Artigos Diversos

Guerra de informação: Considerações sobre a realidade X fake news

Notícia falsa não é uma invenção do nosso tempo. A novidade é que hoje todas as notícias se expandem e se tornam instantâneas, as verdadeiras e as falsas. O maior best seller do mundo, a Bíblia, está cheia de fake news. Por Liszt Vieira Uma Rápida Introdução A busca da verdade foi o fundamento do pensamento científico difundido no mundo principalmente a partir do Renascimento e do Iluminismo. Mas a História mostra antecedentes notáveis na Grécia Antiga e no Oriente. Filósofos e historiadores gregos passaram à História como pensadores buscando explicar o mundo. Dos pré-socráticos, como Heráclito, passando por Sócrates e Platão, e principalmente Aristóteles, estavam todos empenhados em compreender e explicar a physis, a natureza, embora nem sempre a partir da realidade. Platão já opunha a opinião – doxa – ao verdadeiro conhecimento – episteme, que ele não extraía dos dados do mundo sensível, visto como simulacro, mas o visualizava no plano inteligível. Na História, Heródoto, Tucídides e Xenofonte narraram os fatos tal como ocorreram. Até a Idade Média, quando a maioria da Europa estava mergulhada em preconceitos e dogmas religiosos, pensadores árabes deram notável contribuição à ciência, como a matemática, com destaque para a álgebra, trigonometria, números arábicos etc. A China já havia inventado o papel e a pólvora. E, em Alexandria, Hipatia, filósofa neoplatônica no Egito romano, foi a primeira mulher matemática da História. Talvez por isso mesmo, foi sequestrada, torturada e assassinada por uma horda de cristãos enfurecidos a mando do bispo. Na Europa, o Renascimento nos séculos XV e XVI forneceu o caldo de cultura para a derrubada dos dogmas do passado, como o geocentrismo, por influência de Kepler, Copérnico, Galileu e outros. Na filosofia, Descartes, já no século XVII, parte do sujeito, de uma visão antropocêntrica e não mais teocêntrica para construir seu Cogito: Penso, Logo Existo. O Iluminismo no século XVIII e XIX derrubou o pensamento mágico e promoveu o que o sociólogo alemão Max Weber chamou de “desencantamento do mundo” que passaria a ser explicado pela ciência investigando os fatos da realidade, e não mais pela religião. O filósofo britânico Bertrand Russell, em sua “Mensagem Para o Futuro”, de 1959, nos aconselhou, no estudo de qualquer assunto, a “buscar os fatos e o que os fatos revelam”. Nos últimos anos, porém, o questionamento residual da lógica científica começou a ser reforçado por superstições, dogmas e mentiras divulgadas em grande escala, para o conjunto da sociedade, principalmente pelos meios de comunicação eletrônica. Fake News na Religião e na História Notícia falsa não é uma invenção do nosso tempo. A novidade é que hoje todas as notícias se expandem e se tornam instantâneas, as verdadeiras e as falsas. O maior best seller do mundo, a Bíblia, está cheia de fake news. Desde as crenças judaicas no Livro da Gênesis até os milagres cristãos do Novo Testamento, a Bíblia é um conjunto de lendas que, ao longo da História, tornaram-se dogmas religiosos. Mas isso foi um processo que levou séculos.  Os evangelistas talvez tenham sido um dos mais férteis criadores de fake news. Vejam os exemplos abaixo: Como havia uma profecia de que o Messias nasceria em Belém, terra do rei Davi, o evangelista Lucas escreveu que Jesus, nascido na Galileia e chamado de Galileu toda sua vida, tinha nascido em Belém. Inventou que os romanos queriam cobrar impostos dos judeus nas suas cidades de origem, o que não tem o menor sentido, pois seus bens encontravam-se na cidade de moradia e não numa remota cidade de nascimento. Romanceou o nascimento de Jesus numa gruta, com visita de reis magos. Jesus era filho de Deus. Maria era virgem e o dogma de sua virgindade foi proclamado séculos depois em 649, pelo Concílio de Latrão. Maria foi engravidada “por virtude do Espírito Santo”. Os outros evangelistas (Mateus, João e Marcos) não ficaram atrás: Jesus ressuscitou mortos, transformou água em vinho, multiplicou pães, fez curas milagrosas, andou sobre as águas, ressuscitou depois de 3 dias etc. O antigo testamento também está cheio de fake news. A partir do barro, Deus criou o homem, de sua costela criou a mulher, tiveram dois filhos homens, um matou o outro e teve filhos não se sabe como. Deus criou o universo em 6 dias, os hebreus atravessaram a pé o Mar Vermelho, cujas águas se abriram etc. Até a revolução científica nos séculos XVI e XVII, os fatos e as lendas, a verdade e a mentira, se misturavam. Na guerra, a mentira se chama contrainformação. Desde a lenda do Cavalo de Tróia, os exemplos são inúmeros. Nas guerras “modernas”, informação e contrainformação são aspectos essenciais da vitória. Muitas vezes, a mentira é a política oficial de um país e, na prática, é considerada verdade. No século XX, tivemos alguns casos curiosos de fake news. Um deles é a “Guerra dos Mundos”. Em 1938, na véspera do Halloween, o ator e diretor americano Orson Welles fez um programa de rádio dramatizando uma invasão alienígena na Terra, com gritos desesperados ao fundo. A reportagem teve grande repercussão e gerou pânico. Assim, o fenômeno das fake news não é novidade na história. O que é novidade é sua rápida multiplicação na imprensa e na internet, principalmente para fins comerciais e políticos. Hoje, uma informação pode ser divulgada instantaneamente para o mundo inteiro. Fake News, Antes e Depois da Internet Certa vez, o escritor uruguaio Eduardo Galeano narrou seu encontro no Chile com Salvador Allende que estava triste. Allende explicou que no casarão em frente morava uma família muito rica, com uma única empregada que trabalhava muito e ganhava pouco. Era pobre e enterrou sua roupa no quintal porque lhe disseram que os socialistas iam ganhar a eleição e roubar as roupas das pessoas. Isso foi antes da internet. Na eleição de 2018 no Brasil, tivemos muitos casos parecidos, divulgados pelo whatsapp. Um exemplo esclarecedor em tempos de internet é o descrito no livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano Da Empoli. A partir de uma base de dados, uma Coordenação envia centenas

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Eleição e distopia: além da bolha, a crença

Por LISZT VIEIRA* A campanha de Lula deve procurar atingir o eleitorado de Bolsonaro, com mensagens capazes de neutralizar ou destruir suas crenças e opiniões irracionais “Os fatos não penetram no mundo onde vivem nossas crenças” (Proust). Em 1995, Carl Sagan publicou o livro O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro. O astrofísico americano previa um futuro distópico em que prevaleceria a desinformação e a pseudociência, levando ao “emburrecimento” dos EUA e a uma “celebração da ignorância” através da mídia. A agência de imprensa Deutsche Welle relembra um trecho deste livro, em artigo de Felipe Wang, publicado em 25 de agosto de 2022: “A ciência é mais do que um conjunto de conhecimentos, é uma forma de pensar. Tenho um pressentimento sobre uma América, na época dos meus netos ou bisnetos, quando os EUA serão uma economia de serviços e informação; quando quase todas as principais indústrias de manufatura terão escapado para outros países; quando impressionantes poderes tecnológicos estarão nas mãos de alguns poucos, e ninguém que represente os interesses públicos conseguir compreender os problemas; quando os seres humanos tiverem perdido a capacidade de estabelecer seus próprios objetivos ou de questionar com conhecimento de causa os que detêm a autoridade; quando, apegados aos nossos cristais e consultando nervosamente nossos horóscopos, com nossas faculdades mentais em declínio, incapazes de distinguir entre o que nos faz sentir bem e o que é verdade, retrocedemos, quase sem perceber, à superstição e às trevas”. E mais adiante: “O emburrecimento dos Estados Unidos é mais evidente na lenta degradação dos conteúdos substanciais na mídia enormemente influente, nas frases de efeito de 30 segundos (agora reduzidas a dez segundos ou menos), as programações baseadas no mínimo denominador comum, apresentações crédulas sobre pseudociência e superstição, mas, sobretudo, numa espécie de celebração da ignorância”. Parece que estava adivinhando o que viria com as novas redes sociais, onde centenas de milhões de pessoas se informam apenas por meio das fake news que recebem sem nenhuma preocupação de confronto com os fatos da realidade. Toda nossa civilização baseada na investigação científica e na busca da verdade – desde o Renascimento, nos séculos XV e XVI, e o Iluminismo, nos séculos XVIII e XIX – está ameaçada. Essas considerações são oportunas quando enfrentamos agora os desafios que temos pela frente nessa reta final da campanha eleitoral de 2022. Tenho percebido que boa parte da comunicação eleitoral da esquerda se dirige aos já eleitores de Lula. Nesse mês e meio que nos resta de campanha, deveríamos priorizar, não os já convencidos, mas aqueles que não votam ou, pelo menos, ainda não votam em Lula. Para atingir o eleitorado bolsonarista, pouco ou nada valem argumentações racionais baseada em fatos, princípios ou programas políticos. Eles se conduzem não por argumentos racionais, mas por crenças e opiniões que se encontram fora do mundo racional. Essas opiniões não se baseiam em fatos, nem buscam comprovação na realidade objetiva. São crenças subjetivas, proveniente de preconceitos, dogmas e superstições. Apesar da dificuldade, a campanha de Lula deve atingir esse eleitorado, com mensagens capazes de neutralizar ou destruir suas crenças e opiniões irracionais. Serão necessárias mensagens dirigidas não à razão, mas à emoção desses eleitores, ferindo os dogmas por detrás de suas opiniões. Por exemplo, seria desejável que a campanha de Lula tivesse canais específicos para atingir o eleitorado evangélico com vídeos de 1 minuto, não mais, ou minitextos, dirigidos a este segmento. Afinal, Jesus Cristo morreu torturado na cruz, e existem cristãos que votam em quem defende a tortura. Jesus Cristo pregou a paz entre os homens, e existem cristãos votando em candidato que apoia armas para todos e a guerra civil. Seria importante usar a linguagem dos evangélicos, e dizer que os cristãos estão sendo enganados pelo Anti Cristo que fez pacto com o diabo. Claro que não seria Lula a dizer isso, mas não faltaria gente disposta a dizer coisas desse tipo. E, na falta de canais especiais para atingir os crentes evangélicos, alguém poderia dizer isso no horário eleitoral. Para justificar essa proposta, creio ser necessário relembrar algumas distopias, anunciadas no século passado, e confirmadas no século XXI. Em seu ensaio Psicopolítica – O neoliberalismo e as novas técnicas de poder, o sul coreano Byung-Chul Han mostra que a psicopolítica neoliberal busca induzir em vez de oprimir. Ainda em 1990, em seu ensaio Post-Scriptum sobre a sociedade de controle, o filósofo Gilles Deleuze vislumbrou, antes da internet, o advento da era digital. Ele preconizou que o indivíduo seria definido pela senha numérica, transformado em dados mensuráveis e quantificáveis. Constatou que o capitalismo não é mais dirigido para a produção, relegada com frequência à periferia do então chamado Terceiro Mundo. Vende serviços e compra ações. Está focado na venda e no mercado. A empresa substituiu a fábrica. As massas tornaram-se amostras, banco de dados, mercados. O marketing tornou-se instrumento de controle social. Hoje, o capitalismo financeiro tornou-se dominante, com modos de produção imateriais e pós-industriais. O trabalhador, muitas vezes, vira “empreendedor”, explora a si mesmo, é ao mesmo tempo carrasco e vítima. E o cidadão se dissolve no consumidor. Tudo isso faz lembrar o neoliberalismo grosseiro que vigora no Brasil. A famosa frase de Jair Bolsonaro – “Vim para destruir, não para construir” – é inspirada diretamente nos escritos de Olavo de Carvalho, provavelmente influenciado pela Doutrina do Choque do psiquiatra canadense Ewen Cameron que administrava choques elétricos para erradicar o mal do cérebro humano e produzir novas personalidades. A ideia era colocar os pacientes em estado caótico para serem “apagados” e “regravados” como cidadãos-modelo e anticomunistas. O cérebro seria reformatado e reescrito. Os pacientes ficavam um mês numa verdadeira câmara de tortura, eram tratados com fortes choques elétricos para apagar a memória e recebiam drogas que alteravam a consciência.  As “pesquisas” de Ewen Cameron foram financiadas pela CIA e ocorreram durante a Guerra Fria. Em seu livro A doutrina do choque, Naomi Klein associa essa técnica à doutrina do famoso economista Milton Friedman, pai do modelo neoliberal. Friedman propôs aproveitar o caos criado pelo furacão Katrina em Nova Orleans para

