Acho que já existiu. Fiquei curioso de saber como pessoas de nível médio, a maioria da população, responderiam a algumas perguntas sobre fatos históricos conhecidos.

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O governo militar e a chantagem do golpe

11/06/2020   Como diria o saudoso Henfil, “Deu no New York Times”. A edição de 10/6/2020 do jornal The New York Times traz matéria de capa sobre o Brasil sob o título “Ameaça de Golpe Militar Abala Brasil Enquanto Aumentam as Mortes pelo Vírus“. O texto afirma que o Presidente Bolsonaro e seus aliados estão usando a ameaça de intervenção militar para proteger seu poder, e ressalta o número de óbitos entre os mais altos do mundo, investidores em fuga e família do presidente sob investigação, além de sua eleição correr o risco de ser anulada. O Brasil tem um Governo Militar. São mais de 3 mil militares ocupando altos postos no Governo Federal. O caso do Ministro da Saúde é simbólico. Não é médico nem especialista em saúde pública. É um general. Cada vez mais o Brasil se assemelha à Venezuela, com sinal trocado. Lá o governo é militar com fachada civil. Aqui nem isso. Os militares na Venezuela chegaram ao poder com Chaves e lá ficaram administrando os negócios da economia extrativa venezuelana, principalmente o petróleo. Como não quiseram dar o petróleo aos americanos, os EUA desencadearam uma campanha para derrubar o Governo e impuseram um bloqueio econômico que obrigou a Venezuela a buscar apoio na Rússia e China. O Brasil, como a Venezuela, tem um regime autoritário. Estamos cada vez mais longe da democracia e nos aproximando de uma ditadura. Mas os militares brasileiros nunca deram golpe contra governo de direita. Estão aprofundando por dentro o autoritarismo. Em vez de controlar um presidente ignorante e irresponsável, como se chegou a pensar, os militares se “bolsonarizaram” e retomaram o tradicional discurso sobre o inimigo interno. Eles querem o poder para administrar os grandes negócios da economia extrativista (agricultura, minérios, pecuária, madeira etc.), da importação de novas tecnologias, bem como os negócios estratégicos de Defesa, como equipamento militar, projetos nucleares, desde submarino a usinas nucleares, visando à posse futura de bomba atômica, tudo abençoado pela cooperação unilateral e subordinação aos EUA. O projeto da construção de um Estado nacional autônomo e de uma indústria nacional, iniciada por Vargas, foi abandonado após os governos do PT. Mesmo a ditadura militar, com todos seus crimes, tinha um projeto nacional, principalmente com Geisel. Hoje o Brasil se conforma com sua economia agroexportadora e o que vemos é a tentativa de Bolsonaro construir o que já se chamou de “Estado Máfia” em vez de um Estado Nacional, com apoio nas Polícias e nas Milícias. Os militares não parecem dispostos a se intrometer nos perigosos movimentos de Bolsonaro que descontingenciou o orçamento da Defesa – que não pode mais sofrer cortes – protegeu os militares na Reforma da Previdência e aumentou seus salários. Mas o melhor exemplo simbólico do novo modelo que está se desenhando é o ministro Guedes. Naquela famigerada reunião ministerial de 22/4, abrilhantou o espetáculo degradante com duas pérolas. A primeira foi uma brilhante aula prática de capitalismo selvagem: “Nós vamos ganhar dinheiro transferindo recursos públicos para as grandes empresas, e perder dinheiro transferindo para as pequenas empresas”. A segunda, foi sacramentar o enterro do projeto nacional brasileiro ao afirmar “vamos privatizar essa porra do Banco do Brasil”. Ele quer destruir um dos símbolos da nação brasileira, seu banco nacional, que teve um lucro líquido de 3,3 bilhões no primeiro trimestre deste ano. O Brasil está sendo destruído a cada dia. Bolsonaro não governa, nem quer, ele se diz “contra o sistema”, o que significa na prática contra a Administração Pública. Ele já disse que veio para destruir, e não para construir. E para destruir, não é preciso projeto. Ele flerta com a guerra civil, por isso insiste em dar armas para o “povo”, ou seja, para o seu povo, as milícias e seu gado fiel. E Guedes não acredita no Estado, fonte para ele de todo o mal. Quer tirar o dinheiro do Estado e passar para o mercado, que seria a fonte virtuosa de todo o bem. O bem dos grandes empresários, como ele deixou claro. Diante disso, por mais que Bolsonaro queira um golpe para implantar uma ditadura – com ele no poder, é claro – acho mais provável a guerra de desgaste contra a democracia, já em curso. O artigo do general Mourão no Estadão de 3/6 mostra medo de duas coisas: manifestação popular antifascista contra o Governo, que tende a crescer, e a aliança política da direita com a esquerda expressa no Manifesto “Todos Juntos”. Ele teme perder apoios importantes, o que poderia facilitar o Impeachment ou, ainda mais grave, a cassação da chapa no TSE, que hoje parece improvável, mas não impossível. Assim, além do mercado e das igrejas evangélicas, o Governo conta com o apoio da casta dos militares. Além do alegado dever de obediência ao Chefe da Nação pelos princípios de hierarquia e disciplina, os militares receberam vantagens materiais e têm boas razões para apoiar e engolir as barbaridades cometidas pelo Presidente. Isso explica porque o general Mourão mudou sua postura neutra e passou a apoiar ostensivamente o Governo Militar. Com a pandemia, a oposição não pode convocar grandes manifestações de rua. Mesmo assim, as manifestações iniciadas no domingo 7 de junho, que contou com a maioria esmagadora de jovens, mostrou que a rua não será mais da direita. Mas as grandes manifestações de massa que poderão abalar o Governo vão ficar para depois da pandemia. Os militares ocupam cada vez mais espaços políticos no Governo, até mesmo em áreas para as quais não têm nenhuma competência, como se viu no escandaloso caso do general nomeado Ministro da Saúde. Tudo isso certamente é apoiado pelos 25 a 30% do eleitorado de direita que sempre acreditou no “salvacionismo militar” contra o comunismo. Agora não existe mais o fantasma do comunismo, mas a crença no salvacionismo dos militares continuou. Há raízes históricas: desde o Tenentismo, os militares se apresentaram em diversas ocasiões como “salvadores da pátria e da família”. E o braço evangélico do Governo, com seu conservadorismo moral, inventou seu inimigo, o “marxismo

