Guerra de informação: Considerações sobre a realidade X fake news
Notícia falsa não é uma invenção do nosso tempo. A novidade é que hoje todas as notícias se expandem e se tornam instantâneas, as verdadeiras e as falsas. O maior best seller do mundo, a Bíblia, está cheia de fake news. Por Liszt Vieira Uma Rápida Introdução A busca da verdade foi o fundamento do pensamento científico difundido no mundo principalmente a partir do Renascimento e do Iluminismo. Mas a História mostra antecedentes notáveis na Grécia Antiga e no Oriente. Filósofos e historiadores gregos passaram à História como pensadores buscando explicar o mundo. Dos pré-socráticos, como Heráclito, passando por Sócrates e Platão, e principalmente Aristóteles, estavam todos empenhados em compreender e explicar a physis, a natureza, embora nem sempre a partir da realidade. Platão já opunha a opinião – doxa – ao verdadeiro conhecimento – episteme, que ele não extraía dos dados do mundo sensível, visto como simulacro, mas o visualizava no plano inteligível. Na História, Heródoto, Tucídides e Xenofonte narraram os fatos tal como ocorreram. Até a Idade Média, quando a maioria da Europa estava mergulhada em preconceitos e dogmas religiosos, pensadores árabes deram notável contribuição à ciência, como a matemática, com destaque para a álgebra, trigonometria, números arábicos etc. A China já havia inventado o papel e a pólvora. E, em Alexandria, Hipatia, filósofa neoplatônica no Egito romano, foi a primeira mulher matemática da História. Talvez por isso mesmo, foi sequestrada, torturada e assassinada por uma horda de cristãos enfurecidos a mando do bispo. Na Europa, o Renascimento nos séculos XV e XVI forneceu o caldo de cultura para a derrubada dos dogmas do passado, como o geocentrismo, por influência de Kepler, Copérnico, Galileu e outros. Na filosofia, Descartes, já no século XVII, parte do sujeito, de uma visão antropocêntrica e não mais teocêntrica para construir seu Cogito: Penso, Logo Existo. O Iluminismo no século XVIII e XIX derrubou o pensamento mágico e promoveu o que o sociólogo alemão Max Weber chamou de “desencantamento do mundo” que passaria a ser explicado pela ciência investigando os fatos da realidade, e não mais pela religião. O filósofo britânico Bertrand Russell, em sua “Mensagem Para o Futuro”, de 1959, nos aconselhou, no estudo de qualquer assunto, a “buscar os fatos e o que os fatos revelam”. Nos últimos anos, porém, o questionamento residual da lógica científica começou a ser reforçado por superstições, dogmas e mentiras divulgadas em grande escala, para o conjunto da sociedade, principalmente pelos meios de comunicação eletrônica. Fake News na Religião e na História Notícia falsa não é uma invenção do nosso tempo. A novidade é que hoje todas as notícias se expandem e se tornam instantâneas, as verdadeiras e as falsas. O maior best seller do mundo, a Bíblia, está cheia de fake news. Desde as crenças judaicas no Livro da Gênesis até os milagres cristãos do Novo Testamento, a Bíblia é um conjunto de lendas que, ao longo da História, tornaram-se dogmas religiosos. Mas isso foi um processo que levou séculos. Os evangelistas talvez tenham sido um dos mais férteis criadores de fake news. Vejam os exemplos abaixo: Como havia uma profecia de que o Messias nasceria em Belém, terra do rei Davi, o evangelista Lucas escreveu que Jesus, nascido na Galileia e chamado de Galileu toda sua vida, tinha nascido em Belém. Inventou que os romanos queriam cobrar impostos dos judeus nas suas cidades de origem, o que não tem o menor sentido, pois seus bens encontravam-se na cidade de moradia e não numa remota cidade de nascimento. Romanceou o nascimento de Jesus numa gruta, com visita de reis magos. Jesus era filho de Deus. Maria era virgem e o dogma de sua virgindade foi proclamado séculos depois em 649, pelo Concílio de Latrão. Maria foi engravidada “por virtude do Espírito Santo”. Os outros evangelistas (Mateus, João e Marcos) não ficaram atrás: Jesus ressuscitou mortos, transformou água em vinho, multiplicou pães, fez curas milagrosas, andou sobre as águas, ressuscitou depois de 3 dias etc. O antigo testamento também está cheio de fake news. A partir do barro, Deus criou o homem, de sua costela criou a mulher, tiveram dois filhos homens, um matou o outro e teve filhos não se sabe como. Deus criou o universo em 6 dias, os hebreus atravessaram a pé o Mar Vermelho, cujas águas se abriram etc. Até a revolução científica nos séculos XVI e XVII, os fatos e as lendas, a verdade e a mentira, se misturavam. Na guerra, a mentira se chama contrainformação. Desde a lenda do Cavalo de Tróia, os exemplos são inúmeros. Nas guerras “modernas”, informação e contrainformação são aspectos essenciais da vitória. Muitas vezes, a mentira é a política oficial de um país e, na prática, é considerada verdade. No século XX, tivemos alguns casos curiosos de fake news. Um deles é a “Guerra dos Mundos”. Em 1938, na véspera do Halloween, o ator e diretor americano Orson Welles fez um programa de rádio dramatizando uma invasão alienígena na Terra, com gritos desesperados ao fundo. A reportagem teve grande repercussão e gerou pânico. Assim, o fenômeno das fake news não é novidade na história. O que é novidade é sua rápida multiplicação na imprensa e na internet, principalmente para fins comerciais e políticos. Hoje, uma informação pode ser divulgada instantaneamente para o mundo inteiro. Fake News, Antes e Depois da Internet Certa vez, o escritor uruguaio Eduardo Galeano narrou seu encontro no Chile com Salvador Allende que estava triste. Allende explicou que no casarão em frente morava uma família muito rica, com uma única empregada que trabalhava muito e ganhava pouco. Era pobre e enterrou sua roupa no quintal porque lhe disseram que os socialistas iam ganhar a eleição e roubar as roupas das pessoas. Isso foi antes da internet. Na eleição de 2018 no Brasil, tivemos muitos casos parecidos, divulgados pelo whatsapp. Um exemplo esclarecedor em tempos de internet é o descrito no livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano Da Empoli. A partir de uma base de dados, uma Coordenação envia centenas