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O Liberalismo e suas Máscaras

Liszt Vieira 9/8/2022 O presidente da FIESP, Josué Gomes, declarou em 4 de agosto passado que “Não existe liberalismo sem democracia e Estado de Direito”. No plano teórico, essa frase tem algum sentido. Afinal, os pensadores clássicos do liberalismo, de Tocqueville a Adam Smith, de Montesquieu a Locke, defendiam os direitos individuais, a livre iniciativa e mantinham desconfiança em relação ao Estado, influenciados pela teoria hobbesiana de que o Estado é um mal necessário tendo em vista que “o homem é o lobo do homem”. Tocqueville chegou a dizer que “a anarquia não é o maior dos males que uma democracia deve temer, mas o menor”. A tirania era o grande inimigo do liberalismo. O tempo se encarregou de mostrar que a força do liberalismo não se apoiou nos direitos individuais e políticos, mas na livre iniciativa econômica. A poção mágica do liberalismo passou a ser a formulação de Adam Smith, para quem o mercado tem uma “mão invisível” que aloca os recursos de forma ideal. Assim, o liberalismo na prática negou as políticas sociais de caráter redistributivo e passou a olhar o Estado como inimigo do mercado. O Estado mínimo tornou-se um dogma difundido em boa parte do mundo ocidental, principalmente após o famoso “Consenso de Washington” que, em 1989, apregoava o neoliberalismo baseado em reformas estruturais, privatizações, livre comércio, reforma tributária, desregulamentações etc. Na realidade, o neoliberalismo se instituiu como proposta desde a chamada Escola de Chicago, tendo como um de seus grandes divulgadores o economista Milton Friedman, guru do Ministro brasileiro de Economia, Paulo Guedes. Quando o furacão Katrina devastou a cidade de Nova Orleans, nos EUA, em agosto de 2005, provocando mais de 1.800 mortes e US $ 125 bilhões em danos, Friedman saudou a tragédia como positiva, porque destruiu muitas escolas, abrindo caminho para sua privatização, conforme relato de Naomi Klein em seu livro A doutrina do choque: O auge do capitalismo do desastre. Na América Latina, o modelo paradigmático do neoliberalismo foi o Chile de Pinochet que sacramentou o casamento do liberalismo com a ditadura militar. Essa foi a escola do ministro Guedes, que lá trabalhou e aprendeu que o liberalismo econômico dispensa a democracia e muitas vezes prefere a ditadura. Antes do golpe fascista no Chile em setembro de 1973, já outros países haviam provado o veneno do liberalismo entrelaçado com a ditadura. O Brasil, desde 1964 e até mesmo antes, é um bom exemplo de que a frase do presidente da FIESP não corresponde à realidade. Os liberais apoiam a ditadura quando sentem que seus privilégios econômicos estão ameaçados. Mas a tendência mundial após a pandemia é o resgate do papel do Estado em detrimento do reinado absoluto do Mercado. A crise da COVID-19 mudou o discurso de Estado mínimo tradicionalmente adotado por vários economistas liberais. Antes apoiavam o corte de recursos orçamentários destinados à área social – saúde, educação, pesquisa científica, meio ambiente etc. – em nome do equilíbrio nas contas públicas. Hoje, alguns abandonaram o dogma liberal da “mão invisível do mercado”, de repente tornaram-se keynesianos e passaram a apoiar o aumento dos gastos sociais do Estado. No mundo de hoje, há visíveis sinais de enfraquecimento da hegemonia americana, com o fortalecimento econômico da China e a tendência – adiada pela guerra na Ucrânia – de a Europa se aproximar da Eurásia, o que levaria à inevitável formação de um mundo multipolar e ao declínio do liberalismo. Mas a política econômica do atual governo brasileiro está longe disso, e o neoliberalismo aqui dominante continua santificando o mercado e demonizando o Estado. Como a chamada trickle-down economics (economia do “gotejamento”, segundo a qual a renda concentrada acabaria redistribuída e beneficiaria camadas inferiores) perdeu credibilidade, um novo modelo tornou-se necessário para sustentar politicamente o regime neoliberal. Esse novo modelo, em alguns lugares, assumiu a forma de neofascismo. Esse sacrifício da democracia é geralmente justificado pelas elites políticas e econômicas com base no argumento de que as políticas econômicas neoliberais conduzem a um maior crescimento do PIB.  Mas esse crescimento, quando ocorre, não beneficia o grosso da população e na verdade provoca o aumento da desigualdade social. Apesar disso, a narrativa de que o neoliberalismo beneficiaria a todos manteve certa credibilidade até o início dos anos 2000. Mesmo aqueles que foram prejudicados pelo regime neoliberal muitas vezes nutriam a esperança de que o alto crescimento mais cedo ou mais tarde “gotejaria” até eles – uma esperança alimentada incessantemente pela mídia dominada pelas elites. Essa esperança evaporou quando a fase de alto crescimento do capitalismo neoliberal terminou em 2008 com o colapso da bolha imobiliária dos Estados Unidos, dando lugar a uma crise prolongada e estagnação na economia mundial.   À medida em que a velha doutrina da trickle-down economics perdia sua credibilidade, um novo modelo seria necessário para sustentar politicamente o regime neoliberal. A solução teria vindo na forma de uma aliança entre o capital corporativo globalmente integrado e elementos neofascistas locais. Alguns exemplos, entre outros, são os governos de Narendra Modi na Índia, Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos. A aliança global entre o neoliberalismo e o neofascismo é uma questão complexa que coloca muitas interrogações. Por quanto tempo o neofascismo pode oferecer abrigo a um neoliberalismo em crise? O neofascismo aliado ao neoliberalismo é incapaz de acabar com o desemprego em massa. O fascismo clássico garantiu o emprego por meio dos gastos industriais do governo, principalmente em armamentos, financiados por meio de empréstimos, gerando um grande déficit fiscal. O neofascismo contemporâneo é incapaz de fazer isso pois o aumento dos gastos governamentais, que deveria ser financiado pela tributação dos capitalistas ou por um déficit fiscal, é rejeitado pelos neoliberais. Esta situação coloca um problema para o controle do poder pelo neofascismo. A incapacidade de aliviar a crise do neoliberalismo pode levar à sua derrota nas eleições (assumindo que não as manipule ou elimine totalmente). Possivelmente, foi o que ocorreu nos Estados Unidos com a derrota de Trump e o que, segundo as pesquisas, tende a ocorrer no Brasil em outubro de 2022

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Cidadania e Sustentabilidade Global