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‘La Cina È Vicina’: a China e a guerra comercial

04/06/2020 Para quem não se lembra, no filme La Cina È Vicina, de Marco Bellocchio, o personagem mais jovem, um estudante maoísta, pichava as paredes na rua com a frase “La Cina É Vicina”, que pode ser traduzida por “A China está próxima”, ou “A China está chegando”. Hoje, a China não é mais maoísta, mas está cada vez mais próxima. Segue abaixo uma rápida radiografia político-econômica da China face a seus conflitos comerciais, principalmente com os EUA.   1)A OMC   A Organização Mundial do Comércio (OMC) não conseguiu conter a desaceleração do comércio global após a crise financeira de 2008. Em abril, a OMC alertou para uma redução de 13% a 32% no comércio global este ano como resultado da COVID-19, e a perspectiva de recuperação em 2021 está cada vez mais distante. A renúncia antecipada do diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, revela o desconforto no topo de uma instituição sem liderança, à medida que as disputas comerciais entre os membros se multiplicam. A OMC foi vista como um cavalo de Troia, permitindo que a China, como país em desenvolvimento, desfrutasse de um acesso privilegiado aos mercados dos EUA/UE. A constatação de uma forte dependência da China de suprimentos médicos/sanitários desencadeou movimentos protecionistas em cerca de 80 países. 2) Os EUA Enfrentando o maior número de mortos pela COVID-19 e grandes perdas de empregos enquanto concorre à reeleição, Donald Trump alertou que poderia interromper todo relacionamento com a China e deixar a OMS, o que realmente acabou fazendo. Essa nova deterioração do relacionamento é uma tentativa dos EUA de reequilibrarem o fosso em expansão entre o maior importador e exportador e a superpotência histórica e seu agressivo desafiador. A guerra comercial travada desde 2018 tem como alvo específico a indústria eletrônica chinesa, responsável por US$ 187 bilhões do déficit de US$ 419 bilhões, como uma sanção por ações contra os interesses de segurança nacional dos EUA. A Huawei foi diretamente alvo de restrições nos principais suprimentos, usando equipamentos, ou design dos EUA, o que coloca sua sobrevivência em risco, devido à forte integração da cadeia de suprimentos.   3) A China e o Sul/Sudeste da Ásia Desde 2017, a China passou de um destino para se tornar uma fonte de investimento estrangeiro direto (IED). O IED no sudeste e no sul da Ásia superou o da China desde 2007 e 2016, respectivamente, sendo que Singapura e Índia foram os locais favoritos para investimentos em alta tecnologia. A Índia está-se posicionando para retomar uma parte da indústria farmacêutica e química da China. O Vietnã já está emergindo como uma importante base de produção, com a Samsung respondendo por 28% do PIB. É provável que haja uma regionalização do comércio, pois a China está importando mais de seus vizinhos e a maioria das economias asiáticas agora se ampara em serviços, com o crescimento mais baseado no consumo de grandes populações do que no comércio. Uma realocação em larga escala de indústrias nos países desenvolvidos também é improvável diante do investimento necessário e de uma estrutura de custos mais alta, mesmo com a robotização. 4) A China: Economia e Política Sob pressão, a China está revelando uma diplomacia agressiva e capitalizando para garantir novas rotas comerciais. A reação da China ao crescente questionamento sobre seu papel na disseminação da COVID está revelando uma postura agressiva. O pedido da Austrália para uma investigação da OMS desencadeou uma série de medidas de retaliação por parte de Pequim, como a proibição de exportação de carne de quatro fábricas de processamento de carne, e 80,5%, nas exportações de cevada, um forte golpe para a agricultura de exportação do país. Essa medida contrasta com os pedidos de preservação da cadeia de suprimentos global. Cerca de US$ 461 bilhões em empréstimos foram concedidos desde 2013, principalmente para países de alto risco, agora reivindicando alívio da dívida. A China está contando com essa nova dependência para estabelecer novas rotas comerciais. As províncias ocidentais da China têm sido, até agora, o “pai pobre” do sucesso econômico chinês e devem se beneficiar dessa nova perspectiva ocidental para desenvolver e consolidar ainda mais o mercado doméstico. Do ponto de vista das decisões de Estado, ressalte-se a reunião anual do Congresso Nacional do Povo, realizada em 22 de maio último, com a pauta dedicada a medidas econômicas pós-COVID. Este evento é a oportunidade para Pequim apresentar sua agenda econômica para os próximos anos na frente dos delegados. Aqui estão as principais informações: Xi Jinping disse que a economia da China se mostrará resiliente a longo prazo. As autoridades chinesas estão trabalhando no próximo plano econômico de cinco anos, que estabelecerá as principais metas econômicas, sociais e políticas para o período 2021-2025. Se a versão final do plano não for publicada até março de 2021, as primeiras linhas de pensamento colocam, no centro do plano, a independência em relação aos EUA e o reforço do lugar central da China na cadeia de suprimentos global. Xi Jinping defendeu a ideia de que o país poderia impulsionar o crescimento econômico baseado no consumo interno, já que a China agora tem uma classe média de entre 500 milhões e 700 milhões de pessoas. Ele disse ainda que a China deveria usar um “novo padrão de desenvolvimento”, que consiste em um círculo econômico doméstico e um círculo econômico internacional, em vez de depender apenas de mercados estrangeiros. A China também investirá em tecnologia inovadora nos próximos cinco anos, já que as restrições às exportações de alta tecnologia têm um enorme impacto na economia do país. Com a proibição da Huawei, Pequim promete implementar medidas para reduzir sua dependência de tecnologias importadas. 5) Pacote Econômico O governo anunciou um pacote de estímulo fiscal de US$ 500 bilhões (3,6 trilhões de iuanes) para reiniciar a economia após a crise do coronavírus. Em consequência, o déficit orçamentário aumentará para 3,6% do PIB. O pacote será enviado entre um orçamento extra para relançar a economia (1 trilhão de iuanes), títulos do Tesouro especiais (1 trilhão de iuanes) e um impulso financeiro

