A CRISE DO CLIMA: UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA?
OS DESAFIOS DA COP-21
O 5º Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), divulgado ano passado, alerta que o aquecimento do clima vem ocorrendo a ritmo mais rápido do que o previsto. As Nações Unidas colocaram a meta de um aumento de temperatura limitado a 2º C até o final do século XXI, mas este objetivo corre o risco de ser atingido em 2030!
O cenário mais pessimista – elevação média da temperatura da ordem de 4,8º C até o fim deste século – torna-se cada vez mais provável se medidas enérgicas não forem rapidamente tomadas. O aumento médio de 26 a 98 cm do nível do mar (a estimativa anterior era de 18 a 59 cm) provocará migrações em massa de populações em geral pobres, e eventos climáticos extremos (calor intenso, secas, inundações etc) devem se multiplicar.
Além disso, ficará comprometida a segurança alimentar de populações inteiras pela redução dos rendimentos agrícolas em função da degradação do meio ambiente. Uma onda de extinção de espécies poderá se produzir: não seria a primeira em escala global, mas, por sua rapidez e origem humana, seria uma extinção sem precedentes.
Segundo o Relatório do IPCC de março de 2014, durante o século XXI os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.
O último relatório do IPCC alerta o mundo para a urgência de medidas destinadas a combater o aquecimento global. Com efeito, a temperatura média na superfície do planeta subiu 0,85º entre 1880 e 2012. Na dos oceanos, aumentou 0,11º por década entre 1971 e 2010. O nível médio dos oceanos aumentou de 19 cm entre 1901 e 2010. Na região do Ártico, que se aquece mais rapidamente do que a média do planeta, a superfície dos campos de gelo diminuiu de 3,5 a 4,1% por década entre 1979 e 2012.
A concentração de gases que produzem efeito-estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem adotadas no futuro tratado sobre o clima, a ser discutido em Paris em dezembro de 2015.
Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2º, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência Rio-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4º!
Mas o IPCC adverte que existem soluções. Tais soluções exigiriam mudanças no modelo econômico que poderiam ser efetuadas sem comprometer o crescimento. Para isso, isto é, para não ultrapassar os 2º C, as emissões mundiais de gases-estufa (CO2 e metano, principalmente) devem ser reduzidas de 40 a 70% entre 2010 e 2050, e desaparecer totalmente até 2100. Esse esforço foi quantificado, e custaria menos de um ponto no crescimento mundial anual, estimado entre 1,6 e 3% no curso do século XXI.
Trata-se de fazer uma substituição de investimentos: os efetuados na energia fóssil (petróleo e carvão) devem baixar 30 bilhões de dólares durante 20 anos, e os aplicados na energia solar e eólica devem ser consideravelmente desenvolvidos. Para o IPCC, desenvolvimento econômico e descarbonização são compatíveis.
Mudar o modelo econômico significa uma série de medidas e compromissos públicos e privados, conversões industriais, compensações financeiras e medidas coercitivas de renúncia aos recursos disponíveis e rentáveis a curto prazo. A Europa, por ex., se comprometeu a reduzir ao menos 40% de suas emissões até 2030, a aumentar sua eficiência energética e a parte das energias renováveis em torno de 27% em relação a 1990.
É claro que os países têm pesos diferentes e, nas negociações internacionais, existem três grandes princípios que se consolidaram:
- Responsabilidade comum, mas diferenciada: a responsabilidade é comum a todos, mas os países desenvolvidos historicamente poluíram mais e, por isso, sua responsabilidade é maior;
- Limitar a elevação de temperatura a uma faixa entre 1,5º e 2º,
- Financiamento aos países em vias de desenvolvimento para ações de redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas.
Entre os principais atores da Conferência de Paris no final deste ano, encontram-se a China, cujas emissões aumentaram 4,2% em 2013 ( menos que os anos anteriores pela redução no crescimento econômico), os EUA, cujas emissões aumentaram 2,9% pelo aumento de seu consumo de carvão, a Índia que viu suas emissões aumentarem de 5,1% face ao crescimento e uso intensivo de carvão, a União Européia, cujas emissões diminuíram 1,8% graças à crise econômica, o Canadá, que se comprometeu na Conferência de Copenhague a reduzir 17% de suas emissões em 2020 em relação a 2005 (e está longe disso), e o Japão, às voltas com a crise pós-Fukushima.
O Brasil chegou a ter certo destaque quando o ex-presidente Lula foi ovacionado na Conferência de Copenhague em 2009 ao admitir metas nacionais de redução de emissões de gases-estufa – contrariando a posição da delegação brasileira chefiada pela então Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Desde então, o Brasil desapareceu do cenário internacional.