A Assembléia Geral da ONU reune-se de 23 a 27 de junho para fazer um balanço da Agenda 21, o Plano de Ação aprovado no Rio de Janeiro pelos Governos de todo o mundo durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92. A reunião da ONU é um convite à reflexão a respeito dos graves problemas que se abatem sobre a humanidade e seu planeta, hoje resumidos na noção de sustentabilidade. Como a Agenda 21 permanece ignorada pela maioria dos governos nacionais, os princípios da sustentabilidade vêm sendo defendidos principalmente pelas organizações da sociedade civil que, nos últimos anos, têm aumentado consideravelmente sua presença no cenário internacional. Apesar da heterogeneidade e da gama diversificada de posições, as organizações não-governamentais encontram pontos comuns na defesa da sustentabilidade e na necessidade de influenciar as decisões das Nações Unidas. Não há razões para júbilo. Os exemplos são inúmeros, desde os EUA que assinaram a Convenção de Clima mas não parecem dispostos a reduzir as emissões de CO2 de suas indústrias e automóveis, até Governos de países tropicais que destroem suas florestas para fins de exportação, sem perceber que a floresta em pé pode ser mais valiosa pela sua biodiversidade do que abatida. O exemplo mais significativo, porém, é, a nosso ver, a questão da governabilidade. A Agenda 21 aprovou a criação de Conselhos Nacionais de Desenvolvimento Sustentável, que permanecem ignorados na maior parte do mundo. Nas Nações Unidas, não se fala mais de desenvolvimento econômico, conceito vinculado à noção de crescimento econômico do pós-guerra, quando os Chicago boys queriam nos convencer de que todos os países subdesenvolvidos poderiam ingressar no clube dos países industrializados, desde que seguissem as etapas por eles preconizadas. O desenvolvimento ou é sustentável, ou não é. Isto significa dizer que é um desenvolvimento ao mesmo tempo econômico, social, ambiental e cultural. Não há mais primazia da lógica econômica. Não há mais superministérios da área econômica colonizando os demais. É difícil imaginar os ministros da área econômica discutindo, em igualdade de condições, com os responsáveis das áreas social, ambiental e cultural, num Conselho Nacional, com participação da sociedade civil. Mas foi exatamente isto que foi aprovado na ECO-92. O desenvolvimento sustentável não é apenas meio ambiente, pois incorpora o econômico-social-ambiental-cultural numa estratégia integrada de desenvolvimento. Para isto, é necessário uma profunda reforma do Estado que não se limite à visão estreita de demissão de funcionários. O fundamental é a racionalização e a modernização dos serviços públicos, explorados seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada. Enquanto as empresas e as ONGs firmam contratos internacionais via fax e se comunicam por E.Mail, no Brasil, por exemplo, o Estado ainda exige reconhecimento de firma em cartório, como no século passado. Estados de tipo corporativo, cartorial, clientelista, populista, patrimonial ou autoritário não podem ser agentes do desenvolvimento sustentável, que exige novas estruturas administrativas para uma nova concepção de desenvolvimento. Como as empresas de mercado têm como vocação a produção econômica visando a lucro, e o Estado a atividade política em função do poder, caberia às organizações da sociedade civil, definidas em função do interesse público, a tarefa de encaminhar a constituição de um novo espaço público não estatal. Elas tendem a tornar-se atores da sustentabilidade no plano global. A atuação das organizações da sociedade civil junto aos órgãos internacionais, e em seus espaços próprios, aponta para a constituição de uma sociedade civil global, de uma emergente cidadania planetária, que já tem hoje mais poder de influência no cenário mundial do que a maioria dos pequenos países. Basta ver a influência da Anistia Internacional ou Greenpeace, por exemplo, nas decisões internacionais sobre direitos humanos ou meio ambiente, ou a volumosa aplicação de recursos nos países pobres efetuada pelas ONGs que, hoje, têm influência decisiva na agenda política da ONU. À via autoritária da globalização econômica, de funestas consequências sociais, contrapõe-se uma via democrática, uma globalização “por baixo”. A sociedade civil tende a tornar-se um terceiro ator, ao lado do Mercado e do Estado, aliando-se, quando necessário, ao primeiro, para exigir a democratização e modernização do Estado, e, ao segundo, para exigir a regulação do Mercado, combatendo o atual modelo econômico predatório ecologicamente e injusto socialmente. As três dimensões da atual discussão sobre a ordem mundial – a internacionalização da função pública, a reorganização das relações internacionais após o fim do conflito leste-oeste e uma ordem econômica mundial para o desenvolvimento sustentável – podem ser vistas como aspectos de um processo conflitivo de transformação, mundial e a longo prazo, da função pública nacional em global. O relativo declínio do Estado nacional, a interpenetração do local e do global (glocal), e o advento de uma sociedade civil global estribada no direito dos povos são fenômenos novos que exigem explicações muito além das tradicionais declarações de amor ou ódio à globalização. Em síntese, há fortes indicações de que as organizações da sociedade civil tendem a desempenhar papel crescente nas negociações internacionais, como atores da sustentabilidade e instrumentos de uma emergente cidadania planetária enraizada em valores humanos universais. Tudo indica que contribuirão de forma decisiva para o global governance, entendido não como governo global, mas como nova institucionalidade política traduzida numa esfera pública transnacional. Liszt VieiraProf. da PUC/RioAutor de “Cidadania e Globalização”, Editora Record, 1997Coordenador do Forum Internacional de ONGs de 1991 a 199519/06/1997

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A Cidadania no Espaço Global

O Encontro Internacional Rio+5 de 13 a 19 de março, no Rio de Janeiro, é um convite à reflexão a respeito dos graves problemas que se abatem sobre a humanidade e seu planeta, hoje resumidos na noção de sustentabilidade. Trata-se de uma reunião plural, com representantes de Governos, Empresas e Sociedade Civil. A gama de posições parece bem diversificada, indo desde o organizador do evento, Maurice Strong – que, no editorial do último número da revista “Environment”, do Banco Mundial, afirmou que o acontecimento mais importante desde a Rio-92 “foi a emergência do Banco Mundial, na gestão do presidente James Wolfensohn, como um líder campeão do desenvolvimento sustentável” – até ONGs de base, que não devem concordar muito com essa opinião. O que aglutina participantes tão diversos é a discussão sobre sustentatibilidade e a necessidade de se proceder a um balanço da Agenda 21, aprovada na Rio-92 e ignorada pela maior parte dos governos nacionais. O objetivo é influenciar a avaliação da Agenda 21 a ser realizada pela ONU em abril e junho próximos, em Nova York. Não há razões para júbilo. Os exemplos são inúmeros, desde os EUA que assinaram a Convenção de Clima mas não parecem dispostos a reduzir as emissões de CO2 de suas indústrias e automóveis, até Governos de países tropicais que destroem suas florestas para fins de exportação, sem perceber que a floresta em pé pode ser mais valiosa pela sua biodiversidade do que abatida. O exemplo mais significativo, porém, é, a nosso ver, a questão da governabilidade. A Agenda 21 aprovou a criação de Conselhos Nacionais de Desenvolvimento Sustentável, que permanecem ignorados na maior parte do mundo. Nas Nações Unidas, não se fala mais de desenvolvimento econômico, conceito vinculado à noção de crescimento econômico do pós-guerra, quando os Chicago boys queriam nos convencer de que todos os países subdesenvolvidos poderiam ingressar no clube dos países industrializados, desde que seguissem as etapas por eles preconizadas. O desenvolvimento ou é sustentável, ou não é. Isto significa dizer que é um desenvolvimento ao mesmo tempo econômico, social, ambiental e cultural. Não há mais primazia da lógica econômica. Não há mais superministérios da área econômica colonizando os demais. É difícil imaginar os ministros da área econômica discutindo, em igualdade de condições, com os responsáveis das áreas social, ambiental e cultural, num Conselho Nacional, com participação da sociedade civil. Mas foi exatamente isto que foi aprovado na Rio-92. O desenvolvimento sustentável não é apenas meio ambiente, pois incorpora o econômico-social-ambiental-cultural numa estratégia integrada de desenvolvimento. Para isto, é necessário uma profunda reforma do Estado que não se limite à visão estreita de demissão de funcionários. O fundamental é a racionalização e a modernização dos serviços públicos, explorados seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada. Enquanto as empresas e as ONGs firmam contratos internacionais via fax e se comunicam por E.Mail, no Brasil, por exemplo, o Estado ainda exige reconhecimento de firma em cartório, como no século passado. Estados de tipo corporativo, cartorial, clientelista, populista, patrimonial ou autoritário não podem ser agentes do desenvolvimento sustentável, que exige novas estruturas administrativas para uma nova concepção de desenvolvimento. Como as empresas de mercado têm como vocação a produção econômica visando a lucro, e o Estado a atividade política em função do poder, caberia às organizações da sociedade civil, definidas em função do interesse público, a tarefa de encaminhar a constituição de uma novo espaço público, não necessariamente estatal. Elas tendem a tornar-se atores da sustentabilidade no plano global. A atuação das organizações da sociedade civil junto aos órgãos internacionais, e em seus espaços próprios, aponta para a constituição de uma sociedade civil global, de uma emergente cidadania planetária, que já tem hoje mais poder de influência no cenário internacional do que a maioria dos pequenos países. Basta ver a influência da Anistia Internacional ou Greenpeace, por exemplo, no processo de tomada de decisões a nível mundial, ou a volumosa aplicação de recursos nos países pobres efetuada pelas ONGs que, hoje, têm influência decisiva na agenda política da ONU. Aos efeitos devastadores da globalização econômica, contrapõe-se uma globalização “por baixo”. A sociedade civil tende a tornar-se um terceiro ator, ao lado do Mercado e do Estado, aliando-se, quando necessário, ao primeiro, para exigir a democratização e modernização do Estado, e, ao segundo, para exigir a regulação do Mercado. As três dimensões da atual discussão sobre a ordem mundial – a internacionalização da função pública, a reorganização das relações internacionais após o fim do conflito leste-oeste e uma ordem econômica mundial para o desenvolvimento sustentável – podem ser vistas como aspectos de um processo conflitivo de transformação, mundial e a longo prazo, da função pública nacional em global. O relativo declínio do Estado nacional, a interpenetração do local e do global (glocal), e o advento de uma sociedade civil global são fenômenos novos que exigem explicações muito além das tradicionais declarações de amor ou ódio à globalização.Em síntese, há fortes indicações de que as organizações da sociedade civil tendem a desempenhar papel crescente nas negociações internacionais, como ator da sustentabilidade e instrumento de uma emergente cidadania planetária enraizada em valores humanos universais. Tudo indica que contribuirão de forma decisiva para o global governance, entendido não como governo global, mas como nova institucionalidade política traduzida numa esfera pública transnacional.Liszt VieiraProf. da PUC/RioAutor de “Cidadania e Globalização”, Editora Record, 1997 14/03/1997