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Escolha o Seu Ministro Predileto

A reunião ministerial de 22 de abril último estarreceu o Brasil e o mundo O DIA – 29/05/2020    Mussolini diz que só um povo armado é forte e livre (Correio da Manhã, 12/8/1937) A reunião ministerial de 22 de abril último estarreceu o Brasil e o mundo. Um festival de bobagens, ofensas e ilegalidades, uma reunião sem pauta e sem direção regada a palavrões, tudo em nome da pátria, da família e dos bons costumes. Em plena pandemia, foi triste e revoltante. Fazemos aqui uma pergunta ao leitor: quem é o seu ministro predileto? Vejam abaixo as seguintes opções. 1) Todos, porque ninguém discutiu o que fazer com a crise da pandemia que continua se agravando. Essa opção é fácil demais. Favor escolher uma das opções a seguir. 2) O Ministro Contra o Meio Ambiente, fortíssimo candidato ao Prêmio Ignóbil. Disse abertamente que é preciso aproveitar agora, com a imprensa preocupada com a pandemia, para “passar a boiada” e eliminar os regulamentos de defesa ambiental. Terra arrasada, é a raposa no galinheiro. 3) O Ministro Contra a Educação, famoso pelo fundamentalismo e pela ignorância vernacular. Quer mandar prender os “vagabundos” do STF. Odeia os povos indígenas. Odeia a diferença, tudo o que difere dele próprio. 4) A Ministra Contra os Direitos Humanos, porta-bandeira do obscurantismo. Quer mandar prender os Governadores e Prefeitos. Numa Ditadura, seria a Juíza que decidiria jogar as “bruxas” feministas na fogueira e, se não for possível, na cadeia. 5) O Ministro Contra a Economia, um Robin Hood às avessas, transfere renda dos pobres para os ricos. Quer mandar recursos públicos para as grandes empresas porque apoiar as pequenas empresas seria perder dinheiro. Sobre o Banco do Brasil, quer vender essa “porra” logo. 6) O Ministro Contra a Justiça, que ficou calado ouvindo barbaridades. Quando abriu a boca, não disse nada. Defensor dos crimes da famiglia dos Bolsonaros, percebeu que ele era a bola da vez. 7) O Ministro Contra a Saúde, que desconsiderou a gravidade da questão da saúde pública. Parecia um zumbi, abestalhado. 8) Os Generais que avalizaram as ilegalidades da reunião com sua presença. O general Mourão, com sorriso irônico, fazia cara de paisagem. O general Braga Neto parecia um burocrata submisso e dócil, incapaz de organizar uma pauta para a reunião que parecia discussão de botequim. Outro candidato a Ministro predileto é o general Augusto Heleno, destaque da semana pela sua ameaça de golpe. Além dos ministros, temos ainda as seguintes opções: 9) O Presidente Sociopata, pelo conjunto da obra e pelos crimes cometidos em sua fala. Quer armar a milícia, chamada eufemisticamente de povo, controlar a Polícia Federal para evitar investigação dos crimes da famiglia e amigos, principalmente do filho 01 (caso Queiroz) e do 02 (assassinato da vereadora Marielle e o controle dos robôs de fake news). Confessou um sistema paralelo ilegal de informação, chamou os governadores de São Paulo e do Rio de bosta e estrume, e mostrou preocupação em defender sua hemorroida dos “inimigos”. 10) Os eleitores de Bolsonaro, principalmente sua base irracional de apoio, com exclusão daqueles, mais letrados, que hoje criticam, mas escondem que votaram em Bolsonaro ou votaram nulo, contribuindo direta ou indiretamente para a barbárie. A hora é de união de todos os democratas contra a guerra civil e a ditadura estimuladas por Bolsonaro.