O acordo bilateral de alto nível entre a China e os EUA em 11 de novembro de 2014 é uma boa notícia que mostra que esses dois países – responsáveis por cerca de 45% das emissões globais – negociam diretamente. É um passo importante do ponto de vista diplomático, mas, na prática, as emissões chinesas vão continuar a aumentar nos próximos 15 anos, ameaçando seriamente o objetivo de 2º C.
Já os EUA se comprometeram a uma redução de suas emissões de 26 a 28% até 2025, em relação a 2005, ou seja, cerca de duas vezes mais do que o compromisso anterior para o período 2005-2020. Em janeiro de 2010, os EUA falaram de uma redução de 17% em relação ao nível de 2005, mas esse compromisso dependia de uma aprovação do Congresso. Os Senadores já condenaram o novo compromisso, e os EUA mal conseguem cumprir o precedente.
Por outro lado, ressalte-se que esses dois maiores países poluidores – China e EUA – são os países que mais investem em energia renovável. A China sozinha investe mais em solar e eólica do que todo o resto do mundo.
Um dos grandes obstáculos a serem enfrentados na Conferência de Paris em dezembro próximo será a criação de instrumentos econômicos reguladores. O Fundo Verde, criado em Copenhague em 2009 devia originalmente contar com 100 bilhões de dólares e até hoje não passou de um terço da capitalização inicial de 15 bilhões exigidos pelos países em vias de desenvolvimento.
A crise econômica mundial se choca com a crise ecológica. Não existe um instrumento regulador para possibilitar a mudança do modelo econômico. Eis porque a imposição de um preço do carbono é uma proposta apoiada por muitos, ainda mais com a queda no preço do petróleo. Sem esse instrumento e a consequente reorientação massiva de investimentos energéticos, a Conferência de Paris fracassará e terminará – como a Conferência de Lima em dezembro passado – fazendo um apelo para que uma decisão efetiva seja tomada numa próxima conferência.
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta.
Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something New Under the Sun, McNeill, 2002). Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
O presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Rajendra Pachauri, afirmou em julho de 2008 que “para conter a alta de temperatura aquém de 2º C-2,4º C, que é a linha que não deve ser ultrapassada para evitar o perigo grave, só nos restam sete anos para inverter a curva mundial de emissões de gases que produzem efeito estufa” (Le Monde, 8/07/2008). Ou seja, até 2015.
As mudanças climáticas em curso tornaram-se uma causa autônoma de guerras, e não apenas um efeito multiplicador. A dificuldade de acesso aos recursos necessários à sobrevivência, principalmente alimentos e água potável, ou mesmo a subida do nível do mar, tornam-se fatores de violência armada e conflitos territoriais de fronteira.
Em 17/04/2007, uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU qualificou a mudança climática como questão de segurança. Um ano antes, o secretário britânico de Defesa, John Reid, declarou que as forças armadas deviam se preparar para intervir em guerras de origem climática.
A tese de guerras climáticas é objeto de controvérsias. No caso de Ruanda, por exemplo, os fatores ambientais como acesso a terras férteis e aráveis, acesso a água potável, risco de catástrofes naturais ou desmatamento não são os únicos fatores que explicariam a guerra. Tais fatores se articulam com componentes econômicos, políticos e sociais. De qualquer forma, seja complementar ou desencadeador, os fatores ambientais estão na origem do surgimento de refugiados climáticos nas zonas já afetadas pelos conflitos armados, cujo número se elevaria a 200 milhões em 2050, segundo previsões do Relatório Stern.
Os interesses econômicos contrariados e a sombra da ignorância se refletem ainda numa pequena minoria de “cientistas” e políticos presos a dogmas do passado ou financiados pela indústria petrolífera.
Entre os hoje poucos cientistas que negam o risco dos gases de efeito estufa para a humanidade, destaca-se o cientista Wei-Hock Soon, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica. Ele apareceu em vários programas de TV, prestou depoimento ao Congresso, escreveu artigos científicos e fez conferências negando o risco do aquecimento global que seria causado não por ações humanas, mas por variações na energia do sol.
Segundo matéria publicada no jornal New York Times de 21/02/2015, documentos obtidos pelo Greenpeace e pelo Centro de Pesquisa do Clima, nos termos da Lei de Liberdade de Informação norteamericana, comprovam que o cientista Wei-Hock Soon foi financiado pela indústria do petróleo durante longos anos: na última década, recebeu 1.2 milhão de dólares em dinheiro sem revelar a origem desse financiamento.
Foi um duro golpe nos “negacionistas”. Eles estão sendo esmagados pela realidade que mostra que a sobrevivência da humanidade no planeta está ameaçada se não houver profundas mudanças no atual modelo de civilização, o que implica mudar o modelo insustentável de produção e consumo e o próprio modo de vida da população.
Liszt Vieira – Doutor em Sociologia – Professor da PUC-Rio