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A Terra está vazia

O escritor francês Antoine de Saint Exupéry – cujo cinqüentenário de falecimento certamente será registrado neste mês de julho – costumava se irritar com aqueles que defendiam a tese maltusiana da superpopulação da Terra, que ele considerava falaciosa e reacionária. Certa vez, lá pelos idos dos anos trinta, fez uma curiosa provocação par amostrar que a superpopulação de nosso planeta é uma invenção. Imaginou Saint Exupéry um grande comício global, com a presença de todos os habitantes do planeta, dispondo cada pessoa de um espaço de 2 metros quadrados. A superfície total ocupada por toda a população da terra, reunida no imaginário comício, corresponderia aproximadamente ao território do Principado de Luxemburgo, que, como se sabe, é um dos menores do mundo. Todo o resto da Terra ficaria vazio. Se adaptarmos o exemplo para os dias de hoje, com a atual população da Terra – pouco mais de 5 bilhões de habitantes – chegaremos a resultados igualmente surpreendentes. Se cada pessoa ocupar sois metros quadrados do citado comício, teremos uma área ocupada total de 10 bilhões de metros quadrados, ou seja, uma área correspondente à superfície do Líbano ou à metade do território do Estado de Sergipe. Todo o resto do planeta estaria vazio. Apesar de falaciosas e, como veremos a seguir, sem fundamento científico, as teses néo-maltusianas de superpopulação são predominantes na teoria e na prática das instituições internacionais, como o Banco Mundial, e da maioria dos governos nacionais, principalmente os do Primeiro Mundo. Os países industrializados priorizam o controle da natalidade nos países industrializados priorizam o controle da natalidade nos países pobres do Terceiro Mundo, cujo crescimento demográfico os assusta. Em geral, o apoio oficial dos países ricos às políticas de controle demográfico, nos países pobres, é acompanhado de rigorosas medidas de controle de imigração, destinadas a impedir que os “novos bárbaros” venham perturbar a tranqüilidade dos “civilizados” em suas sociedades de consumo. As teses conservadoras oficiais sempre associam crescimento populacional a degradação ambiental e subdesenvolvimento. Mas se focalizarmos o problema da população não do ponto de vista exclusivamente demográfico, mas da perspectiva do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a realidade é bem diversa do que indicam as aparências. Em primeiro lugar, é fundamental reconhecer que a qualidade do Meio Ambiente não é função do número de habitantes, mas sim do seu modo de vida, de produção e de consumo. A China, por exemplo, tem quatro vezes mais habitantes do que os Estados Unidos, mas os 250 milhões de norte-americanos produzem uma poluição e um impacto ambiental muito superior ao produzido por 1 bilhão de chineses. Os Estados Unidos, sozinhos, consomem um terço da energia existente no mundo, o que, por si só, demonstra a impossibilidade ecológica de imitar o modelo insustentável de desenvolvimento dos países industrializados do hemisfério norte. Os graves problemas ambientais do planeta – esgotamento da camada de ozônio, mudanças climáticas, acúmulo de lixo tóxico químico e radioativo, poluição pesada, esgotamento dos recursos naturais etc. – são causados pelos países industriais avançados, e não pelos pobres, responsáveis por impactos ambientais menos graves. É bom não esquecer também que o desmatamento de florestas tropicais e a perda de biodiversidade são principalmente conseqüência de atividades econômicas de exportação, como mineração, pecuária e extração de madeira, que vão gerar receitas consideradas vitais par ao pagamento da dívida externa dos países tropicais. Verifica-se, assim, que é completamente falso atribuir os graves problemas ambientais do nosso planeta às taxas de crescimento demográfico que, aliás, vêm declinando na maior parte do mundo.A ser executada uma política de controle ambiental, teria mais sentido reduzir a população nos países do Norte, onde a poluição per capita é muito mais elevada. Com efeito, nos países industrializados do Norte encontram-se 20% da população mundial consumindo 80% dos recursos naturais do planeta e produzindo 75 % da poluição global. Portanto a atual crise ecológica é provocada muito mais pela poluição do rico do que pela poluição do pobre. Ela é resultado do atual modelo de desenvolvimento, predatório ecologicamente e excludente socialmente. Por outro lado, as previsões catastróficas sobre crescimento populacional ilimitado a nível mundial são inteiramente desprovidas de fundamento. As taxas de fecundidade estão caindo em quase todo o mundo. No Brasil, por exemplo, a taxa de crescimento demográfico caiu de 2,9% nos anos 60 para 1,8% nos anos 80. É claro que esta estatística oculta distorções sociais, o que, aliás, costuma acontecer com as estatísticas em geral. É claro, também, que o declínio nas taxas de crescimento demográfico não significa que a população mundial vai parar de crescer. O crescimento absoluto ainda é significativo, cerca de 100 milhões de habitantes por ano. Mas a capacidade de suporte da Terra está muito longe de se esgotar. Calcula-se que o planeta possa suportar tranqüilamente 12 bilhões de habitantes, praticamente o dobro da população atual, e até mesmo chegar a 18 bilhões, como prevêem os mais pessimistas, sem maiores cataclismos, se levarmos em conta a capacidade de o planeta abrigar e sustentar seus habitantes. A questão não está, portanto, no número de habitantes, mas no sistema econômico, que produz uma quantidade cada vez maior de pobres sem condições de assegurar a subsistência de suas famílias. Um nível mais elevado de renda e educação, com maior acesso a informações, acarreta naturalmente a redução do número de filhos, num processo democrático de planejamento familiar. Mas isto é muito diferente de lançar a culpa no crescimento demográfico dos países pobres, tornados bodes expiatórios daqueles que não querem mudança alguma no atual modelo de desenvolvimento. A prioridade que vem sendo concedida à questão do crescimento populacional não passa, assim, de uma cortina de fumaça que oculta e, ao mesmo tempo, revela um sistema concentrador de poder econômico que cada vez mais exclui do mercado de trabalho enormes contingentes de população. Impossibilitada de se adaptar às necessidades tecnológicas do mercado, a maior parte da população mundial torna-se descartável, inapta à sobrevivência com um mínimo de dignidade humana. No próximo mês de Setembro, na cidade do Cairo, no Egito, será realizada a Conferência das Nações

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ENVIROMENTAL, SOCIAL, ECONOMIC: THE BROKEN TRINITY I

I – THE RELATIONSHIP BETWEEN MAN AND NATURE AND THE SOCIOENVIRONMENTAL DICHOTOMY 1. Antagonism between man and nature and the ecological crisis. Since its origins, Western Civilization has put nature at the disposition of man, for him to subjugate. With a few rare exceptions, this is how Nature is presented in the Old and New Testaments of the Bible, in the Koraan, in the medieval philosophers, and in the rationalist thinkers of the 17th and 18th centuries. This occurs with the same frequency within theocentric and anthropocentric conceptions. And it is in the societies founded upon the Industrial Revolution that the man-nature antagonism has deepened and ultimately defined itself. There have been nonetheless, intervals and exceptions. Pre-Socratic thinkers held a differing word-view. For them, the gods and dieties were present in all things. In Greek mythology the men and the gods had the same origin. In the beginning, according to Hesiod, Chaos reigned, and out of Chaos came Uranus and Gaia, the Heavens and the Earth. The two, in turn, begat the gods and men. The difference between the dieties and the mortals is not their origin, but rather their destiny. The gods mortals is not their origin, but rather their destiny. The gods were immortal, yet they were, in truth, created in the image of man, with feelings and passions and positive and negative characteristics. The Greek gods were not supernatural entities; they were believed to be an integral part of nature. There was no omniscient God, creator of the entire universe, as in the Judeo-Christian tradition. The gods and men coexisted in nature and this bespeaks a especial relationship between man and nature. In Greek the word “phisis” means nature and man, together with all of their thoughts and actions. One word encompassed the significance of both nature and humanity. Thinking in terms of “phisis,” the pre-Socratic thinkers conceived of all beings as one, as a complete reality. Throughout history and cultures, there certainly have existed many variations on the man-nature theme, but the one that prevailed in the Western tradition was the Judeo-Christian ideal, in which nature was always passive, submissive to the domination of man. Overall, it was the Judeo-Christian influence that fully developed the opposition between man and nature, between the spiritual and the material. Philosopher Rene Descartes (17th century) provided the most complete justification of this opposition. The Cartesian conception placed man as subject and nature as object; man became the master of nature. Cartesian writings profoundly influenced thought patterns in the western word and laid the foundation for the Scientific Revolution and ultimately, the Industrial Revolution, where these ideas would realize their highest form of expression. Following on the heels of Descartes, Francis Bacon declared that men must dominate natures just as they dominate women. He elaborated that nature, being feminine in character, was required to submit to masculine domination. Anthropocentrism, the pragmatic-utilitarianist pattern that views man and nature as subject and object, placed an indelible mark on the modern era. Anthropocentrism in society leaves no room for integration between humanity and nature. Patriarchal structures and the predatory economic systems that have prevailed in the past few centuries can also be considered descendents of the Cartesian rationalism that innaugurated modernity. Capitalism takes this rationalism as far as it will go. The Enlightenment of the 18th century and the Industrial Revolution showcase these ideals. Science and technology acquired, in the 19th century, a central role in the human life. The idea of nature as an objective, exterior entity presupposes a concept of human beings as unnatural and outside of nature. And it was during the Industrial Revolution that this concept was crystallized within Western thought. In the so-called Western world nature is either viewed as savage and hostile, the place of struggle between all competing forces (better known as the Law of the Jungle), or in the other extreme, as an idyllic symbol of beauty and harmony. The former justifies the state to impose law and order to impede chaos, which is considered, in essence, “a return to the natural or animal state.” The latter criticizes the man who destroys nature, yet maintains the man-nature dichotomy. The former is anthropocentrism; the latter is naturalism. These ideas are clearly developed in political ecology, notably in Marxist political ecology. In this case, the opposition between man and nature is rejected, expressing the need for a more organic, integrated conception of human society and nature; nonetheless it applies a different perspective to the two sides of the equation. As such, it fails to completely overcome the dualism it attempts to refute. In effect, the Law of the Jungle is accepted on the societal plane under the guise of class struggle. On diagnosis for nature, another for society. The ambiguity remains: dialectic thought is only able to se the world through the prism of struggle, conflict, negation. It is incapable of perceiving it in terms of creation. The creative model of thinking about nature and society is a unique viewpoint. In “Creative Evolution”, Bergson wrote: “Nature is a creation which continues without end by virtue of an initial movement. Evolution is a creation that never ceases to renew itself. Life transcends finality. Essentially, it is a flux propelled through matter.” Nature com be perceived not as a struggle but as creation. In Espinoza, this manifests itself as the power of expansion, the power to produce alterations and influences, virtualities and wave motions. The dichotomy between man vs. Nature, artificial vs. Natural disappears entirely. Even the revolutionary currents of Rationalism, like Marxism sink into crisis for lack of a means of defining the modern world, and above all, the global environmental crisis.It is within this context of failed ideology that we find the ecological crisis. It is a huge challenge for all humanity. And Classic Reason, based on repose and order, on the divorce of nature from society, is impotent to take on this challenge. Science itself, heir to rationalism, has undertaken to hasten its decay. The theory