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A Chapa Está Esquentando

28/05/2020   Finalmente, os partidos de oposição se uniram, pelo menos no Congresso. O protagonismo da luta antifascista se deslocou temporariamente para o STF. Deixando de lado o aspecto jurídico, a ofensiva do Alexandre de Moraes atacou uma parte da base de apoio do Bolsonaro que já começou a reagir. A democracia, ou o que resta dela, corre perigo, mas os outros Ministros do Supremo têm jogado na defensiva. A hora é de união antifascista, de uma frente que vai além da esquerda que, sozinha, não tem força para derrubar Bolsonaro. Temos duas opções principais. 1) Ou nos recusamos a fazer aliança com segmentos da direita e da “velha oligarquia” para derrubar Bolsonaro e nos conformamos com a destruição do Brasil até 2022 – com o risco de não haver eleição alguma, ou 2) Engolimos sapo e avançamos juntos com setores da direita, com aqueles que apoiaram Bolsonaro em 2018 e hoje criticam e até escondem em quem votaram. Ficar na defensiva não é boa estratégia, perderemos o jogo. Bolsonaro faz guerra de movimento e tem avançado, enquanto a oposição, até há pouco, fazia guerra de posição. Sem manifestação popular na rua, a ofensiva institucional adquire importância ainda maior. O resultado é incerto, mas não dá para ficar fazendo discurso do tipo Carmen Lucia enquanto o governo militar vai destroçando o que resta do Estado de Direito.

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Influenciadores e Comunicadores da Internet

21/05/2020   O que vou dizer é polêmico. Eu reconheço a importância, em termos quantitativos, desses jovens que são muito fortes em internet e comunicação e muito fracos em conteúdo. Eles falam para dezenas ou centenas de milhares de seguidores, alguns para milhões. Do ponto de vista qualitativo, porém, o que dizem é muitas vezes lamentável. São jovens que não leem, não estudam, dizem o que lhes vem à cabeça por impulso, e o que lhes vem à cabeça foi transmitido, por meio de outras mídias eletrônicas, por pessoas que leram e em geral defendem interesses das classes dominantes. Uns poucos mais inteligentes e honestos, como Felipe Neto, perceberam que eram instrumentalizados e mudaram de posição. Mas a maioria segue dizendo besteira. Isso me faz lembrar o conceito de “modernidade líquida”, de Zigmunt Bauman, herdeiro da noção “passe-partout ” de pós modernidade. As pessoas não encontram mais pontos de apoio, pontos de referência, bases sólidas para uma ideologia qualquer, e tudo se torna “líquido”, a opinião prevalece sobre o conhecimento fundado em pesquisa científica. A realidade não importa mais, o que vale é a opinião baseada em interesses e preconceitos. Na linguagem de Platão, é a “doxa” em vez da “episteme”. Daí vem, segundo Umberto Eco, a crise do Estado, das ideologias, dos Partidos, do conceito de comunidade, e a emergência de um individualismo desenfreado, de um consumismo automatizado. Em novembro passado, um jovem advogado me disse que email e facebook são “coisas de velho”. Ele só usa Instagram e só lê textos curtos. No caso, é formado em Direito. Mas a grande maioria dos usuários da internet não lê livros e se informa apenas por whatsapp. Quando eu era Professor da PUC (de 94 a 2004), 90% dos alunos não liam jornal. Ano passado, me disse um Professor da Comunicação que os alunos não leem nem jornal digital, apenas leem o que recebem por whatsapp e se tornam vítimas fáceis das fake news. Sei que há jovens inteligentes e brilhantes que formarão a elite intelectual e governante do país. Mas a decadência da Educação não me leva a ser otimista. A maioria dos brasileiros está emburrecendo.

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Bolsonaro e o ”fascismo eterno”

A liberdade e a libertação são tarefas sem fim (Umberto Eco) 18/05/2020 Na data de 19/11/2009, Carta Maior publicou o admirável ensaio de Umberto Eco sobre o fascismo intitulado O Fascismo Eterno, que se tornou posteriormente um livro publicado em 2018 pela Editora Record. O ensaio foi publicado originalmente em inglês sob o título de “Ur-Fascism” na edição de 22/6/1995 da revista “The New York Review of Books” a partir de uma conferência na Universidade de Columbia em 24/4/1995. O ex-deputado Jair Bolsonaro, que atualmente ocupa o Palácio do Planalto como presidente, foi inúmeras vezes acusado de fascista. Entre os historiadores e cientistas políticos, não faltou quem protestasse contra esse uso abusivo da palavra fascismo, que só encontraria sentido na Europa, no período histórico de 1930 a 1945, antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Como as características e atitudes do atual presidente são próximas ao fascismo, ressalvadas as diferenças históricas, julgamos útil recorrer ao texto clássico de Umberto Eco sobre o fascismo. O escritor italiano aponta 14 características como típicas do que chamou de “Fascismo Eterno” ou “Ur-Fascismo”. Passamos a resumi-las com o objetivo de comparar com o fascismo tropical do atual presidente, recomendando, entretanto, a leitura integral do magnífico texto de Umberto Eco. 1. A primeira característica de um Fascismo Eterno é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico. Em consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. Fascismo e fundamentalismo sempre vêm juntos. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. 2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. O iluminismo, a idade da Razão, era considerado o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”. Daí a rejeição a direitos iguais, mudanças climáticas, luta pelo reconhecimento de identidades oprimidas etc, vistas como “coisa de comunistas”. 3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada sem nenhuma reflexão. “Pensar é uma forma de castração”. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. As universidades são um ninho de “comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais. 4. Nenhuma fé sincrética pode suportar críticas analíticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Fascismo, o desacordo é traição. 5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista é contra os intrusos. O Fascismo é, portanto, racista e xenofóbico por definição. 6. O Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. 7. Para os que se veem privados de qualquer identidade social, o Fascismo exalta o país onde nasceram. Esta é a origem do nacionalismo vulgar. Os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Na falta deste, inventa-se um inimigo interno. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é o apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus e os comunistas são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. 8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Os inimigos são ora fortes demais, ora fracos demais, conforme a necessidade da retórica. O fascista é incapaz de analisar a correlação de forças e avaliar a real força do “inimigo”. 9. Para o Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Então, haveria paz, o que gera uma contradição, porque isso contraria o princípio da guerra permanente do fascismo eterno. 10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. Todos os elitismos aristocráticos e militaristas mostraram desprezo pelos fracos. O líder, cujo poder em geral não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força se baseia na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. 11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia do Fascismo Eterno o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era “Viva la muerte!” O herói do Fascismo Eterno espera impacientemente pela morte. E sua impaciência consegue em geral levar os outros à morte. 12. Como a guerra permanente e o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o “Ur-Fascista” transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico. 13. O Fascismo baseia-se em um

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O mundo pós-pandemia: o retorno das utopias