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Direito Ambiental

Estruturado em torno dos direitos individuais, o ordenamento jurídico brasileiro sempre foi incapaz de dar conta das novas necessidades e demandas sociais que eclodiram a partir da Segunda metade do século, com a aceleração do processo de urbanização e industrialização. O modelo selvagem de desenvolvimento adotado em nosso país levou à marginalização social da maioria dos brasileiros ao mesmo tempo em que destruía o seu meio ambiente. A busca desenfreada da quantidade de lucros provocou a degradação da qualidade de vida, deteriorando os recurso naturais que poderiam ser utilizados em benefício da maioria da população. Nestas condições os chamados interesses difusos, como o direito ao meio ambiente sadio, eram tratados no Direito Brasileiro apenas por via reflexa e o cidadão encontrava dificuldades intransponíveis para enfrentar sozinho o grande poderio econômico e político das empresas poluidoras, privadas ou estatais. O avanço das lutas democráticas que se seguiram ao regime militar ampliou a consciência dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, fortalecendo os movimentos sociais da cidadania que passam a reconhecer, identificar ou mesmo criar direitos até então inexistentes ou inadmissíveis. Encontram-se aí os chamados interesses difusos ou coletivos, como o direito ao meio ambiente, que acabou se incorporando à nossa legislação. A própria Constituição Brasileira incorpora o moderno princípio que considera o meio ambiente não coo um direito apenas individual ou público, mas como um bem de uso comum do povo. Esta concepção se harmoniza com as novas perspectivas do direito ambiental que coloca à disposição dos cidadãos mecanismos e instrumentos trans-individuais de defesa dos interesses difusos, tais como a Ação Civil Pública, o Inquérito Civil, a legitimação das associações ambientalistas para ingressarem em Juízo, a obrigatoriedade dos estudos prévios de impacto ambiental, as Curadorias de Meio Ambiente e outros instrumentos que causaram profundas modificações na legislação brasileira. Não obstante os significativos avanços na legislação, estas conquistas do Direito Ambiental não vêm se efetivando na prática com a intensidade necessária, face a insensibilidade e incapacidade do Estado para enfrentar os novos desafios. Prisioneiros de escusos interesses econômicos e políticos, os agentes do Poder Público não traduziram em política ambiental efetiva os princípios e normas vigentes na legislação. O próprio Poder Judiciário, estruturando tradicionalmente em torno de uma concepção individualista do Direito, não se mostra apto para acompanhar e responder o ritmo crescente das demandas sociais. O despreparo e timidez da grande maioria de seus quadros e a falência de suas estruturas tradicionais provocam a ineficiência, ou mesmo a ausência, do Poder Judiciário, impedindo a aplicação das normas de proteção ambiental ou distorcendo a sua interpretação. Finalmente, é forçoso reconhecer que a sociedade civil tem pressionado pouco o Poder Judiciário. As associações de defesa ambiental têm utilizado de forma insuficiente a Ação Civil Pública, talvez por falta de informação ou descrença na Justiça. Entretanto, é inegável que um número maior de ações mais claras e definidas de cumprimento da legislação ambiental. Por outro lado, é hoje entendimento universal que o Direito Ambiental não pode se resumir a um sistema jurídico nacional. A natureza não conhece fronteiras, pois as agressões ambientais praticadas num país freqüentemente provocam impactos sociais e ambientais que transcendem seus limites territoriais. Torna-se imperioso, portanto, o estabelecimento de normas e padrões internacionais de proteção ambiental. O conceito tradicional de soberania há que ser repensado para possibilitar novas relações internacionais baseadas na solidariedade e cooperação de forma a garantir a defesa do meio ambiente em escala planetária, sem prejuízo dos legítimos interesses nacionais. Para tornar exeqüível essa possibilidade, é necessário, como as ONGs em todo o mundo vêm propondo, a criação de uma entidade ambiental internacional no seio das Nações Unidas, a exemplo da Organização Mundial de Saúde e Organização Internacional do Trabalho. As conquistas nacionais ou internacionais do Direito Ambiental não devem ocultar o fato de que a lei não é um ponto final, mas um instrumento de luta dos movimentos sociais que, na sua dinâmica concreta, vão criando novas demandas que muitas vezes tornam obsoletas as leis existentes, exigindo a criação de novas normas legais. Assim, é cada vez mais expressivo o número de pessoas que compreendem que democrático não é o país que apenas consolida leis democráticas, mas aquele que possui mecanismos para que a sociedade possa auto-instituir-se de forma permanente. Presidente do Instituto de Ecologia e Desenvolvimento e membro da Coordenação Nacional do Fórum das ONGs Brasileiras para a ECO 92. JB – Opinião – 23/12/91

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Glauber Rocha e a Linha Vermelha

“No Brasil o que a lei dá o parágrafo tira.” Esta frase genial de Glauber Rocha cai como uma luva a respeito dos projeto da Linha Vermelha. A comissão Estadual do Controle Ambiental (Ceca), presidida pelo presidente da Feema, Adir Bem Kaus, dispensou a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e do respectivo relatório de impacto ambiental (Rima) para a construção da obra viária que ficou conhecida como Linha Vermelha. O fundamento legal da decisão foi o parágrafo 2º do Art. 1º da Lei estadual n.º 1.356’88, quer permite o licenciamento de projetos de ampliação sem prévia elaboração do EIA/Rima. É curioso que, numa lei toda ela voltada para garantir a exigência do Rima, o legislador haja incluído um parágrafo absolutamente inconstitucional que, pelo menos na interpretação da Ceca, neutraliza todos os outros parágrafos e artigos da lei. Pouco importam aqui as intenções originais de seu autor, pois uma lei, depois de aprovada, torna-se pública e pertence à sociedade. Estaríamos, assim, diante de uma aplicação literal da frase lapidar de Glauber Rocha. Ocorre que, antes da lei estadual, o Rima é uma exigência constitucional. O inciso IV do parágrafo 1º do Art. 225 da Constituição Federal exige estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. E a Resolução n.º 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina, em seu Artigo 2º, que dependerá de elaboração de EIA/Rima o licenciamento de atividades modificadoras de meio ambiente, entre as quais acha-se enumerada estrada de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, o que é o caso da Linha Vermelha. Assim, a legislação federal exige Rima para as obras de maior porte que enumera, sejam ou não ampliação. Dispensar o Rima para obras de ampliação levaria a absurdos inadmissíveis. Suponhamos que um empresário mais afoito ou um político tresloucado proponha aterrar a Baía de Guanabara para construir em seu lugar um complexo industrial. O Sr. Presidente da Feema decidiria então dispensar o Rima, pois se trataria, evidentemente, de ampliação do atual Aterro do Flamengo. Ou, se for mais ousado, dispensaria o Rima do projeto de demolição do Ministério do Exército para a ampliação da atual estação ferroviária da Central do Brasil, ou ainda, para ser mais ecológico, para a ampliação do jardim da Praça da República. Qualquer obra, sobretudo as viárias pode ser considerada ampliação de outras. Pouco importa, para a lei federal, se uma obra é ou não ampliação. A Linha Vermelha, construída sem EIA/Rima, é, do ponto de vista jurídico, ilegal. Por esta razão, entre outras, o Instituto de Ecologia e Desenvolvimento (IED) ingressou com uma ação civil Pública para suspender as obras da Linha Vermelha até a realização do EIA/Rima, como exige a legislação federal. A lei exige o Rima porque somente um estudo prévio pode determinar o impacto ambiental e social das obras de grande porte e, se for o caso, definir alternativas mais econômicas e mais úteis socialmente. Afinal, trata-se de obra realizada com dinheiro público. O Rima pode até mesmo recomendar a não execução da obra; por isso, a lei exige o estudo prévio. E, ao que se saiba, a lei vale também para os governantes, não só para os governados. É curioso observar que o atual presidente da Feema assinou manifesto, h[a alguns anos, como presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), exigindo Rima para a construção da Linha Vermelha. Da mesma forma, o secretário municipal de Obras, Sr. Luís Paulo Correia da Rocha, que também integra a Comissão da Linha Vermelha, defendeu tese de mestrado na Coppe – UFRJ criticando o projeto da Linha Vermelha.Mudar de opinião após chegar ao poder não chega a ser muita novidade. E os dois técnicos citados revelaram-se bons discípulos de seu chefe, que, em virada surpreendente, celebrou um acordo político com o presidente Collor, que passou a dar tratamento privilegiado ao Rio de Janeiro. A ética política está fora de moda: a hora é do mais puro pragmatismo. Que a Linha Vermelha é ilegal, todo mundo sabe. Mas a formidável demonstração de força da aliança espetacular Collor-Brizola, abençoada pela mídia, inibiu manifestações críticas de diversos setores, inclusive da maioria dos membros dos Poderes Judiciário e Legislativo. Se, do ponto de vista jurídico, a obra é ilegal, do ponto de vista social a Linha Vermelha é elitista: 140 milhões de dólares vão beneficiar cerca de 125.000 pessoas no trajeto Galeão-Zona Sul, via São Cristóvão, enquanto milhões continuarão engarrafando em ônibus e automóveis na Avenida Brasil. Em brilhante artigo publicado no JB de 07/05/91, o Professor Licínio da Silva Portugal, do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe – UFRJ, fulminou, com rara competência, os argumentos a favor da Linha Vermelha. No mesmo sentido, o Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Coordenador do citado Programa da Coppe, elaborou parecer técnico, anexado aos autos da ação civil pública impetrada pelo IED contra o Estado do Rio de Janeiro, demonstrando que a Linha Vermelha não vai descongestionar a Avenida Brasil e apontando alternativas mais eficazes mais baratas. A decisão de construir uma via expressa perpetua a prioridade concedida à sua Excelência, o automóvel individual. É surpreendente que um governo popular reproduza essa prioridade em detrimento do transporte público coletivo de massas. O transporte por ônibus, metrô, trem e barcas poderia receber significativa melhoria e ampliação com o dinheiro destinado à Linha Vermelha. O Poder Público decidiu pela obra alegando a realização no Rio da Conferência da ONU – ECO 92, quando alternativas melhores existem. Tais alternativas certamente viriam à tona na audiência pública, exigida em lei, que obriga a discutirem o Rima com representantes da sociedade civil: técnicos, professores, parlamentares, lideranças comunitárias, etc. O órgão técnico do Governo Estadual dispensou o Rima em nome de um parágrafo segundo que, se não existisse, seria inventado, pois o lobo nunca precisou de argumentos convincentes par comer o cordeiro. Um poderoso lobby se formou desencadeando louvores apologéticos e apoios entusiásticos. Restam bolsões de resistência na