We are the stuff dreams are made of (Shakespeare, A Tempestade) 12/05/2020 A crise atual provocada pela pandemia nos coloca a questão sobre o mundo que virá quando a COVID-19 for controlada. Certamente haverá opções e situações diferenciadas conforme o lugar, desde Estados autoritários impondo a tradicional visão econômica neoliberal até socialdemocracias ou mesmo capitalismo de Estado priorizando as demandas sociais em vez do lucro privado. Em visão mais otimista, alguns acham que os Governos vão extrair lições da crise e promover reconversão industrial para produzir bens essenciais à saúde pública, alterando a decisão dos investimentos privados de buscarem exclusivamente a rentabilidade. A economia escaparia da bitola de uma visão puramente quantitativa do crescimento e progresso, medido exclusivamente pelo desmoralizado índice do PIB. Apesar do importante peso da inteligência científica e sociocultural acumulada nas últimas décadas, a humanidade parecia impotente diante dos mercados financeiros, da crise climática e da crescente desigualdade social. A pandemia atual vem abalar os pilares da economia dirigida à acumulação do capital em detrimento do bem estar social, abrindo janelas de oportunidades que poderão favorecer os interesses da maioria da população, antes desprezados. Em recente artigo (Carta Maior, 3/5/2020), o teólogo Leonardo Boff afirma que voltar à “normalidade” anterior (business as usual) é prolongar uma situação que poderá significar a nossa própria autodestruição, é esquecer que a conformação atual está abalando os fundamentos ecológicos que sustentam toda a vida no planeta. Afirma ainda que “precisamos de um contrato social mundial, pois somos ainda reféns do ultrapassado soberanismo de cada país. Problemas globais exigem uma solução global, concertada entre todos os países”. Em outras palavras, esclarece que “o tempo da competição passou. Agora é o tempo da cooperação”. Mais adiante, admite que não sabemos qual tendência predominará. Mas manifesta a esperança de que, “enfim, passaremos de uma sociedade industrialista/consumista para uma sociedade de sustentação de toda a vida com um consumo sóbrio e solidário; de um cultura de acumulação de bens materiais para uma cultura humanístico-espiritual na qual os bens intangíveis como a solidariedade, justiça social, cooperação, laços afetivos e não em último lugar a amorosidade e a logique du coeur estarão em seus fundamentos”. Já outros, em visão realista mais amarga, não acreditam em mudança e afirmam que a mudança, se houver, será para pior. Na realidade, ninguém pode ainda prever como será o futuro. Tudo vai depender da ação política. Mas é alto o risco de que, pós-Covid19, as desigualdades e os problemas ambientais possam se agravar. Segundo matéria publicada no jornal Le Monde em 2/5/2020, sob o título Le monde d’après, selon Wall Street, o mundo de amanhã será o de ontem mais cartelizado, mais globalizado, mais tecnológico e mais virtual. Já se vê, desde já, que muitos bilionários estão ganhando com a pandemia. Por essa visão, a recessão econômica pós COVID-19 deverá acentuar as desigualdades e a concentração do poder econômico nos oligopólios. A receita das empresas diminui, o desemprego aumenta, o comércio e o investimento ficam paralisados. A