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Liszt Vieira e seus planos ecológicos para o RJ e Mauá

Liszt Vieira foi o pioneiro do movimento ecológico no Rio de Janeiro, fundador da Assembléia Permanente do Meio Ambiente e o primeiro deputado preocupado com a ecologia no Brasil. Exerceu legislatura da 1982 a 1986 e criou vários projetos sobre o assunto. É, também, o fundador do Instituto de Ecologia e Desenvolvimento (IED) e seu atual presidente. Tem vários artigos e livros publicados. Seu último livro, publicado em 90, “Fragmentos de um discurso ecológico” fala sobre poluição, pressão sobre a mulher, combate ao racismo, energia nuclear, ecologia, feminismo e pacifismo. Nesta entrevista, Liszt fala sobre a 2ª Conferência Mundial da ONU para o Desenvolvimento e Meio Ambiente – ECO 92, as soluções para os problemas ambientais de Visconde de Mauá e o que espera, para esta área, do novo governo do Estado do Rio de Janeiro. Folha da Serra: Qual o trabalho que você está desenvolvendo, atualmente na área de meio ambiente? Liszt Vieira: Estou trabalhando no Instituto de Ecologia e Desenvolvimento, com alguns projetos ambientais, e, também, no fórum das Organizações Não Governamentais (ONG’s) Brasileiras para a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente – ECO 92, em junho do ano que vem. É um fórum com mais de 300 entidades , em todo o Brasil, e já convidamos entidades ambientalistas de Visconde de Mauá a se integrarem a ele, e, também participarem da organização da Conferência Paralela do Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Esperamos reunir, neste evento, cerca de 20.000 pessoas.Folha da Serra: Como seria a participação das entidades ambientalistas no fórum? Liszt Vieira: Em abril, faremos uma ampla reunião, para discutirmos um plano de trabalho e elegeremos a coordenação definitiva do fórum. A idéia é mobilizar todas as entidades para um trabalho local, de conscientização e educação ambiental. Queremos aproveitar a Conferência para reivindicar soluções para os problemas locais nacionais e, até mesmo, planetários, na questão do meio ambiente.Folha da Serra: As entidades ambientalistas que participarem do fórum têm mais chances de receber financiamento para a execução de um projeto? Liszt Vieira: Acho que sim. O fato dela se integrar no fórum significa que está se integrando em uma iniciativa mais ampla, que congrega muitas entidades. Nós mesmos, do IED, estamos à disposição do movimento ecológico de Visconde de Mauá para discutirmos a elaboração de projetos específicos da região e a captação de recursos para sua execução. Folha da Serra: O que é o IED?Liszt Vieira: O Instituto de Ecologia e Desenvolvimento elabora projetos na área ambiental, do ponto de vista social. Projetos que compatibilizam o desenvolvimento com a proteção do meio ambiente. Neste sentido, pretenderemos, também fornecer informações ao movimento ecológico, através de estudos, pesquisas e projetos. Folha da Serra: Como você vê o desenvolvimento acelerado de Visconde de Mauá? Liszt Vieira: É um problema grave que existe não só em Mauá, mas em todos os municípios com vocação turística acentuada. Por atraírem muita gente, hotéis e casa são construídas e, na maioria das vezes, isto é feito em detrimento à preservação do meio ambiente. Visconde de Mauá precisa de um plano urbanístico para o desenvolvimento da região, que obrigue às pessoas a respeitarem o meio ambiente. Todos devem construir fossas. Deve-se Ter normas para a construção de casa, que respeitem certos padrões de defesa ambiental, e meios que propiciem educação ambiental para os moradores e turistas. No currículo escolar, deve ser introduzida a cadeira de educação ambiental, para que as pessoas tenham esta noção desde a escola. A prefeitura, em articulação com os órgãos representativos da comunidade, deve elaborar um plano de ocupação territorial racional, compatibilizando as necessidades de desenvolvimento com a proteção do meio ambiente. Isto é possível de ser feito, mas envolve vontade política e organização da comunidade local. Por outro lado, é necessário, também, a fiscalização dos órgãos estaduais e federais. E nisto, a comunidade pode ajudar muito. Podemos pensar em uma ação cível pública ou uma ação popular, para pedir indenização, nos danos ambientais, ou para impedir que um dano seja cometido. Folha da Serra: Pelo fato de Visconde de Mauá pertencer à APA da Mantiqueira, isto lhe favorece, no caso de recorrer a dispositivos legais, para a elaboração de um plano racional de ocupação territorial?Liszt Vieira: Evidentemente que sim. Ser uma área de proteção ambiental significa que ela já recebe uma proteção jurídica especial, a priori. Mas, de qualquer forma, existem APAs que podem ser destruídas se a comunidade não fiscalizar, não recorrer às instâncias que ela pode recorrer. Podemos recorrer ao Executivo, prefeituras, Feema, eventualmente ao Ibama, ou, então, à Procuradoria Geral da Justiça, que é o órgão do ministério público que cuida da proteção ambiental.Folha da Serra: O que você espera do novo governo estadual para a área de meio ambiente? Liszt Vieira: Eu esperava que o governo fizesse um plano, detectando quais são os problemas ambientais do Estado do Rio de Janeiro. Começasse com um diagnóstico por região e por temas (desmatamentos, poluição da água, poluição do ar, etc.) E, depois, apresentasse prioridades para solucionar estas questões ambientais. A realização da Conferência da ONU é uma grande oportunidade para se exigir do governo não apenas obras de fachada na cidade do Rio de Janeiro; que eles vão fazer, para não passar vergonha com as delegações dos governos estrangeiros, que aqui chegarão. É necessário cuidar dos problemas da cidade que vai acolher a Conferência da ONU. Mas não podemos esquecer do Estado como um todo. Espero que o Governo do Estado elabore um plano de proteção ambiental para todo os Estado e o execute. Parece que eu digo uma coisa muito fácil. Mas, até hoje, nenhum governo fez isto. Espero, que, agora, já haja consciência, por parte do poder público, de que chegou a hora de fazer um plano para a proteção do meio ambiente do Estado. Folha da Serra: Você vê como urgente um plano de ocupação territorial para Mauá? Liszt Vieira: Sim. Porque quando não há consciência ecológica, algumas pessoas se acham com o direito de propriedade ilimitado. Mas, não é assim. O direito de

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Por uma ecologia aberta

Desmoronaram os regimes, sistemas e ideologias que, durante décadas, sustentaram nossas crenças e valores. As armas teóricas de que se valiam os oprimidos para enfrentar a opressão do capital tornaram-se obsoletas. A esquerda e os movimentos populares mergulham em perplexidade ou limitam-se a repetir chavões que não convencem mais ninguém, porque passam ao largo de questões essenciais. A crise do mundo capitalista e socialista, a decadência da sociedade patriarcal, a destruição ecológica que ameaça o planeta nos desafiam a buscar novos modos de vida e de pensamento. Já faz algum tempo, os que entendem a democracia como forma de existência social e não apenas como regime político vinham defendendo a democratização do poder político e econômico, o fortalecimento dos órgãos representativos da sociedade civil, a democratização dos meios de comunicação, a criação de instrumentos de contra-poder e atenção especial à ecologia, questão social que se tornou explosiva nos anos 80.A realidade confirmou a lucidez dessas preocupações, que acabaram se tornando bandeiras na campanha presidencial de 1989, embora não tenham sido incorporadas à prática cotidiana dos partidos. O próprio movimento ecológico limitou-se a uma perspectiva puramente ambiental, e apenas seus setores mais conscientes articulam a questão ecológica à social. Contudo, esta visão é ainda muito estreita, incapaz de oferecer alternativas. Hoje é preciso ir muito mais além. É preciso encontrar um novo modo de viver em sociedades onde as transformações tecnológicas e científicas se processaram à custa de uma degradação social e cultural. As crescentes mecanização, automação e informatização tendem a liberar uma quantidade cada vez maior de tempo de trabalho. Isto não precisa significar, como tem ocorrido, o desemprego, a marginalidade, a solidão, a angústia, a neurose. Pode, ao contrário, abrir caminho à cultura, à criação, à pesquisa, à reinvenção do meio ambiente e ao enriquecimento dos modo de vida e sensibilidade. A crise da sociedade contemporânea só poderá ser enfrentada com uma revolução política, social, cultural, a partir de uma articulação teórico-política entre as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a das idéias. Esta revolução deverá reorientar a produção dos bens materiais e simbólicos. Deverá se processar não apenas nas relações de força visíveis em grande escalar (reformas de cúpula, planos de governo, partidos, sindicatos), mas também nos domínios moleculares da sensibilidade, inteligência e desejo, ao nível da sida cotidiana. Os mecanismos de dominação não se manifestam apenas nas estruturas de produção de bens e serviços, mas também nas estruturas de produção de signos e subjetividade, através da mídia, da publicidade, etc.Tão decisivas quanto as relações econômicas são as relações da subjetividade, que as sustentam. O poder repressivo é introjetado pelos oprimidos e muitas vezes os partido e sindicatos de trabalhadores reproduzem os mesmo modelos autoritários que bloqueiam a liberdade de expressão e inovação. Este é um problema-chave que a ecologia social e mental deverá enfrentar. O capitalismo, hoje, estendeu o seu domínio sobre o conjunto da vida econômica, social e cultural do planeta, incorporando-se à subjetividade e ao inconsciente das pessoas. Por isso, não é mais possível fazer-lhe oposição somente “do exterior”, mediante as praticas sindicais e políticas tradicionais. Devemos enfrentar seu domínio na vida cotidiana individual, nas relações domésticas de vizinhança, éticas. Para isto, em vez de um consenso mediocrizante, é preciso cultivar o dissenso e a produção singular de existência que a pasteurização capitalista tenta impedir. É necessário uma ecologia com uma visão transversalizante, abrangendo elementos ambientais, sociais e mentais. A ecologia ambiental apenas antecipou a ecologia generalizada que preconizamos. Ela impõe a reavaliação da finalidade do trabalho e das atividades humanas em função de critérios diferentes dos de rendimento e lucro. Exige a democratização dos meios de comunicação, a serem reapropriados por grupos autônomos e representativos da sociedade civil: o fim do monopólio da produção de sentidos e valores. Supõe também iniciativas de desobediência civil como a Rádio e a TV livres, ou “piratas”. Impõe um questionamento radical das práticas e da subjetividade, incluindo-se aí as sociedades do chamado socialismo real, que acabam de desintegrar-se na Europa Oriental. Não propomos um modelo de sociedade pronto para usar, mas sim a produção de novos sistemas d valores através de novas práticas sociais, estéticas, ético-políticas, novas práticas de si em relação ao outro. Tudo isso permeia as urgências conjunturais. A história humana sobre o planeta não é mais teleguiada por Deus, pela Ciência, pela Razão, ou pelas leis da História. Ela nos faz reencontrar o sentido grego da palavra “planeta”: astro errante. Resta saber se, despojado de verdades que não mais devem ser encontradas, mas sim criadas, o ser humano pode se constituir livremente, olhando o mundo como obra aberta, como um artista cuja obra maior será transformar sua própria vida em obra de arte. Liszt Vieira – Presidente do Instituto de Ecologia e Desenvolvimento