prioridade dos bancos centrais não é ajudar a população, mas apoiar os mercados financeiros. Veremos provavelmente na pós pandemia uma desconexão total entre a esfera financeira e a vida da maioria da população. O mercado de ações já está antecipando o fenômeno na alta tecnologia. Cinco empresas (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) viram seus preços das ações subirem mais de 20% desde a baixa de 23 de março (Le Monde, 4/5/2020). A tendência é o fortalecimento dos mais fortes, enquanto as Pequenas e Médias Empresas correm o risco de desaparecer. Provavelmente, vai aumentar, de um lado, a concentração de capital nas empresas e, de outro, a desigualdade. A base da pirâmide social vai alargar e a pobreza vai se intensificar. No período pós COVID, veremos uma disputa entre políticas neoliberais, keynesianas e o capitalismo de Estado, algumas vezes no contexto autoritário do neofascismo. Mas as normas neoliberais – baseadas na defesa do mercado livre, sem regulação, na lógica da “mão invisível do mercado” que alocaria os recursos sempre da melhor forma – exercerão enorme pressão para retomar o espaço eventualmente perdido durante a pandemia. Em muitos lugares, voltaremos a ver a produção predatória do meio ambiente, o aumento da pobreza e o incentivo ao desperdício. Os especialistas em saúde pública e os cientistas sociais vêm alertando há anos sobre a possibilidade de um surto viral de amplitude global e de grande letalidade, como a pandemia de 1918. Assim como os ambientalistas e os cientistas do clima foram desprezados, esses alertas de saúde pública foram solenemente ignorados pelos países e seus governantes. Como já se disse, o coronavírus e as mudanças climáticas têm a mesma origem. Um dos maiores desafios após a crise da pandemia é o destino da democracia, que já vinha se enfraquecendo visivelmente na última década em muitos países. Uma importante contribuição para esse debate foi o texto do antropólogo e professor Arjun Appadurai que, inspirado no filósofo espanhol Ortega y Gasset, afirmou que a revolta das novas elites é contra a democracia, mas com uma inversão: ela é feita em nome do povo. Em outras palavras, a ideia moderna de povo foi completamente apartada das ideias de demos e democracia (LEIC, 25/4/2020). Segundo ele, as novas elites estão se revoltando contra todas as outras elites que desprezam, odeiam e temem: elites liberais, elites midiáticas, elites seculares, elites cosmopolitas, elites econômicas mais antigas, intelectuais, artistas e acadêmicos. Essa revolta é contra todos aqueles que, segundo elas, conquistaram poder ilegitimamente: negros nos EUA, muçulmanos e secularistas na Índia, pessoas de esquerda e LGBT no Brasil, dissidentes, jornalistas e ativistas de ONGs na Rússia, minorias religiosas, culturais e econômicas na Turquia, imigrantes, trabalhadores e sindicalistas no Reino Unido. Essas novas elites odeiam a liberdade, igualdade e fraternidade, exceto para elas mesmos. Detestam freios e contrapesos, que consideram restrições ilegítimas à sua liberdade de agir sem restrições. Também não acreditam na separação dos poderes, exceto quando seus amigos controlam o legislativo e o judiciário. Com base na visão de Ortega y Gasset, Appadurai afirma que estamos no início de uma época