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O INIMIGO INVISÍVEL

Liszt Vieira A guerra no Afeganistão e o desmoronamento do regime talibã deixaram para trás uma questão sem resposta. Os EUA gastaram bilhões de dólares com a guerra nas estrelas e o escudo anti-mísseis que de nada serviram para proteger o cidadão americano. A guerra não veio das estrelas e, provavelmente, não virá. É altamente improvável que os EUA venham a ser atacados por outro país. Mas foi exatamente para esta hipótese que os sucessivos governos da Casa Branca se prepararam. Apesar de atentados terroristas anteriores em seu território, os EUA mostraram despreparo total para enfrentar o terrorismo. Entre os fatores apontados para explicar esta debilidade, destaca-se a pressão formidável da indústria bélica por verbas astronômicas que alimentam o poder do complexo industrial-militar norteamericano. Os Governos sempre venderam a idéia de que a segurança da nação depende dessa fantástica máquina de guerra capaz de impedir ataques de países inimigos. Esta visão oculta uma concepção estratégica equivocada. Os EUA permanecem presos à lógica de um paradigma anterior. Desde o Tratado de Westfália, em 1648, o mundo é dividido em Estados nacionais. O processo de globalização em curso rompeu com o predomínio absoluto dessa lógica nacional. Fenômenos e processos econômicos, financeiros, sociais, culturais, ambientais, criminais, comunicão eletrônica etc. tornaram-se imediatamente globais, ignorando os atributos básicos do Estado nação: território, soberania e autonomia. São questões mundiais que não podem mais ser resolvidas por um único país isolado. Para fazer frente a essa globalização autoritária, a sociedade civil se organiza e, nesse processo, também se globaliza. De Seattle a Gênova, passando pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre, a sociedade civil tem apresentado propostas alternativas à (des)ordem social internacional imposta pelos países dominantes. Nos últimos anos, surgiu, em todo o mundo, uma cidadania ativa lutando pela construção de um espaço público democrático transnacional. Mas surgiram também grupos fundamentalistas isolados que, eventualmente, podem recorrer ao terrorismo. O mundo ficou chocado com o atentado terrorista em Nova York e Washington. Mais de 5 mil pessoas foram mortas estupidamente. Mas quem se comove com os africanos morrendo de fome, de aids, vitimados em guerras sangrentas manipuladas muitas vezes por países ocidentais? As atrocidades praticadas pelos russos no Afeganistão e pelos americanos no Vietnam constituem verdadeiro terrorismo de Estado. Só no Vietnam morreram cerca de dois milhões de pessoas. E quantos morreram no Timor Leste massacrados pelos paramilitares indonésios? Sabe-se que 130 mil civis iraquianos foram mortos pelos bombardeios americanos na Guerra do Golfo. Os cinco mil mortos pelo terrorismo nos EUA repercutem e nos atingem mais do que milhões de civis mortos em países periféricos. Calcula-se que os EUA gastariam em um ano 100 bilhões de dólares na guerra do Afeganistão. Para começar a guerra, o Congresso americano aprovou 40 bilhões, cinco vezes mais que o PIB do Afeganistão. Se tivessem investido um quarto dessa verba no desenvolvimento econômico daquele país, talvez nem houvessem sofrido atentado terrorista. Mas prevaleceu a arrogante política isolacionista do Governo Bush que angariou a antipatia do mundo inteiro ao se recusar a assinar inúmeras convenções internacionais (tratado de Kyoto sobre efeito estufa, proibição de discriminação contra as mulheres, proteção do menor, proibição de minas antipessoais, criação do Tribunal Penal Internacional etc.). Os EUA financiaram os talibãs quando lutavam contra os russos, e Sadam Husseim na guerra contra o Irã. Armaram ontem o inimigo de hoje. Somente agora voltaram atrás e concordaram com a inspeção internacional de armas biológicas. Sempre defenderam as patentes contra os genéricos e a saúde pública. Agora, ameaçaram a Bayer com o genérico do antibiótico contra antraz, cujo preço acabou caindo cerca de 90%! Trata-se de salvar norteamericanos e não os 36 milhões de infectados com HIV, dos quais 24 milhões na África. O bioterrorismo pode provocar pânico. Conseguirão os EUA enfrentar esse inimigo invisível? Bush chegou a falar em cruzada, a guerra santa dos cristãos contra os muçulmanos na Idade Média. A guerra entre muçulmanos e o Ocidente é tudo o que deseja Bin Laden. Será necessário muita habilidade para não cair na armadilha. Mas a hora é dos falcões. Ao propor supressão de direitos civis, não estariam os EUA dando um tiro no pé? O Império contra-ataca, o que pode levar a uma possível escalada, como propõe o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Os mísseis “inteligentes” lançados no Afeganistão explodiram bairros residenciais, mataram civis inocentes, atingindo até hospitais, escritórios da ONU e a Cruz Vermelha. A guerra na Ásia central provocou ódio no mundo muçulmano, cerca de 1 bilhão de pessoas. Para compensar, um importante peão foi movido no xadrez geopolítico mundial: o apoio de Tony Blair ao Estado Palestino, com o sinal verde dos EUA. Há quem veja, além do poderio militar, sinais de declínio do império norteamericano. A crise atual poderá, pelo menos, ajudar a romper o fundamentalismo isolacionista do governo Bush, redefinindo os termos da equação política mundial. É possível que então os americanos possam enfim compreender porque são odiados no resto do mundo. E aceitar que entre o cowboy e o mulá existem outras opções.Liszt VieiraProfessor da PUC-RioAutor de Os Argonautas da Cidadania e Cidadania e Globalização

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CORRUPÇÃO, ESTADO E NAÇÃO

Estamos à beira da ruptura do nosso precário contrato social entre uma sociedade esgarçada e um Estado Frankestein “Quanto é que vai ganhar o leiloeiro/Que é também brasileiro/E em três lotes vendeu o Brasil inteiro?” Noel Rosa Entre as múltiplas funções do Estado, existe uma que nunca mereceu uma análise atenta dos observadores políticos. O Estado é também um aparelho de saque. É inegável que os detentores do poder sempre se banquetearam com o dinheiro público. De vez em quando surgem na imprensa notícias bastante esclarecedoras de como as coisas se passam nos bastidores do poder. Uma delas é a gravação de conversas políticas, realizada em geral com intenções espúrias. Tais gravações são extremamente didáticas e elucidativas dos mecanismos reais de tomada de decisões. Desvio de verbas, contribuição de empresas a campanhas eleitorais e cobrança de comissões na execução de obras públicas são exemplos de nosso cotidiano político. Se a corrupção é inerente ao poder -e, nesse sentido, é universal- as formas de exercício da corrupção são históricas, variam no tempo e no espaço. Uma democracia tem de institucionalizar instrumentos e mecanismos para reduzi-la ao máximo. Tais instrumentos estarão informados pelo princípio da transparência e da responsabilização. As autoridades devem responder por seus atos. A corrupção prospera na sombra e se alimenta da impunidade. Periodicamente somos brindados com escândalos que nada devem a um PC Farias. O grampo no BNDES mostrou a promiscuidade entre o público e o privado na privatização de Telebrás, Light e Vale do Rio Doce. Os diretores do BNDES e do Banco Central têm em geral como origem e destino o mercado financeiro, a quem serviram antes e continuarão servindo depois. O recente escândalo envolvendo o ex-secretário da Presidência Eduardo Jorge, o juiz Nicolau Santos Neto e o ministro Martus Tavares mostrou que, em se tratando de corrupção, o atual governo não é exceção. Aliado a setores conservadores, o governo FHC não conseguiu realizar o mínimo que dele se esperava: a modernização do Estado. Daí a atitude conservadora e repressiva assumida pelo governo federal. Um bom exemplo é a festa oficial dos 500 anos, quando a polícia parecia realizar cuidadosa reconstituição histórica ao reprimir os índios como os colonizadores sempre o fizeram. Já se disse que o povo brasileiro se identifica mais com sua geografia do que com sua história. Tem mais orgulho da natureza exuberante do que de uma história onde quase sempre esteve ausente. Se assistiu bestializado à proclamação da República, nem chegou a assistir à independência. Não tivemos aqui as guerras de libertação nacional que marcaram outros países da América, embora mereçam destaque algumas lutas regionais de forte presença popular, vistas na historiografia oficial como rebeliões contra a unidade nacional. Eis, talvez, a origem de diversos mitos, hoje já dissolvidos, como os da cordialidade brasileira, da nossa tradição pacífica e da superioridade da miscigenação racial que nos destinaria a constituir o berço de uma nova civilização. Esses e alguns outros são temas que atravessam as reflexões de intelectuais que pensaram o Brasil, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Darcy Ribeiro. O curioso é que a idéia de nação sempre foi um conceito caro ao pensamento conservador. Na visão marxista tradicional, nação é um conceito ilusório que oculta a divisão da sociedade em classes. Enquanto a direita falava em nação, a esquerda falava em classe social. Hoje, registra-se uma inversão: a elite neoliberal dominante fala em globalização e em integração ao mercado mundial -sem o que não há salvação-. Os partidos e movimentos sociais de oposição discutem a questão nacional. Para muitos a identidade nacional tornou-se uma espécie de miragem. Se nosso povo não vislumbra a identidade brasileira na história e a natureza, degradada pela atividade econômica, não pode mais constituir suporte para o orgulho pátrio, onde buscar a identidade nacional? A chave da questão encontra-se na ausência dos direitos de cidadania. A esperança no futuro depende não da reiteração de chavões ufanistas e nacionalistas, mas do fortalecimento da sociedade civil e da cidadania democrática no Brasil, para que as esferas do mercado e do Estado possam respeitar os três elementos que constituem o fundamento contemporâneo de uma nação civilizada: democracia -política, social e econômica-, sustentabilidade ecológica e diversidade cultural. Desse ponto de vista, o Estado brasileiro não é civilizado. Em negócio do Estado, o povo é danação. No país da impunidade, sem transparência e responsabilização das autoridades, a corrupção do andar de cima serve de demonstração ao andar de baixo. Não raro vemos que o pobre não quer apenas sair da pobreza, quer ficar rico. Se acrescentarmos a esse quadro a explosão da violência urbana, a brutal desigualdade na distribuição de renda, o desemprego, os baixos salários e a ausência de cidadania para grande parte da população, poderíamos concluir que estamos à beira da ruptura do nosso precário contrato social entre sociedade esgarçada e Estado Frankestein. Somente a participação efetiva da sociedade civil nas decisões governamentais poderá oxigenar o funcionamento do Estado e superar a atual esclerose múltipla das instituições políticas, agravada pela política neoliberal de Estado mínimo, de privatização da coisa pública e de destruição dos direitos sociais. O caminho para pôr fim à impunidade e promover a democratização do Estado e a regulação do mercado passa necessariamente pela construção de uma nova cidadania política, condição “sine qua non” de constituição de nossa identidade como nação. E tudo indica que se trata de uma tarefa urgente.

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Dois caminhos

LISZT VIEIRA Para mostrar que o mundo não é uma mercadoria, e que os valores éticos, sociais e culturais devem prevalecer sobre os interesses puramente econômicos, mais de duas mil organizações, com 15 mil delegados provenientes de 131 países, reuniram-se em 27 conferências e mais de 900 seminários e oficinas durante o II Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Desta vez, além de denúncias e análises, iniciou-se um debate construtivo com propostas sobre novas instituições que possam garantir uma governança global democrática, como o tribunal penal mundial alternativo ou o banco solidário mundial. Infelizmente, houve alguma perda pelo excesso de fragmentação e pela ausência de um documento de síntese que contemplasse as principais questões e propostas debatidas, sobre as quais já existe consenso. Simultaneamente, realizou-se em Nova York o Fórum Econômico Mundial, que congrega os representantes do poder econômico e político, para discutir os destinos da globalização e seus impactos no planeta. Pela primeira vez, a questão social constou, ainda que precariamente, da agenda oficial deste seleto clube dos poderosos da terra. O processo de globalização vem enfraquecendo os Estados nacionais. Fenômenos e processos econômicos, financeiros, sociais, culturais, tornaram-se globais, ignorando os atributos básicos do Estado-nação. Assim, comunicação eletrônica, capital financeiro, poluição ambiental, migrações, indústria cultural, tráfico de drogas, contrabando de armas, são questões que não podem mais ser resolvidas por um único país. Enquanto a esquerda tradicional vê a globalização apenas como eufemismo para o imperialismo ianque, a nova direita abandona o discurso sobre o interesse nacional para se integrar de forma subordinada ao mercado mundial. Para fazer frente a essa globalização autoritária, de cunho neoliberal, a sociedade civil se organiza e, nesse processo, também se globaliza. A sociedade civil surge como novo ator no cenário internacional, enfrentando os Estados e as empresas transnacionais. De Seattle a Gênova, passando pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre, a sociedade civil tem apresentado propostas alternativas à (des)ordem social imposta pelos países dominantes. Surgiu, em todo o mundo, uma cidadania ativa lutando pelo interesse público, por uma sociedade baseada na solidariedade e não na competição, por um desenvolvimento baseado na democracia, justiça social, diversidade cultural e proteção ambiental. O teólogo católico Teilhard de Chardin disse, certa vez, que, de mil delírios, alguns são proféticos. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre vem nos mostrar que o advento de uma sociedade civil global capaz de democratizar a política mundial é a utopia possível neste início do século XXI. E a esperança dos excluídos e deserdados da terra.LISZT VIEIRA é professor da PUC-RJ.

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Transgênicos e a luta anti-globalização

A reunião dos países mais ricos do mundo, abrigados sob a sigla G-8, iniciada em 20/07/01, em Gênova, contou com a proteção de 20.000 policiais para conter dezenas de milhares de manifestantes que foram protestar contra a globalização dominante e suas implicações desastrosas para os povos do mundo. Já no primeiro dia irrompeu a violência: um morto, 85 feridos e dezenas de presos marcaram de forma trágica o Encontro do G8. Além de participar em reuniões oficiais da ONU e outros organismos internacionais, buscando alternativas ao modelo econômico dominante – insustentável ecologicamente e injusto socialmente – algumas organizações da sociedade civil partiram para a estratégia de ação direta de enfrentamento da repressão policial que cerca as reuniões internacionais das entidades que manipulam o poder econômico e político global. Essas forças sociais transnacionais se organizam em torno de uma agenda que defende a democracia – política, social e econômica – a sustentabilidade ambiental e a diversidade cultural. Enfrentam, quase sempre, os interesses contrários das empresas multinacionais e do mercado financeiro, bem como dos Estados nacionais e organizações internacionais associados a tais interesses. Um das características marcantes do chamado processo de globalização é o enfraquecimento do Estado nacional e de seus atributos básicos. A soberania, autonomia e territorialidade se esvaziam pelo impacto de novos fenômenos e processos que transcendem a capacidade e até mesmo a possibilidade de decisão do Estado-nação. Comunicações eletrônicas, capital financeiro, poluição ambiental, tráfico de drogas, contrabando de armas, migrações, empresas transnacionais, invadem territórios deixando atrás Estados enfraquecidos e impotentes. Não apenas empresas multinacionais, como também organizações não governamentais têm hoje mais poder no cenário internacional do que a maioria dos países do mundo. Exemplo disso é a atuação de ONGs como a Anistia Internacional, Médico sem Fronteiras, Greenpeace, WWF etc., além das redes congregando entidades nacionais e locais em todo o mundo. Mas se a mídia vem dando grande destaque aos conflitos mundiais que acompanham as conferências internacionais, o mesmo não ocorre quando se trata de conflitos locais ou nacionais. Um bom exemplo é a luta da sociedade civil brasileira contra a imposição de alimentos transgênicos no mercado nacional por parte de multinacionais produtoras de sementes. Como se sabe, um grupo reduzido de empresas multinacionais produtoras e vendedoras de sementes transgênicas domina o mercado. As principais são a Monsanto, Novartis, Aventis, Dupont e Dow Chemical. A Dupont é a maior companhia mundial de sementes, seguida da Monsanto, ambas com receita acima de 1,8 bilhão de dólares cada uma. A Novartis – fusão da Ciba-Geigy com a Sandoz – é a terceira maior empresa do ramo com receita de quase um bilhão de dólares. Em seguida, vem a Aventis – fusão da Hoecht alemã com a Rhone-Poulenc francesa. Apesar do apoio obtido junto a certos cientistas e alguns setores da mídia, as multinacionais de biotecnologia vêm sofrendo contundente derrota na Justiça brasileira que, aplicando a Constituição, entendeu que não é possível lançar irresponsavelmente organismos transgênicos no mercado sem um prévio estudo de impacto ambiental e social, como manda a lei. As ações judiciais impetradas pelo Greenpeace e pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) foram vitoriosas nos tribunais federais em Brasília. Além de apoiadas na legislação brasileira, tais ações se fundamentam no princípio internacional da precaução, segundo o qual nenhum procedimento, processo, técnica, invenção ou descoberta deve ser aplicado se houver dúvida científica a respeito de seus possíveis danos à saúde humana ou ao meio ambiente. Nesse sentido, as organizações da sociedade civil defenderam o interesse público ao exigir na Justiça que o plantio da soja transgênica fosse permitido exclusivamente para efeito de pesquisa, durante o período de cinco anos. Igualmente grave é o caso do milho: a Monsanto domina 60% do mercado de sementes de milho no Brasil, a Dupont 14%, a Novartis 11% e a Dow 5% (A Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, Wilkinson/Castelli, ActionAid-Brasil, 2000). Ou seja, 90% das sementes de milho poderão virtualmente transformar-se em sementes transgênicas, agravando a dependência do agricultor em relação à indústria de biotecnologia e comprometendo seriamente a biodiversidade brasileira. Além disso, o Brasil perderia o crescente mercado dos consumidores que, em todo o mundo, cada vez mais rejeitam o alimento transgênico, o que acarretaria prejuízo comercial na exportação de grãos. Diante desse quadro, tem sido lamentável a postura do governo federal, mais voltada aos interesses comerciais das empresas transnacionais do que à defesa da saúde do consumidor brasileiro. Sete empresas transnacionais de transgênicos formaram um fundo de 50 milhões de dólares para “construir um apoio público para os transgênicos” (O Estado de São Paulo, 25/07/00). Há quem considere que essa fabulosa verba de publicidade ajuda a explicar certos apoios aos interesses das transnacionais. Recentemente, o presidente da república baixou decreto publicado no Diário Oficial de 19/07/01dispensando de rotulagem os produtos com menos de 4% de transgênicos na sua composição. Enquanto na Europa se exige rotulagem para produtos com mais de 1% de transgênicos, o decreto presidencial determina rotulagem indicando modificação genética somente para produtos contendo mais de 4% de organismos geneticamente modificados. Na prática, é um vigoroso passo adiante para liberar o comércio de transgênicos sem nenhum estudo sobre o impacto na saúde humana. Recorde-se que, em fins de 2000, o presidente FHC baixou, em 27 e 28 de dezembro, 74 Medidas Provisórias, entre as quais encontra-se a M. P. n° 2137 que atribui novos poderes à Comissão Tecnológica Nacional de Biossegurança – CTNBio – para emitir pareceres conclusivos destinados à liberação no mercado brasileiro de organismos geneticamente modificados (OGM), os chamados transgênicos. De qualquer forma, é no mínimo estranho que a CTNBio, enquanto órgão governamental incumbido de regular a produção e comercialização dos transgênicos, tenha se alinhado com as multinacionais, emitindo pareceres e decisões favoráveis à liberação dos transgênicos no mercado brasileiro, e sempre tenha perdido na Justiça. A Medida Provisória que fortalece a CTNBio para tentar impedir as derrotas que o governo federal e a Monsanto vêm colhendo na Justiça é mais um capítulo na luta que opõe o interesse público ao interesse econômico das

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