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Ruy Fausto, in memoriam

02/05/2020   Morreu em Paris, de infarto, tocando piano. Fiquei muito triste, gostava dele. Foi meu professor na Universidade de Paris VIII, onde concluí meu curso de Ciências Sociais. Faltava um ano para concluir na UFF, mas veio o AI-5 em dezembro de 1968, invadiram minha casa e tive de entrar na clandestinidade em janeiro de 1969. Fui aluno do Ruy Fausto num curso sobre O Capital, volume I, nos idos de 1975 ou 1976. Em Paris, nos encontramos algumas vezes em Seminários e atos políticos. Depois da Anistia, voltei ao Brasil em fins de 1979. Diversas vezes, encontrei o Ruy Fausto no Brasil em debates e conversas. Profundidade intelectual e espírito crítico agudo com sólida formação filosófica. Contribuiu para a teoria marxista com seu livro Marx: Lógica e Política. E com instigante análise política no livro A Esquerda Difícil e, em 2017, Caminhos da Esquerda: Elementos Para Uma Reconstrução. Foi crítico do autoritarismo de esquerda que via em Cuba e Venezuela e abandonou o PT denunciando os escândalos da corrupção e a captura da esfera pública por interesses particulares. A meu pedido, escreveu um dos Prefácios à primeira edição do meu livro A Busca – Memórias da Resistência. A outra Apresentação foi escrita pelo cientista político Wanderley Guilherme, que também já nos deixou. Meus pêsames a Beth e à toda a família, em especial ao Carlos Fausto, meu vizinho e amigo durante anos na rua General Glicério, em Laranjeiras.  

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